‘Fiz o L, mas não quero que o Capital Inicial vire um palanque’, diz Dinho Ouro Preto

Ao ‘Estadão’, líder do grupo de hits como ‘Fátima’ e ‘Natasha’ falou sobre os 40 anos de carreira, a fama de ‘Highlander’, sertanejo, e política: ‘Lula volta e meia faz elogios a autocracias, algo que tenho dificuldade de engolir’

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Foto: Iara Morselli
Entrevista comDinho Ouro PretoCantor

À sua maneira, Dinho Ouro Preto roda sem parar e luta para que hoje seja melhor do que ontem. “Moderação” é a palavra de ordem do cantor de 60 anos, que ostenta jovialidade surpreendente para quem já passou por maus bocados.

Em entrevista Estadão, por videoconferência, ao longo de cerca de 40 minutos, o líder do Capital Inicial falou, entre uma série de temas, sobre os 40 anos de carreira, política e a fama de “Highlander”, apelido carinhoso usado na internet pelo fato dele ter superado, além do abuso de drogas, uma brutal queda do palco (em Patos de Minas-MG, em 2009) e doenças como dengue, septicemia, gripe suína e covid-19.

Tão imortal quanto o vocalista é o catálogo do grupo que melhor soube renovar de público dentre os principais expoentes do rock nacional. A banda oriunda de Brasília criada em 1982 atingiu novo patamar de popularidade graças ao Acústico MTV (2000) – o projeto divisor de águas para o quarteto completa 25 anos em 2025, efeméride que não vai passar em branco, segundo Dinho.

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Enquanto o momento não chega, os responsáveis por hits como Fátima, Natasha e Primeiros Erros encerram a longa turnê comemorativa Capital Inicial 4.0 com dois shows no Espaço Unimed, na zona oeste da capital paulista, neste sábado, 29, com ingressos esgotados, e no domingo, 30.

Capital Inicial encerra turnê de 40 anos de carreira com dois shows em São Paulo, no Espaço Unimed Foto: Leo Aversa/Divulgação

Como está sendo comemorar 40 anos de carreira?

Ao todo, a turnê vai durar 1 ano e 9 meses. Fizemos 153 shows, tocamos para 600 mil pessoas. Nos cercamos de grandes artistas para o projeto. O resultado é algo visualmente surpreendente, incrível de se ver. É uma síntese dessas muitas décadas na estrada. Ao longo desse tempo, nós acabamos atingindo diferentes gerações. O Capital sempre se pauta por novos discos, músicas novas. O Capital não congelou no tempo. Isso explica o motivo da turnê ter ido tão bem: o Capital dialoga com diferentes faixas etárias e todas as regiões do Brasil.

No ‘Acústico MTV’, vocês transformaram e rejuvenesceram seu público ao adotar estética mais adolescente. Houve algum planejamento de marketing por trás disso?

Em nenhum momento da nossa carreira houve um cálculo. Você tem razão. O Acústico foi um divisor de águas, algo imenso. Mas as expectativas de todos os envolvidos, tanto da nossa gravadora, quanto da própria MTV, eram muito modestas. Todo mundo foi pego de surpresa ali. O que contribuiu foi o formato de ter sido feito no violão, a escolha do repertório, a produção, e as pessoas envolvidas. É o que explica a vitória daquele disco. Ano que vem devemos fazer algo para comemorar os 25 anos do Acústico, alguns shows, alguma coisa. Quando nós crescemos, a nossa turma de Brasília, ninguém ali pensou, nem a Legião, nem a Plebe Rude, ou mesmo os Paralamas, em fazer disso uma profissão. O fato de ter sido espontâneo e não calculado favoreceu aquela turma de amigos. E do mesmo jeito aconteceu no Acústico: a falta de pretensão e de cálculo também favoreceram aquele disco. Até hoje ouço gente que me fala que aprendeu a tocar violão com aquele disco. Era uma coisa muito elementar, simples. Isso é uma coisa que também caracteriza o Capital. É uma virtude de você poder tocar numa fogueira, com seus amigos. O Renato [Russo] fez isso quando nós éramos adolescentes. Íamos acampar em volta de Brasília, ele pegava o violão e tocava. Essa abordagem nos beneficiou ao longo dos anos.

Durante essas quatro décadas, você já pensou em terminar o Capital, como Samuel Rosa fez com o Skank?

Eu já conversei sobre isso com o Samuel. Acho que é possível buscar caminhos novos, parcerias novas, produtores novos, para dar rumos inesperados à sua música, embora talvez a coisa mais importante para uma banda seja encontrar a sua própria voz, algo que a distingue, que a caracteriza, como Stones, U2... E o Capital encontrou isso. Então eu reluto muito em largar... Prefiro trazer a minha música, as minhas ideias para o Capital, o que não impede, no futuro, de eu buscar sonoridades que acho que sejam incompatíveis para a banda. Agora, eu acho que o Capital não vai conseguir manter uma rotina de lançar um disco a cada dois anos. Nosso último disco é de 2018 (Sonora) e queria que fizéssemos um novo no ano que vem.

