Análise | É o fim da Virada Cultural? Ao temer o centro, ela perde a identidade e cria ‘cercas imaginárias’

A descentralização dos palcos é positiva, mas o nó vai além do incentivo à economia local; a edição 2024 foi realizada neste fim de semana em São Paulo

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Pelo segundo ano, os principais palcos da Virada Cultural foram cercados por tapumes de metal no Vale do Anhangabaú. Nas periferias, o evento nem é uma virada: ele começou no sábado, 18, parou para dormir e voltou no domingo, 19. Perto dos 20 anos, a festa cultural que chamava a população ao centro vive uma crise de identidade.

Plateia durante show da Virada Cultural na noite de sábado, 18 de maio de 2024, no Vale do Anhgangabaú Foto: Taba Benedicto/Estadão

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A descentralização dos palcos é positiva – foram 12 arenas e 22 palcos espalhados pela cidade. Mas o nó vai além do incentivo à economia local, como justifica o poder municipal. A abertura gratuita dos espaços públicos no centro facilita o lazer cultural de quem vive na quebrada. Discutir os locais do evento é pré-definir as relações das pessoas com a cidade. Ou seja: criar ou não cercadinhos imaginários em outras regiões da cidade.

A virada está no meio de uma discussão sobre o próprio centrão. Os 27 palcos de 2019 viraram dois, uma festa espremida pelas carências históricas, como falta de segurança pública, saúde, moradia e assistência social. Os arrastões de 2022 evidenciaram o drama.

Briga entre um grupo de jovens durante a Virada Cultural 2022, no Vale do Anhangabaú. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Mas o lobo continua atrás da porta, o que ficou evidente na madrugada de sábado. Dentro do espaço dos tapumes – alguns coloridos para dar uma disfarçada no cinza do metal -, a Secretaria de Segurança Pública confirmou uma prisão por tráfico de drogas. Profissionais de segurança privada relatam inúmeras pequenas brigas, um deles mostra o punho inchado por causa de uma mordida. “Tem gente que quer entrar no VIP”, diz. Os dados oficiais das intercorrências ainda não foram divulgados.

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Da catraca para fora, os frequentadores do centro carregam “o celular do ladrão”, como disse um fã da cantora Joelma mostrando um Samsung J3. Um arrastão foi registrado na rua Capitão Salomão, perto da Avenida São João. As imagens foram captadas por moradores da região. No trajeto entre a sede da Prefeitura e o Paço das Artes, principal acesso ao evento, o Estadão flagrou um estudante que teve um iPhone roubado e procurava uma viatura policial.

Nas redes sociais, a gestão Ricardo Nunes (MDB) foi criticada por ter divulgado pouco o evento. No Instagram, as publicações começaram no dia 10; na Secretaria de Cultura, no dia 8, e na Prefeitura, no dia 11. Internautas questionam a razão desse cronograma que consideram apertado para o povo se programar.

A Prefeitura afirma que “tem feito ampla divulgação do evento, já tradicional na cidade, com publicações nos seus canais oficiais (sites e redes sociais), apoio dos artistas, anúncios nos relógios digitais, abrigos de ônibus, TV do metrô e spots em rádios, além da divulgação espontânea pelos diversos veículos de imprensa”.

Público do Palco Butantã da Virada Cultural no domingo, 19 de maio de 2024 Foto: Taba Benedicto/Estadao

A prefeitura cita ainda que “dados do Observatório do Turismo mostram que, em 2023, 86% do público considerou acertado o modelo de atrações distribuídas pela cidade” e que “64% dos entrevistados afirmam que o evento tem melhorado a cada ano”.

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A crise identidade - aquela pessoa que olha no espelho, mas vê uma imagem embaçada - passa longe da questão artística. Os shows foram bons em vários palcos e deixam um rastro de grandes memórias. O pêndulo que Pabllo Vittar levou ao show mais lotado do Anhangabaú, oscilando entre o discurso político e a fileira de hits, e o domínio vocal de Joelma que cantou – sem playback – por 1h30 foram destaques no centro.

Quando Vanessa da Matta estendeu a mão e chamou o intérprete de Libras Daniel Barreto para dançar forró no palco do Butantã, na zona oeste, muita gente ficou com a sensação de “como eu queria estar lá”.

E Marília Mendonça continua por aqui pouco mais de dois anos após sua morte em um acidente aéreo. Em um daqueles momentos de calorzinho no coração, MC Kevin o Chris pediu que a plateia de Parelheiros gritasse os nomes de parentes que perderam quando cantou Espera eu chegar.

Show da cantora Pabllo Vittar durante a Virada Cultural 2024.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Marcelo Falcão, ex-vocalista da banda O Rappa, comandou a plateia que lotava a praça do Campo Limpo com os sucessos de mais de 30 anos de carreira. Quase como uma oração, as pessoas colocaram as mãos para o alto, a pedido do cantor, e cantaram Pescador de Ilusões. Será que é só música?

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A Virada 2024 não foi feita de momentos sublimes. Na Parada Inglesa, a plateia de Gloria Groove teve de cantar mais alto que a cantora porque o som estava muito baixo. No Butantã, Lenine chegou a dizer que teria de “encher linguiça” por causa de uma falha da iluminação.

O atraso “pegou” em várias arenas, em vários pontos da cidade. Léo Santana demorou uma hora para entrar, também no centro, por “problemas técnicos na iluminação” – de novo, as luzes - de acordo com a prefeitura. Antes do show da Pabblo, com uma hora de delay, parte da plateia vaiou. O efeito cascata se repetiu neste domingo. A apresentadora teve de acelerar seu discurso para chamar o rapper Matuê, o último do Anhangabaú.

Maria Rita canta no Palco Butantã da Virada Cultural em 2024 Foto: Taba Benedicto/Estadao

O problema mais grave aconteceu no show do cantor MC Lipi. De acordo com a prefeitura, o show foi cancelado pelo próprio artista, sem explicar o motivo.

Nesse balanço de coisas boas e ruins, enquanto esperava essa apresentação, em uma plateia cheia, mas não lotada, a estudante de Psicologia Larissa Beltrão, de 22 anos, disse que seu coração estava em festa, que ela já queria voltar no ano que vem, mas que não queria ficar com medo de perder o celular no caminho para o metrô nem ver tantas pessoas em situação de rua. E ela diz que nem precisa ficar no vip.

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Análise por Gonçalo Junior
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