Saga de Vinicius de Moraes que abriu novo circuito para MPB vai virar ‘road movie’; conheça história

Diretor Roberto de Oliveira trabalha em projeto de filme que vai contar sua aventura com o Poetinha, que desbravou ‘circuito universitário’ nos anos 70, depois trilhado por outras estrelas - e vigiado pela ditadura

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Foto do author Danilo Casaletti
Atualização:

No início dos anos 1970, depois da revolução musical deflagrada pela Tropicália, artistas da chamada MPB tradicional buscavam por um novo público. E isso significava, essencialmente, estar mais perto da juventude que aspirava à liberdade daqueles anos pós Ato Institucional Número 5 (AI-5), que apertou a repressão imposta pela ditadura militar que comandava o País. Além de questões ideológicas, também era preciso buscar um novo mercado consumidor de música brasileira.

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O primeiro artista a fazer isso de forma organizada foi o compositor Vinicius de Moraes, na época com 57 anos. Ele saiu para o que ficou conhecido como ‘circuito universitário’ ao lado do produtor e empresário Roberto de Oliveira, na época com 22 anos.

Era uma verdadeira maratona para encontrar os universitários em seus campus ou em ginásios locais. Foram 60 cidades percorridas pelo interior de São Paulo, com um show por dia. Duas equipes viajavam entre as localidades para deixar tudo pronto.

Vinicius de Moraes: histórias vão virar filme Foto: Solano José/Agência Estado

Oliveira, que foi o criador desse modalidade de show, quer agora contar essa história em um filme. Uma espécie de “road movie” musical a partir de casos contados pelo próprio Vinicius. O projeto ainda está em fase de desenvolvimento. O ator que vai dar vida a Vinicius não foi escolhido ainda.

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“Eu e o Vinicius tínhamos medo de ir com o motorista. Então, íamos no meu carro. Eu dirigindo e ele ao meu lado. A gente viajava sempre de madrugada, 100, 200 quilômetros. Vinicius, sempre com seu uisquinho na mão, queria conversar. Eu adorava ouvi-lo”, diz Oliveira, que acaba de lançar o elogiado documentário Elis & Tom - Só Tinha de Ser Com Você .

O produtor, assim que chegava ao hotel em que se hospedaria naquela noite, anotava ouvira Vinicius contar. Além de impressões sobre o projeto, o poeta relembrava inúmeros casos sobre sua vida. Culto, falava sobre diversos assuntos. “Sou um acumulador de arquivo. Tenho tudo isso (as anotações) guardado”.

Vinicius é um cara importante, um brasileiro cosmopolita que viveu todo tipo de experiência que você possa imaginar

Roberto de Oliveira

Oliveira diz que Vinicius, apesar da jornada exaustiva - e muito lucrativa - que era um Circuito Universitário, gostava de estar entre os jovens.

“Era um momento interessante do País. Pós AI-5, e a gente levando um artista que havia sido cassado e perseguido pela ditadura para se apresentar para universitários. E o grande medo do governo militar era que os universitários se mobilizassem”, diz.

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“É uma história muito completa. Tem muitos detalhes interessantes, engraçados e tristes, coisas que ocorreram com Vinicius”, completa Oliveira.

Vinicius fez duas temporadas com do Circuito Universitário. A primeira, ao lado do parceiro Toquinho, da cantora Marília Medalha e do Trio Mocotó. A segunda, com Toquinho e o Quarteto em Cy.

Mais do que estar entre os jovens, Vinicius gostava de se ver rodeado de pessoas. Não queria ficar hospedado em quarto de hotel. Oliveira, então, pedia que os estudantes buscassem uma casa de família onde o Poetinha pudesse se alojar. A exigência era só uma: precisava ter banheira.

Vinicius, então, entrava na banheira, enchia a água de espuma, apoiava seu copo de uísque em um banquinho, a máquina de escrever em uma mesa improvisada. Passava a manhã assim. Era dessa maneira que ele recebia quem queria falar com ele: autoridades, estudantes e quem mais aparecesse, homens ou mulheres.

