Em novembro deste ano, completa-se 30 anos que o álbum Nevermind, do Nirvana, tomou conta das rádios, anunciando a chegada de uma banda peculiar de Seattle, assim como uma cena musical underground que fervilhava na década anterior.
Mas elas não ficaram de olho apenas no noroeste do Pacífico. Na verdade, o sucesso do Nirvana também arrecadou fortunas para cidades menores do Meio-Oeste. O fenômeno Nirvana atraiu em massa jovens para o rock alternativo underground, proporcionando públicos genuínos para bandas locais que estavam acostumadas a tocar para um punhado de amigos. Pense, por exemplo, no caso de Peoria, Illinois. Em junho de 1995, a revista Rolling Stone enviou um jornalista para esta cidade de médio porte do Meio-Oeste americano para cobrir um show de punk para todas as idades em um salão alugado da Legião Americana. No topo da lista, estavam os roqueiros de Chicago, o Jesus Lizard. A banda tinha uma reputação incontestável nos círculos musicais independentes e tinha até lançado um single com o Nirvana dois anos antes. O show em Peoria foi um aquecimento para sua participação no circuito do Lollapalooza daquele verão, que depois levou à sua estreia em uma grande gravadora pela Capitol Records. Parecia que o Jesus Lizard poderia ser o próximo Nirvana. Musicalmente, era uma cidade de bandas de rock que apresentavam covers conhecidos e atenuados com músicas de Ted Nugent ou Eddie Money. Ainda assim, nos primeiros anos do Nirvana, do início até meados da década de 1990, Peoria ostentava uma cena musical independente e dinâmica, apresentando dezenas de bandas interessantes e com nomes estranhos como Fast Food Revolution, Nora Hate e Frozen at Sea. Shows de punk-rock para todas as idades em uma pista de skate local atraíam centenas de jovens regularmente. O único café da cidade começou a receber leituras de poesia e noites de microfone aberto, enquanto o histórico Madison Theatre lançou “Noite Alternativa” com bandas locais. Em 1995, a cena punk “faça você mesmo” da cidade, em grande parte organizada por adolescentes, tornou-se um destino modesto para alguns artistas de turnê relativamente grandes. O sucesso do Nirvana inspirou espectadores e músicos apaixonados a renovar e recriar a cena musical local. E nisso, Peoria não era a única. Shows locais que antes poderiam ter atraído algumas dezenas de pessoas em cidades como Sioux City, Iowa ou Racine, Wisconsin, foram subitamente dominados por várias centenas. Em Peoria, mais de 500 jovens se amontoaram ansiosamente no salão da Legião Americana para ver o show do Jesus Lizard, enquanto 900 viram Fugazi tocar dentro de um salão alugado no lugar onde ocorriam as feiras no Expo Gardens. Pouco tempo depois, porém, tudo mudou – pelo menos no que dizia respeito à indústria da música. Grandes sucessos do underground como Jesus Lizard, Samiam e Jawbreaker nunca alcançaram o sucesso do Nirvana. Na verdade, tirando o Green Day, poucas bandas que fizeram o salto para uma grande gravadora conseguiram isso. A MTV abandonou os videoclipes e passou a focar em reality shows. O circuito do Lollapalooza foi interrompido em 1997 e as grandes gravadoras voltaram a se interessar em uma fórmula mais previsível de sucessos pop. No entanto, novas ondas de bandas underground e gravadoras independentes continuaram a proporcionar entretenimento para todas as idades por meio de cenas locais descentralizadas e redes de turnês no estilo faça você mesmo. O surgimento de gravadores de CD e compartilhamento de música online logo diminuiu ainda mais o controle poderoso da indústria. Na verdade, em Peoria, a cena punk-rock continuou. A pista de skate e o teatro histórico deram lugar a outros espaços de shows: uma pizzaria, um porão de igreja e uma loja de discos. Uma nova cafeteria na cidade vizinha de Washington começou a ser palco de shows de hardcore punk estridentes – e uma pintura de Kurt Cobain do Nirvana em sua parede coroa as apresentações. Novas bandas se formaram em Peoria, e algumas acabaram fazendo turnês pelo mundo. As mais conhecidas, Planes Mistaken for Stars, Minsk, Forecast e Scouts Honor conseguiram certa quantidade de aclamação internacional no século 21 – um feito impressionante para uma cidade de 115 mil habitantes. Para milhares de seus jovens – motivados a criar arte e comunidade, sem vontade de ser consumidores passivos –, a cidade era mais do que um mercado-teste nacional ou uma nota de rodapé sem graça para seus pares costeiros. Ela era um polo influente para shows de emo, hardcore, ska e punk em locais verdadeiramente alternativos. Trinta anos depois de Nevermind, a indústria da música é um animal totalmente diferente. Os músicos de rock não lideram mais a vanguarda cultural. Ainda assim, por conta de um vírus mortal que dizimou a infraestrutura da música ao vivo, a reconstrução exigirá imaginação e inspiração. Os jovens de hoje não nadam mais em um mar de flanela da era grunge, mas a supernova criatividade que se seguiu ao sucesso surpreendente do Nirvana pode proporcionar pistas interessantes para o momento pós-covid-19. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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