Funk em música de Billie Eilish? Entenda o sample e a interpolação e por que artistas usam tanto

Cantores e compositores, como Beyoncé, têm usado e abusado dos samples e interpolações. Fenômeno é retrato da indústria criativa, mas pode causar problemas com direitos autorais

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Foto do author Sabrina Legramandi
Atualização:

Se você ouviu o álbum mais recente de Beyoncé, Cowboy Carter, ou se acompanhou o frenesi em torno de seu lançamento, sabe que ela usou o trecho de um funk brasileiro em uma das faixas. Pabllo Vittar fez uma versão em português para uma música do Roxette. E esta semana, Billie Eilish levantou suspeitas sobre ter se aproveitado, ou se inspirado, em outra música brasileira, Malandramente, para seu próximo projeto - ela postou um teaser de sua nova música e os brasileiros identificaram o trecho. Plágio? Não. Beyoncé usou o sample. Possivelmente Billie Eilish também - saberemos no dia 17 de maio, quando ela lançar Hit me Hard and Soft. Pabllo, a interpolação.

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No disco de Beyoncé, ela, inclusive, abusa dos recursos - usou um sample de Aquecimento das Danadas, do DJ O Mandrake, em Spaghettii, e outro de These Boots Are Made for Walkin’, de Nancy Sinatra, e ainda uma interpolação de Good Vibrations, dos Beach Boys, em Ya Ya. Há também uma versão emocionante de Blackbird, dos Beatles, e uma releitura de Jolene, de Dolly Parton, no novo disco.

Aqui, pode-se dizer que a cantora incorporou músicas de outros artistas para deixar o álbum mais rico – leia a análise de Cowboy Carter aqui. E, como ela, muitos artistas, nos mais variados gêneros, estão usando cada vez mais este recurso.

Beyoncé utilizou um sample de 'Aquecimento das Danadas' em 'Cowboy Carter', enquanto Billie Eilish levantou suspeitas de ter 'sampleado' o funk 'Malandramente'. Foto: @beyonce e @billieeilish via Instagram

Essa ‘alta’ se apresenta ao lado de uma revolução no mercado musical: a digitalização, como explica o produtor musical Umberto Tavares, que já trabalhou com nomes como Buchecha e Anitta. “Antigamente, quando os discos eram gravados em formato analógico, isso não era permitido. Com o desenvolvimento digital, os softwares de gravação e a facilidade que a tecnologia traz, esse recurso pôde ser implementado no ramo das produções musicais”, disse ele. Para o produtor, samples e interpolações são mais usados em gêneros de música “urbanos”, como a música eletrônica.

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Como esperado, porém, os recursos nem sempre chegam às plataformas de áudio e aos ouvidos do público da forma mais correta possível. Entenda, abaixo, o que é sample e interpolação, porque eles estão ‘em alta’ e os possíveis problemas com direitos autorais.

Qual a diferença entre sample e interpolação?

O uso da música de outro artista é feito de forma bastante diferente no sample e na interpolação. Tavares esclarece que, com o sample, o artista escolhe uma peça – um “pedaço” – de outra música para incluir na nova produção. A interpolação, por sua vez, é o uso de um fonograma completo. “Qualquer estilo de música urbana tem utilizado bastante esses recursos e não é de hoje”, comenta.

Para entender melhor, o uso do sample é como se o artista fizesse um “copia e cola” em sua música. A interpolação não precisa ser tão “fiel”: o artista faz uma nova gravação em que até a letra original pode sofrer alterações.

Um exemplo popular de interpolação é a música 1 step forward, 3 steps back, de Olivia Rodrigo, que interpolou New Year’s Day, de Taylor Swift. Basicamente, Olivia fez sua composição “em cima” da melodia de Taylor. Compare as duas abaixo:

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Samples e interpolações podem causar problemas de direito autoral?

Apesar de ser uma prática comum na música, usar faixas de outros artistas é um recurso que exige uma atenção redobrada. Recentemente, por exemplo, o Brasil teve um caso emblemático: Lovezinho, sucesso da cantora Treyce, teve de ser retirada do ar no ano passado. A música, que fazia uma interpolação de Say It Right, de Nelly Furtado, chegou até a artista canadense, que exigiu os direitos autorais.

Treyce e Nelly, porém, não chegaram a um acordo e, à época, a brasileira alegou que o problema aconteceu por não ter conhecimento dos direitos.

“Na minha cabeça, estava tudo certo”, comentou ela em entrevista ao Estadão. “Hoje em dia eu entendi que, antes de soltarmos qualquer coisa, temos que ver nossos direitos para não acabar acontecendo essas coisas.”

Treyce fez interpolação de 'Say It Right', de Nelly Furtado, em 'Lovezinho'. Foto: Ari Prensa/Divulgação

Daniel Campello, advogado de direito autoral com doutorado sobre plataformas de música, explica que usar a música de outros artistas sem os devidos trâmites – como a inclusão dos créditos do autor e o percentual de royalties pago ao artista original – é crime e pode ser classificado como plágio. “Você está se fazendo passar pelo autor sem dizer quem é o autor original. É um absurdo completo e não pode ser feito”, explica.