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Oliveira aposta no filme, ainda sem data para ser lançado, inclusive para ser exibido no exterior, assim como tem ocorrido com Elis & Tom. “Vai ajudar a colocar a imagem de no mundo todo, assim como ocorreu com Pablo Neruda (poeta e diplomata chileno ). Vinicius é um cara importante, um brasileiro cosmopolita que viveu todo tipo de experiência que você possa imaginar”, afirma Oliveira.

Toquinho, Chico, Nara e Gilberto Gil também buscaram os universitários - a ditadura ficou de olho

Chico Buarque também participou do Circuito Universitário e despertou desconfiança nos militares  Foto: Eduardo Nicolau/Agência Estado

A partir da experiência de Vinicius, o Circuito Universitário criado por Oliveira chamou a atenção de outros artistas. Muitos passaram a adotar o modelo e viajar pelo interior de São Paulo e outros estados, sobretudo das regiões Sul e Sudeste. Outros produtores começaram a replicar o modelo.

Chico Buarque, por exemplo, embarcou na aventura em 1972. Visado pelo governo militar, os passos do compositor no projeto foram acompanhados de perto pelos órgãos ligados à ditadura. Os agentes da repressão acompanhavam tudo de perto. A canção Apesar de Você era proibida. Chico fazia questão de cantá-la, se possível apontando para os agentes infiltrados nos shows.

Um documento disponível digitalmente Arquivo Público de Pernambuco mostra que o compositor foi alvo de relatório do Centro de Informações do Exército (CIE), órgão que atuava na coleta de informações durante a ditadura militar.

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O documento diz que Chico, assim como outros artistas, entre eles, Vinicius, Nara Leão, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Luiz Gonzaga Jr., Jards Macalé, Egberto Gismonti e Alaíde Costa, participavam de “seguidas apresentações na área estudantil, com grande receptividade”

Ainda segundo o relatório, esses shows mantinham os estudantes em “permanente expectativa política e sob influência de um proselitismo desagregador por eles (artistas) disseminado durante os espetáculos”.

Elis buscava um esquema menos comercial

A cantora Elis Regina embarcou por uma turnê no interior de São Paulo Foto: Osvaldo Luiz/Estadão

Quem também embarcou no Circuito Universitário foi a cantora Elis Regina (1945-1982), em 1973. Depois de uma incursão mal sucedida com o empresário Marcos Lázaro, que comandava a carreira da cantora desde 1965, que a fez se apresentar em clubes pelas cidades, bem longe dos ambientes universitários, Elis procurou Oliveira para preparar uma nova turnê no Circuito.

“Cansei de ser vendida como um saco de batatas”, disse a cantora ao novo empresário.

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Com Oliveira, Elis pode enfim cantar para estudantes. A excursão foi feita a bordo de um ônibus. No letreiro na parte da frente, reservado ao destino, podia-se ler o nome da cantora. Essa foi uma fase importante de reposicionamento para a imagem da cantora. Dois anos antes, ela havia sido convocada para cantar nas Olimpíadas do Exército, um pomposo evento organizado pela instituição para fazer propaganda de seus feitos e atletas.

Ao cantar para o Exército, Elis começou a sofrer a patrulha da esquerda. O cartunista Henfil fez uma charge para o jornal O Pasquim no qual enterrou a cantora em seu Cemitério dos Mortos-Vivos ao lado de nomes como Roberto Carlos, que também cantou no evento, e da apresentadora Hebe Camargo.

Cansei de ser vendida como um saco de batatas

Elis

A parceria com Roberto de Oliveira foi além do Circuito Universitário. Foi ele quem negociou para que Elis gravasse um disco com Tom Jobim. A gravação do encontro produziu um dos maiores álbuns da música brasileira.

O encontro de Elis e Tom foi registrado por Oliveira para um especial da TV Bandeirantes, exibido em 1974, logo após a gravação do disco. Quase 50 anos depois, Oliveira recuperou esse material e produziu o documentário Elis & Tom - Só Tinha de Ser Com Você, recém-lançado nos cinemas.

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Oliveira é irmão do cantor e compositor Renato Teixeira, de quem Elis gravou duas canções em 1977, Romaria e Sentimental Eu Fico.

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