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Dolby Atmos quer que você escute bem (de todos os lados); entenda a tecnologia de ‘som imersivo’

Alvo de forte investimento da Apple Music e de gravadoras, o Dolby Atmos pode levar à mudança mais importante no áudio em 65 anos

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Por Bob Mehr

NYT - Depois de mais de 30 anos como produtor e engenheiro, Brad Wood não sabia ao certo se ainda tinha futuro na música.

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Saxofonista com formação clássica, Wood começara na cena musical de Chicago no início dos anos 90, produzindo álbuns inovadores para Liz Phair e Veruca Salt, além de discos de platina para Smashing Pumpkins e Placebo. Em 2000, ele se mudou para o sul da Califórnia, onde viveu bem por um tempo – e depois mal sobreviveu, porque a era do download afundou os orçamentos das gravadoras e a marca de rock em que ele se especializara perdeu relevância cultural.

Muitos de seus colegas desistiram, mas Wood persistiu, trabalhando mais e ganhando menos. “Acho que cheguei ao ponto em que estava ganhando o mesmo de quando tinha começado”, disse ele.

Então, em 2021, uma tecnologia emergente levou Wood – e milhares de profissionais de gravação como ele – a um inesperado boom.

Nos últimos dois anos, Wood esteve ocupado mixando discos antigos e novos em Dolby Atmos, um formato de áudio que permite aos engenheiros criar uma experiência de audição mais imersiva do que o estéreo tradicional, colocando os sons ao redor e acima do ouvinte. Trabalhando para várias gravadoras, Wood fez mixagens Atmos para Supremes, Pogues, Jennifer Lopez, Modest Mouse, Gwen Stefani e Soul Asylum – mais de trezentas faixas no total, o equivalente a duas dúzias de álbuns.

O produtor de música Brad Wood, no Seagrass Studio, em Los Angeles Foto: Michael Tyrone Delaney/The New York Times

“A coisa toda foi bastante inesperada e empolgante”, disse ele.

Mudança no áudio

Para a Dolby, a empresa de áudio que desenvolveu o Atmos, e a Apple Music – que investiu pesado nele – a tecnologia pode levar à mudança mais importante no áudio em 65 anos.

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“A indústria fonográfica passou de mono para estéreo décadas atrás e não mudou muito desde então”, disse John Couling, vice-presidente sênior da Dolby Laboratories, em entrevista por telefone.

Houve esforços para convencer o público a adotar novas tecnologias avançadas nas décadas seguintes, como o som quadrifônico nos anos 70 e o som surround 5.1 nos 90, mas com pouco sucesso.

“Mudamos os formatos, mudamos os métodos, mudamos todo tipo de coisa”, disse Couling, “mas ainda era fundamentalmente o mesmo som. O Atmos é uma experiência completamente nova”.

Oliver Schusser, vice-presidente da Apple Music, disse que sua empresa, que incentivou gravadoras a oferecer material de catálogo em Atmos, vê isso como uma forma de trazer o valor sonoro de volta à música – algo que se perdeu em toda uma geração que cresceu durante a era do streaming.

“Não havia valorização da arte e do trabalho dos engenheiros de som e da mixagem e masterização”, disse Schusser em videochamada este ano. “Isso realmente nos doía. Queríamos consertar essa falha.”

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Atmos e streaming

Hoje, todas as três grandes gravadoras e centenas de independentes estão entregando faixas em Atmos. Apple Music, Amazon Music, Tidal e Qobuz estão entre os 15 serviços de streaming que levam o Atmos a 160 países e mais de 500 milhões de ouvintes.

“Mas diga a palavra ‘Atmos’ para qualquer pessoa do público em geral e ninguém vai saber de que diabos você está falando”, disse o veterano engenheiro e produtor Bob Clearmountain. Uma das figuras mais respeitadas e influentes no mundo da gravação, Clearmountain de início duvidou do poder de permanência do Atmos, mas passou a acreditar em seu futuro.

