THE NEW YORK TIMES - Em uma nova biografia, Philip Norman escreve sobre o “paradoxo” de George Harrison, homem que era “extraordinária, absurda e sufocantemente famoso e, ao mesmo tempo, subvalorizado, ignorado e sempre em busca de reconhecimento”.
Esta foi a contradição central que fez de Harrison, compositor de clássicos como ‘Here Comes the Sun’ e ‘Taxman’, uma figura fascinante, tanto como Beatle quanto depois da banda, como Norman explora em seu livro George Harrison: The Reluctant Beatle (ainda sem previsão de lançamento no Brasil). Norman abordou seu mais recente biografado depois de escrever biografias célebres de Paul McCartney e John Lennon, bem como Shout! - The Beatles in Their Generation, livro que Harrison criticou.
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Harrison viveu várias vidas diferentes. Era estrela do rock. Seguidor do hinduísmo. Prolífico produtor de cinema que esteve perto da ruína financeira. Namorador que teve um caso com a esposa de um ex-colega de banda e certa vez viveu um duelo de guitarras com Eric Clapton (também tema de uma biografia de Norman) por Pattie Boyd, a primeira esposa de Harrison, de quem Clapton gostava e com quem se casou anos depois.
“A complexidade de seu personagem era algo que não tinha sido notado”, disse Norman, acrescentando: “Escrever sobre esse homem indescritível, sobre esse conjunto de personalidades diferentes, era isso que me fascinava”.
Norman falou sobre sua abordagem de Harrison em uma entrevista recente.
A conversa foi editada por motivos de clareza e extensão.
No livro você expressa arrependimento sobre o obituário que escreveu para George no The Sunday Times.
Foi um momento muito inoportuno. Este foi o problema. Eu não estava totalmente errado quando disse que, às vezes, ele era um saco, como dizemos neste país, e que ele era um namorador em série. Ele era ambas as coisas. Mas não era o momento certo de dizer isso.
Por que George era uma contradição?
George, com seu estilo hippie, criticava o mundo material. E, mesmo assim, foi a primeira pessoa – a primeira estrela pop, pelo menos – a compor uma música reclamando do imposto de renda. Ele conseguia ascender ao auge da nobreza, o que fez com o Concerto para Bangladesh, que foi a primeira das grandes demonstrações de consciência na comunidade do rock. E, mesmo assim, ele também quebrou a primeira lei dos Beatles, que é não dormir com a esposa de outro Beatle, que estava com seu grande amigo na banda, Ringo. E era a primeira esposa de Ringo.
Ele gastou anos e milhões de libras na restauração daquela loucura gótica (Friar Park, a mansão vitoriana de Harrison em Henley-on-Thames, Inglaterra). E, mesmo assim, de um dia pro outro, hipotecou a mansão para financiar o filme dos Monty Python, A Vida de Brian. Ele foi a única pessoa de quem já ouvi falar – e foi sua primeira esposa, Pattie Boyd, quem me contou isso – que ficou muito desagradável depois que aprendeu a meditar.
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Você pensou em conversar com a viúva de George, Olivia Harrison, e com o filho do casal, Dhani?
Achei que estava tudo bem depois de tanto tempo desde aquele obituário tão imprudente, porque escrevi sobre ele com muita empatia nos livros de Lennon e McCartney e depois no livro de Clapton. Mas não me dei conta de que as coisas que tinha escrito em 2001 – quando, na verdade, não sabia o suficiente sobre George para escrever um obituário dele – ainda estavam rodando por aí. Era um obituário morto-vivo. Um obituário vampírico. E aí percebi que não fazia sentido pedir para entrevistar os dois, porque não havia como eles dizerem sim.
O documentário ‘Get Back’, de Peter Jackson, mudou sua visão de George?
Na verdade, não, embora eu soubesse de coisas que aconteceram fora das câmeras. Por exemplo: houve uma briga feia durante aquelas sessões que Peter Jackson disse que eram tão calorosas e joviais – uma briga entre George e John, por causa de algo que George tinha dito sobre Yoko Ono. George era muito, muito desagradável quando queria.
Não tem a imagem de George indo embora. Mas ele vai embora e John e Yoko precisam convencê-lo a voltar às sessões.
Fiquei impressionado com George como prolífico produtor de cinema. Por que o cinema o atraía tanto?
Ele sempre gostou muito de filmes. Mesmo na juventude Liverpool. Uma de suas primeiras namoradas firmes, Bernadette, era filha da primeira mulher gerente de cinema em Liverpool, e isso sem dúvida fazia parte da atração. Eles sempre iam ao cinema juntos.
A chamada última música dos Beatles foi lançada no mês passado, com George, Paul e Ringo tocando em cima de uma demo de John Lennon. Pelo seu livro, tenho a impressão de que George não teria aprovado o lançamento.
Você está absolutamente certo, porque foi George quem barrou o lançamento da música na década de 1990, quando outros materiais daquela fita cassete que Yoko tinha dado a McCartney estavam sendo preparados para os álbuns Anthology. George disse que não era bom o suficiente. E, pela primeira vez, foi ouvido. Não deixa de ser irônico que o único som que lembra vagamente os Beatles no meio daquela bagunça total, na minha opinião, seja a guitarra de George.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU