Opinião | Grammy Latino é festa mercadológica que pouco agrega ao real cenário musical

Cerimônia foi longa, enfadonha e recheada de números dispensáveis, como o fraco dueto de Anitta com Tiago Iorc

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Não é de hoje que o Grammy perdeu a importância de outrora. Se a edição americana já passa batida por muitos e pouco agrega à indústria fonográfica, o que falar da edição latina? – nada além de uma festa mercadológica que mais interessa a um punhado de agências de marketing, setores da mídia e empresas multimilionárias do que ao real cenário musical ou ao público.

Pra começar, não dá pra levar a sério uma premiação capaz de separar a língua portuguesa da espanhola dentro de um contexto cujo propósito é a celebração latina. Tal decisão, acima de tudo, esbarra no preconceito e passa a mensagem de que a música brasileira não tem condições de ser reconhecida contra o castelhano, idioma dominante no mercado da região.

Cantor dominicano Juan Luis Guerra foi o grande consagrado do Grammy Latino; venceu em Gravação do Ano e Álbum do Ano Foto: Giorgio Viera/AFP

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Outra decisão inexplicável é separar os gêneros, na intenção de agradar a todos. Há categorias para Samba/Pagode, Sertanejo, Música Mexicana, Música Cristã, Interpretação Urbana (seja lá o que isso signifique), Salsa, Cumbia, entre outros.

Basta fazer uma simples comparação com Oscar, premiação artística mais séria e respeitada, para entender a dimensão do problema. Jamais você verá a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dividir os filmes por comédia, ficção científica, terror, mistério, etc. A intenção sempre será premiar boas películas, independente do rótulo carregado por elas. O mesmo vale para o Tony, no teatro, e o Emmy, na televisão. A qualidade deve estar acima do gênero.

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Os atributos musicais, no entanto, pouco são levados em conta no Grammy Latino. A sensação é de que o número de seguidores nas redes sociais, hoje em dia, tem mais importância. Na lista de indicados, há artistas cuja presença é tão surpreendente quanto encontrar um pinguim no deserto. “Como ele foi parar lá?”, nos perguntamos. É um mistério que desafia a lógica.

Por fim, é preciso acabar com a competitividade desenfreada na arte. Não se trata de esportes, onde há vencedores e perdedores. No caso de reconhecer profissionais notáveis, já temos o Nobel, prêmio essencial para celebrar os principais feitos da humanidade. Logo, a quem interessa distribuir esses irrelevantes troféus dourados?

Um raro momento genuíno da noite foi o abraço entre Jon Bon Jovi e Carlos Vives, quando o rockstar norte-americano entregou o prêmio de Personalidade do Ano ao cantor colombiano Foto: Giorgio Viera/AFP

Para não dizer que tudo é desgraça, é importante destacar que, nesta edição, bons valores da nossa nação ganharam merecidas honrarias, como os medalhões Erasmo Carlos (Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa; póstumo) e Hermeto Pascoal (Melhor Álbum de Jazz) ou os promissores Os Garotin (Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa) e Jota.pê (vencedor múltiplo em três categorias).

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Por fim, registra-se que a cerimônia principal, finalizada na madrugada do Brasil, foi longa e enfadonha, recheada de números musicais dispensáveis, como o fraco dueto de Anitta com Tiago Iorc em homenagem a Sergio Mendes (1941-2024).

Um raro momento genuíno e agradável da noite, no entanto, foi o abraço entre Jon Bon Jovi e Carlos Vives, quando o rockstar norte-americano entregou o prêmio de Personalidade do Ano ao cantor colombiano. Outra passagem emocionante foi a vitória do uruguaio Jorge Drexler em Canção do Ano pela singela peça Derrumbe.

Opinião por Gabriel Zorzetto

Repórter de Cultura do Estadão

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