De Anitta a Beyoncé, passando por exposições e residências artísticas, o funk saiu das favelas do Rio de Janeiro para se tornar um fenômeno mundial. Embora o preconceito ainda seja uma realidade no Brasil.
Com influência do hip-hop, da música eletrônica e uma boa dose de percussão afro-brasileira, este gênero surgiu no final da década de 1990 no Rio, de onde se expandiu para São Paulo, Recife, Belo Horizonte e outras grandes cidades do país.
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“O funk alimenta a autoestima da favela”, diz a escritora Taísa Machado, fundadora da plataforma Afrofunk Rio. “Nós trabalhadores do funk sempre soubemos da força, da qualidade musical, cultural do movimento e já esperávamos esse momento”, afirma sobre sua visibilidade internacional.
Machado comemorou, como muitos, que a estrela americana Beyoncé utilizou um sample do renomado produtor brasileiro Mandrake na música Spaghettii, do seu novo álbum Cowboy Carter.
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Anitta, na vanguarda desta projeção global, proclama este orgulho em seu novo disco Funk Generation, lançado na última sexta-feira, 26. Sua compatriota Ludmilla, por sua vez, se apresentou no recente festival californiano Coachella.
‘Viver da minha arte’
Na Lapa, bairro popular do centro do Rio, jovens do subúrbio e das favelas cariocas ensaiam para sua última apresentação de #estudeofunk, uma “residência artística” ministrada no centro cultural Fundição Progresso. É a vez de quatro meninas que, com croppeds e shorts esportivos, fazem os “quadradinhos” com seus quadris sob o olhar atento de Celly, diretora de dança.
A ideia de projeto é “profissionalizar” seus conhecimentos e transformar sua paixão em uma carreira, resume a idealizadora do projeto, Vanessa Damasco. O sucesso dos artistas do funk inspira milhares de pessoas, assim como os jogadores de futebol, como um modelo de ascensão econômica e de melhoria de vida.
“Poder viver da minha música, da minha arte, que é o que eu quero”, afirma Gustavo de França Duarte após o ensaio. Conhecido como MC Gut Original, o funkeiro de 35 anos tem quatro filhos e trabalha como vigia noturno.
Tema de exposição
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O Museu de Arte do Rio também dá voz a este fenômeno. Em Funk: Um Grito de Ousadia e Liberdade, centenas de pinturas, fotos, vídeos e instalações marcam momentos emblemáticos de bailes em favelas e casas noturnas. A exposição também aborda a demanda pela liberdade sexual do funk carioca e sua dimensão de autogestão devido à Internet.
A mostra também destaca momentos como a apresentação da medalhista olímpica Rebeca Andrade nas Olimpíadas de Tóquio 2021 ao som da música Baile de Favela. A boa recepção do público levou o museu a prolongar a duração da exposição.
Um dos expositores é o fotógrafo francês radicado no Brasil Vincent Rosenblatt, cujos fortes retratos tirados em bailes funk ao longo de 15 anos foram exibidos também em Paris este ano. Ele recordou que o funk teve de travar “uma grande luta” para que fosse “reconhecido como patrimônio cultural do Rio” em 2009.
No mesmo dia em que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro concedeu este reconhecimento, foi revogada uma lei que restringia a realização dos bailes funk.
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Como uma fênix
O funk fala sobre o “cotidiano da favela, os novos hábitos da juventude, a forma de falar, as expressões e as gírias”, analisou o antropólogo e documentarista Emílio Domingos, roteirista da série Anitta: Made in Honório, da plataforma de streaming Netflix. “As letras citam as favelas como espaço de orgulho e de lazer”, acrescenta.
Mas, ao dividirem território com o tráfico de drogas, também falam sobre a violência, o que alimentou o estigma que ainda paira sobre o gênero. Enquanto sua popularidade explode no exterior, no Brasil há cada vez menos bailes.
“O funk movimenta muito dinheiro, emprega muita gente, levanta discussões relevantes e tem o poder de promover novas linhas de comportamento e, ainda assim, existe uma perseguição policial e de estado”, denuncia Taísa Machado. “Existe muito preconceito, racismo, machismo e elitismo no trato com o movimento”, lamenta a escritora.
Rosenblatt concorda, mas classifica o funk “como um fênix: mais reprimido, mas ele renasce em outro lugar.”