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Danilo Caymmi volta à época dos festivais com ‘Sabiá' e ‘Caminhando’ e fala sobre novo disco

Em ‘Andança 5.5′, o cantor e compositor interpreta canções apresentadas no final dos anos 1960; nesta entrevista, ele relembra os bastidores, fala de Milton e Nana e sobre a vida em Curitiba, onde, segundo ele, ‘se tem churrasco ninguém ouve música, o que é ótimo’

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Foto do author Danilo Casaletti
Atualização:

Não é à toa que Danilo Caymmi escolheu três canções finalistas do III Festival Internacional da Canção, realizado em 1968, para seu novo álbum, Danilo Caymmi – Andança 5.5, que chegou às plataformas no dia 26 de janeiro. Danilo estava lá, na histórica noite em que a grande vencedora foi anunciada, em um Maracanãzinho apinhado de gente que vaiou Sabiá, uma composição de Tom Jobim e Chico Buarque, interpretada pelas irmãs Cynara e Cybele.

O cantor e compositor Danilo Caymmi lança álbum de intérprete Foto: Natasha Durski

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A vaia doeu em muita gente. Danilo, à época estudante de Arquitetura, sabia que isso iria acontecer. Os diretórios centrais dos estudantes, os DCEs, já haviam combinado que qualquer escolhida que não fosse Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei de Flores), de Geraldo Vandré, mereceria o achincalhe público – mesmo que se tratasse de uma melodia de Tom Jobim e de uma letra, também política, de Chico. Aquela altura, o AI-5, ato que endureceu a ditadura militar, nem havia sido assinado.

Mas Danilo Caymmi – Andança 5.5 (55 são anos de carreira) não é um disco político. É um disco de intérprete que ronda o momento criativo dos festivais, sobretudo os de 1967 e 1968, nos quais Danilo, embora ainda estudante, já estava envolvido. Afinal, Andança, que ele compôs com Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, perdeu para Sabiá e Caminhando, mas ganhou o coração do público e consagrou a jovem intérprete Beth Carvalho.

Foi uma sorte a gente ter tirado o terceiro lugar (com ‘Andança’). Se fosse o primeiro, eu teria que vaiar a minha própria música

O músico explica o que pretende com esse novo trabalho. “É um álbum focado na interpretação. Com uma liberdade muito grande. É gravado ao vivo, direto”, explica Danilo. O que o músico quer dizer é que ele gravou a voz junto com o violão tocado por Flávio Mendes – em geral, os artistas gravam toda a base de instrumentos e colocam a voz em cima. Da maneira que Danilo fez, para ficar livre de qualquer amarra e poder cantar solto, se assemelha a uma apresentação ao vivo.

“As pessoas ficam emocionadas ouvindo. Essa coisa de você mexer dentro delas. Isso é muito importante para mim. Eu sinto falta de abordagens mais profundas nas canções que são lançadas atualmente”, diz, tendo como referência o retorno que recebeu com single Travessia, lançado no dia 12 de janeiro.

Além da voz de Danilo e do violão de Mendes, o álbum recebeu o complemento de poucos instrumentos, como o violoncelo de Iura Ranevsky e a percussão de Armando Marçal, além das flautas, todas tocadas por Danilo.

Além de Sabiá, Caminhando e Andança, Danilo escolheu canções que estavam no festival de 1967, do qual ele participou tocando flauta para Roberto Carlos no samba Maria, Carnaval e Cinzas. Lá também estavam seus dois irmãos. Nana concorreu com Bom Dia, única composição dela, uma parceria com Gilberto Gil, com quem era casada na época. Dori compôs e tocou violão em O Cantador, defendida por Elis Regina.

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Bom Dia abre o álbum de Danilo. “Poderia ter gravado O Cantador também. Me escapou”, lamenta. O cantor elogia a composição bissexta de Nana. “Nana é uma das melhores intérpretes que eu já vi”, diz.

Danilo também gravou Eu e a Brisa, de Johnny Alf, Pra Dizer Adeus, de Edu Lobo e Torquato Neto, e Viola Enluarada, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle. A maioria deles, seus contemporâneos, com quem divide muitas histórias.

O músico tem curiosidade de saber o que Milton Nascimento achou da regravação de Travessia. Ele gravou flauta na faixa Catavento, no primeiro disco de Bituca. “Éramos amigos de passear. Depois, nunca mais”, diz.

“Milton foi muito próximo da família Caymmi toda. Esteve comigo em Maracangalha”, conta, se referindo ao sítio que Dorival Caymmi teve na Baixada Fluminense e que levava o nome de sua famosa composição.

“É naquela área que está toda alagada hoje em dia”, diverte-se. “Não dá mais para ir para Maracangalha”, completa.

Os festivais

Na cronologia da música brasileira e dos festivais, 1967 e 1968 têm um peso importantíssimo: é o surgimento do Tropicalismo e do uso mais incisivo da guitarra elétrica, que bateu de frente com tudo o que vinha sendo feito até aquele momento.

Danilo, nesse álbum, não levou em conta novidades apresentadas por Gilberto Gil e Caetano Veloso, como Domingo no Parque, Alegria, Alegria e Divino, Maravilhoso. Muito por conta da sonoridade que escolheu. “Teria que tirar muito o pé da bola (nessas músicas) e soaria estranho. Não daria para ser nada com muito ritmo”, diz.

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Há cerca de seis anos, Danilo, 75 anos, que é carioca, mora em Curitiba. Além de acompanhar a cena musical local – ele cita nomes como o pianista Fábio Cardoso e a cantora Ana Decker – gosta de caminhar pelos parques da cidade e pintar. Um de seus quadros foi vendido para a jornalista da Globo News Leilane Neubarth. A capa de seu novo disco é uma de suas pinturas.

A capa do álbum de Danilo Caymmi é uma pintura autoral Foto: Danilo Caymmi

Valoriza o silêncio e o frio da capital paranaense. Diz não sentir falta da agitação do Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da vida.

Moro em um lugar silencioso. Se tem um churrasco, ninguém escuta música, o que é ótimo. Não ouvem pagode ruim. Porque tem o bom e o ruim, mas as pessoas gostam mais do pagode ruim

Danilo diz que, por ora, não tem inspiração para compor. Está com duas letras da compositora Ana Terra – como quem já fez canções como Pé Sem Cabeça e Cheiro Verde – para tentar musicar. “Fico olhando para o violão, ele fica olhando para mim... Mas, até o momento, não consegui fazer nada à altura das letras que ela escreveu”, conta.

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