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Diante de tantos problemas de saúde que você já enfrentou, acredita ter sorte de estar vivo?

Olha, em alguns casos, sim. Pegamos muito pesado na questão do abuso de drogas, mas isso faz mais de 20 anos. Naquela queda de palco eu quase morri. Quebrei meu crânio, fiquei um mês na UTI e dentro do hospital ainda peguei uma septicemia. Eu me lembro desses incidentes como momentos em que o destino foi generoso comigo. Sou ateu, não sou religioso e fui criado dessa maneira. Então não é algo que eu atribuo a uma intervenção divina. Meu pai era assim, pegou tuberculose, tifo, escorbuto porque ele era diplomata e mandavam-no para lugares como a África. Ele pegou escorbuto durante a Guerra Civil de Angola. É algo que está na família, pegar essas doenças todas (risos).

O Capital Inicial no início de carreira Foto: Reprodução/Facebook

Sobre essa era polarizada, você se preocupa com o patrulhamento das redes ou ataques de viés político?

Olha, eu digo o que penso. Me considero de centro-esquerda. O extremismo me preocupa. Durante as últimas eleições, eu e várias outras pessoas que não são petistas, Simone Tebet, Alckmin, FHC, apoiamos o Lula por perceber o perigo que o Bolsonaro representava. De fato havia, tanto que em 8 de janeiro os caras tentaram dar um golpe. Antes da eleição, fiz o L, perdi dezenas de milhares de seguidores. Em alguns momentos críticos da história do Brasil você precisa se pronunciar. Somos de uma geração engajada, mas também não quero que o Capital vire um palanque. Eu não sou um ativista, sou um músico. Agora, você não pode achar que metade do Brasil que votou no Bolsonaro é fascista. Não é possível, não dá para ser. Uma grande fatia disso engloba os antipetistas, os conservadores... Mas daí a dizer que são fascistas é extrapolar. Do mesmo jeito que isso vale para a esquerda também. Você tem dentro do PT gente bastante simpática a regimes totalitários. Inclusive, o Lula volta e meia faz elogios a autocracias, algo que tenho dificuldade de engolir. Mas usar a palavra ‘comunista’ para servir a todo mundo da esquerda me parece incorreto. E o inverso também me parece errado. Nem todo mundo que é de direita é fascista. No entanto, há uma parte da direita que foi acampar na frente dos quartéis. Esses aí... não sei bem, me lembram um pouco o integralismo.

O fato do sertanejo ser o gênero mais ouvido do Brasil te decepciona?

Não, não. Cada um no seu quadrado. Bom para eles. Temos o nosso público, milhões de seguidores e ouvintes. Conseguimos dar turnês e há 40 anos viver disso, sabe? Não vejo como um jogo de soma-zero. Não vejo como ‘se eles estão ganhando, nós estamos perdendo’. O que caracteriza o Brasil justamente é essa variedade. Reconheço, sim, que o gênero mais popular de longe é o sertanejo, mas essa pulverização é em benefício de todos. Isso mostra certa maturidade do Brasil: atender a todos os nichos.

Você faz parte de uma indústria na qual a fama e o dinheiro podem te levar do céu ao inferno. Como lida com isso?

O Capital experimentou altos e baixos, algo que ajuda você a manter os pés no chão. O fato de termos experimentado as duas coisas, sucesso e fracasso, faz de mim uma pessoa mais cautelosa. Em relação à fama, eu não sou tão famoso a ponto de não poder sair na rua. Eu corro no parque, as pessoas vêm, falam, querem fazer uma foto. Você tem uma certa obrigação de entender a dimensão que a sua obra pode ter, o que pode significar na vida de outra pessoa. Você tem que ter esse mínimo de empatia. Houve um momento, sim, ali no Acústico, no auge, que era difícil sair na rua. Mas, na medida que o tempo vai passando, a coisa se acalma um pouco. É manejável, não é algo assustador. Mas me incomoda quando eu vejo em outros artistas uma desconexão da realidade. Não quero falar nomes, mas me incomoda ver alguém que vive uma espécie de personagem. Em geral, são pessoas mais novas. Sobre dinheiro, pode ser um perigo sim. O meu conselho é: poupe e viva sempre abaixo do que você deseja. Vivemos em um País muito desigual. É um pouco errado exagerar na ostentação. O que eu pessoalmente procuro fazer é poupar. Porque a tendência é o cara ganhar um milhão e pensar que vai viver gastando um milhão. Uma hora você não vai estar ganhando essa grana toda. A moderação, de um modo geral, é um bom conselho. A moderação na política, com o dinheiro, com a fama. Se alguém vier me perguntar, eu aconselho sempre isso: moderação.

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Capital Inicial 4.0

  • Onde: Espaço Unimed (Rua Tagipuru, 795 – Barra Funda)
  • Datas: 29 e 30 de junho
  • Ingressos: A partir de R$ 220 (apenas para domingo, 30, em eventim.com.br)
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