Ele foi o nome por trás da criação da Sala São Paulo. Aos 92 anos, tem novos sonhos para o Centro

O engenheiro Mario Eduardo Garcia acalentava o sonho de SP ter uma orquestra sinfônica de nível internacional e foi uma peça fundamental para a transformação da Estação Julio Prestes na casa da Osesp. Amante da música clássica, ele ainda busca formas de melhorar seu entorno

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

Esqueça Mário Covas, Marcos Mendonça e John Neschling. É certo que os dois políticos e o maestro realizaram o sonho do engenheiro Mario Eduardo Garcia 25 anos atrás, quando foi inaugurada a Sala São Paulo, toque final e grandioso da transfiguração da Osesp. Mas Garcia foi o primeiro a acalentar o sonho de São Paulo ter uma orquestra sinfônica de nível internacional e com casa própria de excelência, como o Musikverein de Viena.

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E isso desde 1991, quando sua paixão pela música levou-o a uma verdadeira peregrinação. “Queria entender por que São Paulo não tinha uma grande orquestra sinfônica”, diz em entrevista ao Estadão. “Falei com a então secretária de Cultura do município, Marilena Chauí, sem sucesso. No limite, fiz um anúncio no guia de concertos ‘São Paulo Musical’ [que hoje é a revista mensal Concerto] em busca de patrocínio, mas recebi apenas uma enxurrada de músicos pedindo emprego”. Naquele momento, Garcia procurou também o então vereador Marcos Mendonça.

Quatro anos depois, Mendonça, já secretário de Cultura do Estado, pediu-lhe para “tocar para frente o assunto da orquestra”. Ricardo Teperman esmiúça os detalhes da concepção e nascimento da Sala São Paulo em sua ótima tese de doutorado de 2016 na USP intitulada “Concerto e desconcerto: um estudo antropológico sobre a Osesp na inauguração da Sala São Paulo” (versão digital disponível aqui).

O engenheiro Mario Eduardo Garcia, idealizador da Sala São Paulo, aos 92 anos. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Teperman conta em detalhes a participação de Garcia em todo o processo e destaca seu papel-chave: “Dois grupos elaboraram o plano de governo na campanha de 1994 de Covas: um, constituído por engenheiros formados na Escola Politécnica da USP, liderado por Mario Eduardo Garcia, colega de faculdade e amigo pessoal de Covas; o outro, reunindo profissionais ligados à Fundação Getúlio Vargas, em torno de Antonio Angarita”. Garcia tornou-se “assessor especial” na Secretaria de Governo comandada por Antonio Angarita. Ainda segundo Teperman, Garcia “ficou pouco tempo no governo, continuando a colaborar em projetos pontuais ou de maneira informal.”

Paixão pela música clássica

“Sou engenheiro”, conta, do alto de seus 92 anos, “mas trabalhei como aficionado, amante da música”. Garcia, aliás, mantém desde 2016 um site/blog, onde se define como “engenheiro de transportes e mobilidade urbana e interessado em políticas públicas”. Mas sua primeira postagem, de 23 de janeiro de 2016 é sobre... música. Mais do que isso, é sobre a Sala São Paulo, a partir de uma reportagem do Estadão publicada naquele dia, intitulada “Uso de drogas degrada entorno da Sala São Paulo”. Seu comentário: “O que penso: a questão não é de ‘limpeza pública’ do entorno. Envolve também pessoas que lá moram ou querem morar, saúde pública, preservação dos valores caros às comunidades locais”.

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A Sala São Paulo é considerada patrimônio cultural da cidade de São Paulo.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Lá em 1995, ele pensou em construir a sala de concertos na bilheteria da Estação Júlio Prestes. “Procurei encontrar um arquiteto, Emilio Guedes Pinto, e ele fez um estudo de uma sala para 600 pessoas. Falei com a CPTM e ela não topou. Desisti. Se é para ter alguma coisa, é para ser de primeiro nível”.

Desistiu temporariamente. Em seguida, procurou na internet e descobriu Russell Johnson, arquiteto americano fundador da Artec. Também não deu certo - daquela vez. No segundo semestre de 1996 Eleazar de Carvalho, maestro da Osesp, morreu. Mendonça escolheu John Neschling. “Daqui em diante está tudo no livro do maestro” (Música Mundana, de John Neschling, Ed. Rocco, 2009), comenta o engenheiro.

Mais uma coincidência particularmente virtuosa: Garcia conhecia muito bem o prédio da Estação Júlio Prestes. “Coordenei o projeto de reforma do transporte de subúrbio da Fepasa. O que sobrava era o espaço central. Quis levar Neschling lá, mas ele não quis”. O que ajudou muitíssimo o projeto foi mais uma coincidência: o engenheiro de acústica Chris Blair na Artec, a mesma empresa norte-americana contatada por Garcia um ano antes, foi sugerido por Neschling. “Quando Chris entrou no hall da Júlio Prestes, os olhos dele brilharam. Mediu o espaço e disse: ‘Tem as mesmas dimensões do Symphony Hall da Orquestra de Boston e do Musikverein de Viena’.”

Faltava combinar com o governador. “Todo ano eu visitava o Covas entre o Natal e ano novo”. Naquela visita de 1996, fechou-se o círculo virtuoso. “A Sala custou R$ 45 milhões” - entre 1996 e 1999, o valor do dólar oscilou entre US$ 1 e US$ 1,80.

Seus olhos iluminam-se quando diz que “todas as fundações tiveram de ser reforçadas; do ponto de vista construtivo, foi um grande desafio. Como a especificação do sistema contra vibração e som. O ponto vital da Artec era silêncio absoluto: nenhum som ou ruído podia passar nem de fora pra dentro nem o contrário”.

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É preciso citar ainda o arquiteto Nelson Dupré, responsável pela reforma da Estação Júlio Prestes. Outra grande sacada foram os incríveis forros móveis, concebidos para não esconder os vitrais. “Fui na obra dez vezes, se muito. Para mim, a Artec também merece destaque pelo projeto teatral, circulação de plateia, dimensionamento de palco. Numa palavra, é genial”, ele diz.

A música hoje

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E o melômano? Garcia mantém sua assinatura dos concertos da Osesp na Sala. Quais os três melhores concertos nestes 25 anos, a seu ver? “Uma Nona Sinfonia de Beethoven que jamais vou esquecer; além, é claro da Sinfonia Ressurreição de Mahler no dia 9 de julho de 1999. Me lembro bem de que, quando terminou, olhei para minha esposa enquanto o pessoal pedia bis. Ora, não tem como dar bis nenhum depois desta sinfonia”, comenta hoje, 25 anos depois.

Garcia é daqueles que jamais desistem de seus objetivos. Aos 92 anos, ativíssimo em seu blog, rememora ainda que logo que o projeto da nova Osesp e da Sala começaram a decolar, sugeriu outros projetos em paralelo: “Além da Sala São Paulo propriamente dita, uma escola de música no antigo prédio do DOPS [hoje Pina Estação]; e um projeto social com as crianças da região”.

E, antes que eu lhe pergunte o que anda fazendo, acrescenta entusiasmado que está desenvolvendo, em 2024, “um projeto de melhoria deste entorno”. Mais detalhes, ele ainda não conta.

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