(Des)encontros em tributo a João Donato no Ibirapuera

Roberta Sá e Fernanda Takai se salvam em noite de momentos constrangedores, como participação de Marcelo Camelo

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Disse Fernanda Takai, na terça-feira, 8,na homenagem a João Donato, no Auditório Ibirapuera: "As canções são maravilhosas, a orquestra é incrível – esse show tem tudo para dar certo, só os cantores é que podem estragar". Dito e feito. Com seu jeito cool, Fernanda foi a terceira a se apresentar no show e saiu-se muito bem nas três canções que interpretou, embora em certos momentos, sua vocalização intimista tenha sido abafada pelo volume da ótima orquestra Ouro Negro (e isto viria a se repetir com outros convidados), dirigida por Mario Adnet. Pena que a orquestra só tenha feito um número instrumental, um meddley de clássicos de Donato, na abertura. Veja também: Especial: 50 anos da Bossa Nova  Antes de Fernanda tinham passado pelo palco Bebel Gilberto e Adriana Calcanhotto. Claro que, elegante como sempre, a cantora do Pato Fu não se referia às colegas. Mas parte da platéia, que já se incomodara com as performances gélidas de Bebel e Adriana, captou outra mensagem na tal frase. Modesta, Fernanda fez a brincadeira com ela própria, já que tinha tido problemas com o microfone e, por conta disso, teve de repetir Lugar Comum, para alegria geral. Depois cantou Nunca Mais com delicadeza e mostrou toda sua graça na deliciosa Gaiolas Abertas. Bebel nervosa Bebel confessou-se nervosa ao abrir a noite arriscando-se em três clássicos (A Rã, Flor de Maracujá e Até Quem Sabe) do repertório de Gal Costa, a quem estendeu a homenagem. Valeu o esforço, mas que saudade daquela Gal daquele disco, a propósito intitulado Cantar (1974), com participação de Donato. Em seguida Bebel recebeu Adriana para dividirem os microfones em Bananeira, regravada pela primeira. Melhor no CD. Foi o primeiro grande (des)encontro da noite. Adriana (apontada por Bebel como "a melhor intérprete das minhas canções") assumiu a parada sem muita convicção, sisuda, apesar de disposta, desperdiçando a ótima Amazonas, com letra nova de Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti. Saiu-se melhor em Naquela Estação, parceria de Donato com Caetano Veloso e Ronaldo Bastos, que ela gravou no primeiro álbum, Enguiço, de 1990. Depois tentou em vão, que o público repetisse o título-refrão de Emoriô, sem o punch de Sandra de Sá, que a gravou num songbook de Donato. O que aconteceu para dar errado? O espaço era grande demais para um show de canções e vozes intimistas? A platéia estava fria? Sim, mas Bebel e Adriana também não engrenaram, não contribuíram para o show esquentar. Pareciam deslocadas, acanhadas, embora já tenham certa intimidade com o intrincado universo donatiano. E olhe que não faltou otimismo dos fãs de cada intérprete para que tudo desse certo. A esperança, então passou a recair sobre Roberta Sá com maior intensidade. Só que antes a platéia foi submetida a Marcelo Camelo. Sem voz, sem ritmo, sem carisma, sem domínio de palco, sem nada que justificasse sua presença ali, foi a coisa mais constrangedora da noite. Para piorar a situação, ainda coube a ele balbuciar canções que a gente aprendeu a amar nas vozes de Nana Caymmi (Brisa do Mar) e Ângela Ro Ro (Simples Carinho). Aí não dá, né? Que falta elas faziam ali. Donato aparece"Enfim alguém que canta", comentou alguém quando apareceu Roberta Sá. Esta sim, dominou a cena, cheia de suingue, voz e vontade em Não Tem Nada Não, Minha Saudade e Sambou, Sambou. Não salvou o tributo, mas garantiu sua parte, que foi ainda mais valorizada em comparação com os demais. Quando chamou Camelo de volta para juntar-se a ela e Donato, que finalmente apareceu no palco para tocar piano e cantarolar, em Chorou, Chorou, ouviu-se um "ah não". Convocando as outras cantoras de volta, veio o segundo grande (des)encontro em Ê Menina (afoxé de Donato em parceria com Guarabyra gravado por Gilberto Gil). Donato disse que era muita emoção, para corrigir em seguida: "não muita". Pois é. Marcelo D2 deu uma certa animada no ambiente juntando-se a eles em Balança Menina, mas a confusão era tanta que nem se ouvia quem cantava o quê. Adriana, então, mal mexia os lábios. A cena era bonita, com Donato rodeado pelas meninas e pelos Marcelos, todos sorridentes, mas infelizmente essa felicidade não se refletiu nas soluções musicais, por deficiência dos cantores. O final com A Paz (de Donato e Gil, que Zizi Possi elevou ao sublime) pareceu ainda mais amador, quase um karaokê de colegiais. Nem deu pra esperar o previsto bis com Nasci Para Bailar. A idéia da homenagem (com direção e belo roteiro de Nelson Motta), era mostrar como a "bossa eternamente nova" de Donato atravessa gerações com viço absoluto. Infelizmente nem todo o elenco se dedicou com a devida competência (notável em seus trabalhos individuais) a prestar o tributo que o compositor merecia. Esses shows coletivos acabam de um jeito ou de outro dando nisso: falta ensaio, entrosamento, capacidade de improviso, é difícil achar o tom certo dos arranjos para casar as vozes de timbres diferentes. Mas a gente ainda acredita, vai ver e mais uma vez percebe que entrou em outra grande roubada.

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