Em 1969, quando David Bowie lançou Space Oddity, um de seus maiores sucessos, ele jamais imaginou que a história fictícia de Major Tom, o astronauta solitário que sai flutuando pelo espaço depois de perder a comunicação com a Terra, pudesse servir de inspiração para um vasto trabalho artístico.
O recém-lançado Gravidade Zero (Editora Penalux), de Alexandre Guarnieri, escritor e vencedor do prêmio Jabuti em 2015 por Corpo de Festin, conta a história de um astronauta perdido que decide escrever poemas sobre o que pode testemunhar em sua viagem pelo espaço, além de fazer uma reflexão sobre a vida que deixou para trás na Terra. “Foi o meu interesse pela ficção científica que ligou Bowie à poesia. Lembro de sua fase interplanetária, com roupas extravagantes e aparência extraterrestre. Eu já tateava na produção de alguns poemas, tangenciando meu afeto pelos filmes sci-fi, HQs com sagas cósmicas e imaginação de uma viagem pelos confins da galáxia. O livro, no entanto, trata também de estranhamento e solidão de um homem perdido nas estrelas e isso me levou a pensar em como podemos ser alienígenas para nós mesmos”, diz ele em entrevista ao Estado.
Com poemas delicados e textos que externam os sentimentos mais genuínos do então astronauta, Gravidade Zero traz, também, questionamentos pertinentes sobre a vida e o quanto ela pode ser complexa em algumas situações. “Em determinado ponto do livro, atravessado por uma narrativa biográfica, fiz do próprio Major Tom um heterônimo e é com a voz dele que propus poemas escritos por um viajante perdido, longe de tudo que um dia conheceu, testemunhando maravilhas além da sua compreensão e experimentando um medo inédito, questionando a si mesmo e enlouquecendo em rota de colisão com a própria extinção”, complementa.
Carioca, nascido em 1974, Guarnieri é historiador da arte e mestre em tecnologia da imagem. Começou a ouvir David Bowie ainda na infância, quando visitava a casa de um amigo. “Lembro de curtir muito as capas dos LPs do Bowie que o pai de um amigo de infância tinha em casa. Ele colocava os discos para tocar na vitrola enquanto lanchávamos. Foi lá que tomei meu primeiro contato com o Bowie, nos anos 1980. Ainda vivíamos a era do vinil, eram objetos que chamavam a minha atenção, as bolachas negras rodando na agulha. Gosto de lembrar disso”, conclui.
Outros personagens. Major Tom, que aparece pela primeira vez em Space Oddity e volta a entrar em contato com o planeta em 1980 na música Ashes to Ashes e posteriormente em Hallo Spaceboy, não foi o único personagem criado pelo camaleão do rock. Ziggy Stardust, Aladdin Sane, Halloween Jack, Pierrot e The Thin White Duke complementam o time dos personas de Bowie.
Estes alter-egos tinham uma personalidade diferente da do próprio músico e eram eles que interpretavam as músicas para o público. Com o seu estilo provocador, Bowie interpretava essas personas com tudo aquilo que elas exigiam, incluindo roupa e maquiagem elaboradas. “A potência estética do Bowie sempre me influenciará. A grande lição do camaleão nunca será facilmente esquecida pelos que ousarem ir além, como foi o caso do Bowie, que até na morte presenteou seus fãs com um dos seus mais impressionantes trabalhos”, ressalta Guarnieri.
Astronauta já tocou 'Space Oddity' do espaço
Em 2013, o canadense Chris Hadfield se despediu do comando da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) com um feito inédito. Ele foi o primeiro homem a gravar um videoclipe no espaço, a bordo da plataforma localizada a mais de 400 quilômetros de distância da Terra. O astronauta de 53 anos fez uma nova versão da música Space Oddity, alterando alguns trechos da música lançada em 1969 por David Bowie. A letra faz alusão ao lançamento ao espaço de um astronauta fictício, major Tom, e traz diálogos entre ele e a torre de comando na Terra. A voz foi gravada diretamente da ISS, mas a mixagem foi feita por uma equipe na Terra.
QUEM É ALEXANDRE GUARNIERI Alexandre Guarnieri é historiador da arte e mestre em tecnologia da imagem. Publicou seu primeiro livro, ‘Casa das Máquinas’ em 2011. Venceu o Prêmio Jabuti com a obra 'Corpo de Festin'.GRAVIDADE ZERO Autor: Alexandre Guarnieri Editora: Penalux (162 págs.,R$ 45,00)
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