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Para ele, a “facilidade” das plataformas de streaming musical favoreceram o lançamento de músicas inspiradas em faixas de outros artistas sem creditar ou pagar os autores originais. “Antigamente, quando você precisava de uma gravadora para lançar [as músicas], as gravadoras jamais lançariam um plágio. Hoje, como você pode só ‘subir’ [a faixa] na plataforma e a plataforma não te pergunta nada, as pessoas acham que podem fazer qualquer coisa”, completa.

Beyoncé errou ao usar música brasileira em Cowboy Carter?

O uso de Aquecimento das Danadas, do DJ O Mandrake, empolgou os brasileiros, que comemoraram o reconhecimento internacional do funk. O sample, porém, não foi utilizado de forma correta, como explica o advogado.

Em entrevista ao Estadão, O Mandrake revelou que o uso da faixa foi tão surpreendente para ele quanto para o resto do público: antes do lançamento do álbum, o DJ não havia sido contatado pela equipe da cantora. O músico, porém, declarou que ficou honrado. “Estou achando incrível”, disse.

Um tempo depois, os créditos de Spaghettii já traziam o nome do artista, mas, conforme as leis de direito autoral, o uso não foi feito de forma apropriada. Campello menciona que o que pode ter gerado a “confusão” foi uma discrepância entre a legislação norte-americana e a brasileira.

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“O regime norte-americano, que é o regime do copyright, é um regime muito menos burocrático”, comenta o advogado. Ele explica que nos Estados Unidos o artista não é obrigado a pedir autorização prévia a quem terá sua música utilizada. “No regime brasileiro, que a gente chama de regime do direito de autor, os titulares da música precisam autorizar e ser remunerados previamente à criação da música nova.”

Em ambos os países, o titular do fonograma – da faixa original – precisa ter participação nos percentuais, assim como estar creditado desde o início. No Brasil, o artista que pretende realizar o novo lançamento deve pedir autorização de direito moral e patrimonial da música de origem. Ou seja, é necessário um aval da gravadora, da editora, do autor e do intérprete – com um pagamento prévio.

No caso de Spaghettii, ele diz que o regime que se sobrepõe é o do Brasil – já que esta é a origem de Aquecimento das Danadas. “Ela [a Beyoncé] fez errado, porque usou o sample de uma música brasileira. O regime que ‘domina’, nesse caso, é o brasileiro”, afirma o advogado, que diz que o erro pode ter sido causado por um “vacilo no processo de licenciamento”.

Por que artistas têm usado músicas de outros artistas?

O produtor Umberto Tavares e o advogado Daniel Campello ressaltam que uma possível explicação para o uso tão grande de samples e interpolações é um fenômeno recente não apenas da indústria musical, mas na cultura de modo geral: a “volta ao passado”. Como exemplo, o advogado cita a tendência em “revisitar” filmes, séries e novelas antigas nos famosos “remakes”.

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Outro fator recente é a venda de catálogos – o que explicaria a “onda” de cinebiografias, como a de Bob Marley, lançada em fevereiro. Campello avalia que a “arte é transformativa” e a música, criada com base nas referências dos autores. “Atualmente, existe um acervo gigante de músicas dentro das plataformas de streaming. Elas acabam precisando se comunicar para existir, então há um estímulo para que isso seja feito de alguma forma”, comenta.

O advogado ressalta que um “trâmite desorganizado e ruim” em torno do uso de samples e interpolações é o que atrai uma “negatividade” em torno da questão. Campello avalia uma mudança na legislação de direito autoral no Brasil e em outros países como “necessária”.

Beyoncé 'recheou' seu novo álbum', 'Cowboy Carter', de samples e interpolações. Foto: Chris Pizzello/AP

Apesar disso, Tavares aponta um avanço que deixou o uso desses recursos mais “democrático”. “Há poucos anos, cerca de uma década atrás, você tinha poucos advogados especializados nesse assunto e pouquíssimas pessoas falando sobre isso”, comenta ele.

O produtor conta, porém, que artistas como Beyoncé e Billie Eilish têm mais facilidade para utilizar faixas de outros artistas. “[Os artistas grandes] têm mais estrutura por terem gravadora – e, se não têm gravadora, eles são a sua própria gravadora. Há mais facilidade de identificar e pedir autorização”, afirma.

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Como descobrir se a música que estou ouvindo ‘sampleou’ outra?

Às vezes, pode ser difícil contar com a memória ao ouvir uma música que você desconfia que seja familiar. Mas, hoje em dia, há recursos que ajudam nessa identificação.

No caso dos samples e interpolações, há um site que aponta as ligações entre uma música e outra: é o WhoSampled – Quem ‘sampleou’, em tradução livre. Lá, é possível buscar tanto pela música de origem quanto pelo novo lançamento para verificar se as canções, realmente, estão interligadas. Acesse aqui.

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