Diogo Vilela revive um mito da música em ‘Cauby, Uma Paixão’

Espetáculo musical em que o ator canta sucessos como ‘New York, New York’ e ‘Conceição’ também relembra histórias do cantor, que morreu em 2016

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Foto do author Ubiratan Brasil

Minutos antes de entrar em cena, o ator Diogo Vilela cumpre um importante ritual: segurando a mão de algum amigo, ele fecha os olhos e repete um mantra: “Vem, Cauby!”. “Logo, eu me torno um cavalo dele e já posso entrar em cena”, conta Diogo, referindo-se ao termo que identifica uma pessoa no estado de transe após receber uma entidade. Pronto: antes mesmo de pisar no palco, o ator está preparado para iniciar o espetáculo Cauby, Uma Paixão, que estreia nesta sexta, 14, no Teatro Liberdade.

Cena do espetáculo Cauby, uma Paixão, com Diogo Vilela, em homenagem a Cauby Peixoto Foto: Julia Lanari

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Durante 1h20, Vilela interpreta 20 canções e relembra histórias pitorescas do cantor Cauby Peixoto. Detalhe: em nenhum momento ele abandona o personagem. “Sou Cauby do início ao fim: falo como ele, com a mesma variação no tom, e canto de uma forma muito próxima também”, comenta o ator que, em cena, não busca imitar o cantor. “Faço uma síntese do artista, ainda um dos mais queridos do Brasil.”

O resultado deixa a plateia eufórica: gritos de “Cauby!” se confundem com declarações de amor, como se o próprio cantor (que morreu em 2016, aos 85 anos) estivesse presente, com sua voz retumbante. Vilela não deixa por menos: além dos trejeitos característicos, ele usa uma peruca e um terno brilhante que ganhou do próprio Cauby.

Cena do espetáculo Cauby, uma Paixão, com Diogo Vilela, em homenagem a Cauby Peixoto Foto: Julia Lanari

“Quando vi a Glória Menezes chorando, na apresentação no Rio de Janeiro, eu me convenci de que o espetáculo tem uma verdade poderosa”, diz Vilela que, animado, até ensaia deixar a carreira de ator em suspenso para se aventurar mais como cantor. “Cauby está no inconsciente coletivo do brasileiro, está na memória de todos.”

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Vilela conversou com o Estadão no Bar Brahma, tradicional reduto boêmio no centro de São Paulo e onde Cauby fez diversas turnês - com uma grande capa cobrindo o smoking estilo Liberace e muitos anéis, ele parecia uma autoridade eclesiástica ao entrar em cena, sempre às terças-feiras. “E todas as apresentações eram memoráveis”, relembra Vilela, cujo show, que já passou por outras capitais, chega a São Paulo com duas novas canções: Começaria Tudo Outra Vez e Você Me Vira a Cabeça, interpretadas por Diogo ao lado de três músicos, que também usam ternos que pertenceram a Cauby e foram presenteados ao ator em 2005.

Naquele ano, Vilela estreou no Rio o musical Cauby! Cauby!, com 10 atores em cena, 5 músicos e mais de 120 figurinos. Com dramaturgia e direção de Flávio Marinho, o espetáculo era fruto de três anos de pesquisa do ator, que fez estudos, leitura de livros, entrevistas e teve alguns encontros com o próprio Cauby, que só passou a confiar na proposta de Vilela após se certificar de que não se tratava de um projeto depreciativo.

O teste derradeiro aconteceu em 2006, quando o musical foi finalmente visto por Cauby em São Paulo. Na noite de estreia, lágrimas se confundiram com risos, a bênção definitiva tão esperada por Vilela. De fato, o musical narrava, em dois atos, a história do menino pobre de Niterói, que sonhava em ser príncipe e acabou se transformando em “uma das figuras mais especiais do show business brasileiro, dono de estilo e voz inconfundíveis”, como definiu Marinho. “Cauby contrapõe a exuberância de sua presença cênica a uma discretíssima vida pessoal.”

Antes da estreia paulistana, naquele 2006, o Estadão promoveu um encontro entre os dois artistas. Logo no início, eles já mostravam a mesma dificuldade ao cantar certas músicas. “Em algumas canções, eu só consigo começar nos agudos”, avisou o cantor, apoiado pelo ator, cuja voz é de barítono. “Sinto também essa obrigação, que se torna ainda mais difícil quando a canção tem de ser representada”, disse Vilela.

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A homenagem revelou também detalhes do homem que vivia ocultado pela figura do cantor. “E sem pudor do kitsch ou do glamour, sem medo da melancolia ou da autocrítica”, acrescentou Marinho.

Encerrada a temporada do musical, Vilela ainda tinha o desejo de retomar o personagem, o que aconteceu durante a pandemia, quando foi convidado a mostrar uma versão reduzida e apresentada sem plateia - direto pelo vídeo. “Confesso que não botei muita fé, mas somamos 500 mil visualizações”, conta ele, que aproveitou para acrescentar ao repertório novas canções que foram gravadas por Cauby e que habitam o imaginário coletivo até hoje - como Dindi.

Novas apresentações aconteceram até que, com o abrandamento da pandemia, ele levou o pocket show para o palco, agora com direção de Marco Aurélio Monteiro. Obsessivo, ele gosta de passar várias vezes as canções para entrar em cena com segurança. “Ensaio é uma adequação - gosto de brincar dizendo que minha voz é como um Fusca: quanto mais é usada, melhor ela funciona.”

Na persona de Cauby, o ator busca dosar a emoção. Mas nem sempre é possível. “Quando interpreto Começaria Tudo Outra Vez, quase sempre choro”, confessa ele, lembrando da grande expectativa do público para ouvir dois hits do cantor: New York, New York, que encerra o show, e Conceição. “Cauby me contou, certo dia, que não suportava mais cantar essa música. Mas não tinha escolha.”

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