Análise | Eric Clapton, sobrevivente da era de ouro do rock, faz sua guitarra brilhar no Allianz Parque

Músico britânico, aos 79 anos, encerrou sua turnê brasileira com um show para cerca de 50 mil pessoas em São Paulo

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Atualização:

Havia um sentimento mágico no rosto dos fãs no momento em que Eric Clapton subiu ao palco do Allianz Parque, neste domingo, 29, diante da multidão de cerca de 50 mil pessoas. Muitos pareciam contemplados com a presença de ‘Deus’, apelido dado ao guitarrista britânico nos anos 60, quando seu talento nas seis cordas começou a ser venerado em todo o planeta.

O show no estádio do Palmeiras encerrou a excursão brasileira do músico, que incluiu datas em Curitiba, Rio e São Paulo em seu retorno ao Brasil após 13 anos. Na capital paulista, houve um show extra e intimista no Vibra para 5,4 mil pessoas.

Eric Clapton, agasalhado no palco do Allianz Parque Foto: Divulgação/MOVE Concerts

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Não deixa de ser uma surpresa testemunhar Clapton em cima de palco, um homem que teve muitos problemas de saúde (foi viciado em álcool e cocaína), passou pelo trauma incomparável de perder o filho de quatro anos em um acidente e, contra todos os prognósticos, continua entre nós. Mais do que isso, ativo aos 79 anos. Seu novo álbum de estúdio, Meanwhile, será lançado em outubro, e a atual turnê comemorativa dos 60 anos de carreira se estenderá por México e EUA.

Todos os percalços à parte, incluindo ter sofrido tentativas de cancelamento após opiniões controversas no período da covid-19, ele se mostra um sobrevivente da era de ouro do rock, aquela que nos deu também os Beatles, os Stones, e tantos outros. Logo, vê-lo em boa forma não deixa de ser um privilégio.

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‘Slowhand’: econômico e cirúrgico

O apelido ‘Slowhand’ (mãos lentas), que virou título do clássico álbum de 1977, nunca foi tão apropriado. Clapton, com mãos magras e enrugadas, é econômico e cirúrgico, fazendo sua guitarra brilhar em momentos específicos – não há desperdiço da magia. Seu braço direto, Doyle Bramhall II, é quem assume o trabalho ‘pesado’ e alterna solos e fraseados com o mestre.

Dinâmica claramente estabelecida desde a primeira canção, Sunshine of Your Love, lançada em 1967 pelo Cream, grupo o qual Eric fez parte ao lado de Jack Bruce e Ginger Baker. O riff irresistível foi composto por Bruce, no baixo, e pode ser considerado um dos primórdios do rock pesado. Na gravação original, Clapton é responsável por cantar a parte mais aguda, mas no show troca de papéis com o carismático baixista Nathan East.

A escolha certeira para a abertura rendeu o público logo de cara, majoritariamente na faixa dos 50 e 60 anos. A partir daí houve espaço para transformar Perdizes no Mississipi com o blues puro de Key To The Highway e I’m Your Hoochie Coochie Man, esta um standard do gênero que perde um pouco do molejo na versão de Clapton, ainda que a faixa seja essencial para referenciar nomes como Willie Dixon, Muddy Waters e Buddy Guy.

“Boa noite, obrigado”, saudou um sucinto e pouco interativo Clapton, praticamente ‘à paisana’ debaixo de três blusas, boné e cachecol (mais tarde vestiria luvas) para enfrentar a fria brisa paulistana.

O rock dos anos 60 voltou com força em Badge, pérola da época do Cream marcada pela contribuição do beatle George Harrison, amigo de quem Clapton ‘roubou’ a esposa, Pattie Boyd. Nessa que foi talvez a melhor execução do concerto, era possível ouvir fãs aos berros antes do refrão arrematador.

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Eric Clapton, lenda do rock, toca para cerca de 50 mil pessoas no Allianz Parque Foto: Divulgação/MOVE Concerts

Lágrimas no paraíso e participação brasileira

A parte acústica do show, com Eric sentado no violão, ecoou o álbum Unplugged (1992) e trouxe momentos de coro uníssono na arena, nos sucessos Change The World, Nobody Knows You When You’re Down and Out e Tears In Heaven, além da participação de Daniel Santiago. O brasiliense de 45 anos, que já gravou ao lado do inglês e lançou recentemente lançou um disco em sua homenagem, acompanhou a banda em três músicas e mais tarde retornou no bis.

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A força da Fender Stratocaster foi ressuscitada no segundo bloco elétrico do concerto, iniciado com Got to Get Better in a Little While, faixa swingada da época de Derek and The Dominos, outro grupo importante com o qual Eric gravou o seminal álbum Layla and Other Assorted Love Songs (1970). Nessa, distinguiu-se a potência do baterista Sonny Emory.

A balada Old Love rendeu os solos mais magistrais do astro, daqueles que proporcionam as caretas mais exageradas do executor, além de exibir o talento do tecladista Chris Stainton e do organista Tim Carmon – destacados também em Little Queen of Spades e Crossroads, covers do mítico Robert Johnson, o bluesman que teria vendido a alma ao Diabo em troca de excelência musical e depois foi assassinado em 1927 – ele foi, sem dúvidas, a figura mais influente na obra do britânico.

Houve ainda espaço para o clássico Cocaine, sobre o pó branco que tanto afetou a vida do roqueiro, e Before You Accuse Me, com direito a uma guitarra estampada com a bandeira da Palestina, mas sem a recorrente canja do texano Gary Clark Jr., excelente atração de abertura da turnê.

Ao final de quase 1h50 de show, alguns espectadores reclamavam das ausências de Layla e Wonderful Tonight – omissões compreensíveis para um artista que busca fugir do óbvio. Em geral, no entanto, pairou o sentimento de realização e gratidão: um símbolo da realeza do rock passou como um raio pelo Brasil. Sorte a nossa.

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Análise por Gabriel Zorzetto

Repórter de Cultura do Estadão

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