“A música virou ruído de fundo para a maioria das pessoas. É um negócio que fica tocando no fone de ouvido enquanto você está fazendo outras coisas”, disse ele durante uma ligação no mês passado. “Quando eu era adolescente, costumava ouvir um álbum três, quatro vezes, só sentado na frente das caixas de som, em transe”. Essa forma de ouvir desapareceu, disse, mas ele espera que o Atmos possa trazê-la de volta, “se conseguirmos fazer com que as pessoas entendam o que é e ouçam do jeito certo”.

Do lado de fora, parece que o Atmos está entrando em um período crítico que pode decidir se ele vai iniciar uma revolução sônica ou se vai virar só mais uma tecnologia perdida no tempo.

Como funciona

O Dolby Atmos, lançado em 2012, foi inicialmente desenvolvido para cinemas e o mercado de home theater. Por oferecer uma paleta mais ampla que o estéreo e diferir das configurações tradicionais de canal 5.1 e 7.1, o Atmos permite que os engenheiros – geralmente mixando em uma dúzia ou mais de alto-falantes – coloquem fontes de som na frente, ao lado, atrás e até acima do ouvinte.

“Quando você pega sons e os separa uns dos outros”, disse Couling, “consegue ouvir esses sons independentes com muito mais clareza do que se eles estivessem um em cima do outro. Ao criar espaço, também criamos profundidade e clareza – e descobrimos que é isso que os criadores de conteúdo realmente queriam”.

Para artistas como o fundador do Chic, Nile Rodgers, o áudio imersivo é o que há de mais próximo da experiência do músico. “Quando estou gravando, fico dentro de um estúdio com a banda”, disse Rodgers durante um bate-papo por vídeo, “ficamos tocando e tocando e o que acontece é que estamos envoltos em som. Para mim, música é isso”.

Ouvir mixagens Dolby Atmos em um estúdio de gravação profissional pode ser uma experiência poderosa. “É incrivelmente sedutor”, disse Clearmountain, que fez projetos Atmos para Bruce Springsteen, Rolling Stones e outros. “Toquei faixas do Atmos para muitas pessoas, e elas disseram: ‘Nunca mais vou conseguir ouvir estéreo’. As pessoas choraram, comovidas com o que estavam ouvindo. Tem um efeito incrível”.

Críticas

As opiniões entre os profissionais de gravação sobre qualquer assunto raramente são uniformes, então alguns deles têm reservas sobre o Atmos.

Susan Rogers, engenheira de Prince por muitos anos, deixou a indústria da música no final dos anos 90 para se tornar neurocientista cognitiva. No outono passado, a Dolby a convidou para visitar a sede da empresa em São Francisco e ouvir um novo mix Atmos de When Doves Cry, de Prince, faixa na qual ela tinha trabalhado.

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“Tanto como engenheira quanto como psicoacústica, não sei ao certo se é de fato uma melhoria”, disse Rogers em entrevista por telefone.

Ela observou que há razões evolutivas e biológicas pelas quais as fontes sonoras vindas de trás e de cima dos ouvintes podem ser perturbadoras ou indutoras de ansiedade. Ela também disse que a música é uma forma potente de comunicação em grande parte porque a fase consumatória acontece inteiramente na cabeça do ouvinte. Ter fontes mais claras pode dificultar que a pessoa saiba no que prestar atenção.

“Foi isso que percebi ao ouvir When Doves Cry em Atmos”, disse Rogers. “Parecia incrível, mas era mais difícil juntar a faixa em um todo unificado naquele lugar íntimo onde escuto música. Achei perturbador”. Sua “reação instintiva foi ‘não quero isso’”, disse ela. “Mas, com o tempo, posso aprender a gostar”.

Investimento

A Apple Music está apostando forte que o público em geral vai adorar o Atmos. Embora outras empresas, como a Amazon, tenham flertado com a tecnologia, em 2021 a Apple decidiu se comprometer totalmente com o Atmos, colocando seu próprio toque de marca e propriedade na tecnologia, apelidando-a de áudio “espacial”.

Estrategicamente, o Atmos oferece à Apple Music uma maneira de se diferenciar ainda mais de concorrentes de streaming como o Spotify – que historicamente ignorou alta resolução ou opções avançadas de áudio – e drenar participação de mercado do serviço de música dominante do setor, o YouTube.

“Queríamos algo em que as pessoas notassem a diferença de imediato”, disse Schusser. “Talvez nem todo mundo amasse o Atmos ou o áudio espacial de primeira, mas todos saberiam que é uma coisa diferente. E a agora esperança é que a maioria venha a gostar da atualização”.

Inicialmente, o maior desafio da Apple era que havia muito pouco conteúdo Atmos disponível. Em 2017, Automatic for the People, do R.E.M., se tornou o primeiro álbum mixado para Atmos e, nos anos seguintes, vários lançamentos notáveis da nova tecnologia – Elton John, Queen e Beatles – mostraram as possibilidades do formato.

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Para atingir seus objetivos mais amplos, a Apple precisava fazer com que o conteúdo do Atmos fosse mais viável e abundante. Começou com uma parceria com a Dolby para incentivar os estúdios de gravação a fazer atualizações para o formato. Agora existem cerca de 800 estúdios Dolby Atmos oficialmente reconhecidos em mais de 40 países, um aumento de 350% em apenas dois anos. (A Dolby calcula que haja duas ou três vezes mais estúdios capazes de produzir música em Atmos).

A Apple Music também elaborou listas de desejos de artistas, álbuns e faixas e as apresentou às gravadoras, junto com financiamento e prazos, para ajudar a expandir rapidamente a biblioteca de títulos disponíveis em Atmos. Nos últimos anos, esse esforço para remixar cinquenta anos de música pop trouxe uma onda de trabalho para engenheiros e mixadores, que de repente se viram fazendo negócios de volume no formato.

Uma das razões pelas quais outras tecnologias de som surround altamente elogiadas, como 5.1 e 7.1, fracassaram é porque exigiam uma configuração de alto-falantes específica. O Dolby Atmos, no entanto, é escalável e pode se adaptar a uma variedade de configurações.

No fone ou no carro

Dado seu sucesso no mercado de fones de ouvido, a Apple enfatizou a reprodução em seus dispositivos AirPods e Beats Fit Pro, que oferecem uma versão da experiência Atmos com rastreamento dinâmico (onde o som muda junto com o movimento do usuário) na faixa de US$ 200 a US$ 500. Vários outros fabricantes, como Audeze, RIG, Corsair e LG, também oferecem fones de ouvido Atmos.

As opções para sistemas de música domésticos acessíveis desenvolvidos especificamente para o áudio Atmos são limitadas. A Amazon e a Apple há muito oferecem seus próprios alto-falantes inteligentes habilitados para Atmos, mas nenhum deles transmite toda a gama de sons possível.

Em março, a Sonos apresentou o primeiro alto-falante a menos de US$ 500, o Era 300, que traz a experiência Atmos com mais sucesso em uma única unidade compacta, equipada com meia dúzia de drivers que direcionam o som para os lados e para cima.

Se o Atmos um dia atingir massa crítica, talvez seja por meio dos automóveis. A maioria dos carros vem equipada com mais de uma dúzia de alto-falantes, fazendo deles um ambiente natural para áudio imersivo. Até agora, algumas das principais montadoras, como Mercedes-Benz e Volvo, apresentaram planos para colocar o Atmos em seus veículos. É um mercado que a Dolby e a Apple dizem estar determinadas a expandir ainda mais.

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“Mas esse tipo de mudança tecnológica não acontece em um ou dois anos – e é assim que tem sido até agora”, disse Schusser. “Precisamos trabalhar mais, claro. Mas estamos todos otimistas de que chegaremos lá com o Atmos”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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