Helio Flanders se encontrou com a com a solidão. Flertaram. Passaram dias em sua casa, acompanhados apenas da gata dele, que leva o curioso nome de Pinta. Saíam para tomar café perto de onde ele mora, no bairro da Santa Cecília, em São Paulo. Cantaram ao piano, esmurraram o instrumento. Balbuciaram versos por meses, ao longo do segundo semestre do ano passado, até chegarem às canções daquele que é o primeiro disco solo do vocalista do Vanguart, chamado Uma Temporada Fora de Mim (Deck), que será lançado nesta sexta, dia 11.
Ele e aquela solitude não estão mais juntos, conta o músico que chegou aos 30 anos em dezembro de 2014, justamente o período no qual compunha o disco. Flanders diz estar feliz, satisfeito com os caminhos percorridos pela banda e pelo seu coração no momento. Sentado à beira de uma pista de corrida improvisada, dentro de um dos bosques encontrados no câmpus da Universidade de São Paulo, ele tem dificuldade em voltar aos momentos nos quais Uma Temporada Fora de Mim foi criado, entre junho de 2014 até a gravação dele, em abril e julho deste ano.
Entre algumas respostas herméticas e outras nem tanto, ele se desculpa. “Se eu estiver sendo muito mala, você me avisa, que eu tento voar menos, no sentido criativo.” Flanders admite ainda estar “perdido quando vai falar desse disco”. A entrevista dada ao Estado é uma das primeiras a revirar as memórias daqueles dias sem companhia. “Sempre descubro novidades sobre ele. Tenho novas percepções. E isso vem a conspirar com a ideia de ser algo atemporal, entende? De ser a minha história, mas que também pode ser a história de qualquer homem.”
Por isso, explica Flanders, a sugestão para a sessão fotográfica ser realizada em um ambiente bucólico, entre árvores. “Acho que a ideia era buscar essa desolação. Sabe, a ideia de olhar uma paisagem bonita e dizer: ‘Que desolação’”, conta. Beleza e dor misturam-se nos versos de Flanders, que nunca pareceram tão pessoais, embora ele busque distanciar-se do eu lírico. “É sobre um primo de um amigo”, brinca, sobre as situações que originaram algumas das músicas de Uma Temporada Fora de Mim.
Dois músicos argentinos, Ignário Varchausky e Martin Sued, são os responsáveis por contrabaixo e bandoneon, respectivamente, e à sonoridade distinta do álbum solo de Flanders. “Fui reunindo pessoas e inspirações que tive ao longo dos anos. Desde Cida Moreira (que participa de uma faixa) aos músicos argentinos”, disse. “É como o segundo homem a pisar na Lua (o norte-americano Buzz Aldrin) falou isso ao chegar lá: ‘Desolação magnífica’. O disco segue essa ideia, de alguma forma.”
Flanders assume lado solitário
Helio Flanders tinha a segunda década de vida pela frente quando deixou Cuiabá, em Mato Grosso, e mudou-se para São Paulo. O Vanguart, banda na qual é vocalista e divide as funções de compositor, estourava e a proximidade com o mercado do Sudeste fazia a mudança necessária. Oito anos se passaram e o músico, aos 30, encara a cidade de São Paulo de forma diferente.
Uma Temporada Fora de Mim, primeiro disco solo do músico, lançado nesta sexta-feira, 11, transpõe a solidão na metrópole para nove músicas compostas por ele – três delas, Major Luciana, Romeo e Cuyaba Tango, são assinadas em parcerias com Julio Nganga, Thiago Pethit e Arthur de Faria, respectivamente. “A cidade hoje é diferente daquela que você contempla quando se é um forasteiro, um estrangeiro. Ela muda quando você passa a ser parte dela”, analisa.
A música Dentro do Tempo Que Eu Sou, conta Flanders, explora esse impacto seco entre cidade, multidão, e indivíduo. “A faixa cita a ideia de admirar a cidade como parte dela, não mais como alguém de passagem”, explica. A interpretação de Cida Moreira, inspiração para Flanders e uma nova geração, carrega uma dor que o próprio autor diz não ter sido capaz de imprimir na canção. “Eu achei que ia doer quando ela gravasse”, conta. “Mas doeu mais.”
A cidade também está em Um Grito, descrita por Flanders como uma tentativa de ser “um cronista como Tatá Aeroplano”. “Hoje, a vida é olhar a janela e esperar”, canta ele na faixa.
Uma Temporada Fora de Mim não teme cantar a solidão que a cidade proporciona. “Quando fui pensar no tipo de música que estava fazendo, pensei em canções melodramáticas e na foto de Cauby Peixoto”, conta o músico. Na solidão da sua casa, entre sessões intensas de composição no piano, xícaras e mais xícaras de café e pausas diante da janela com vista para o centro da cidade, Helio encontrou inspiração nos versos de poetas como Denise Levertov, Audre Lorde, Adrienne Rich e Hilda Hilst, e na sonoridade trágica do tango. “Queria algo trágico e íntimo”, conta. “Quando chamei os músicos argentinos (Ignacio Varchausky e Martin Sued), disse a eles: é um disco de tango, mas as canções não são tango.”
Depois de um terceiro disco “para cima” com o Vanguart, Flanders escancara o talento para “cantautor solitário”. Durante aquele período de composição do disco, no segundo semestre do ano passado, o músico entrou em um transe do qual, explica ele, é difícil voltar, até mesmo na turnê, que estreia no Sesc Vila Mariana, dia 24 de setembro. “Talvez seja difícil (tocar o álbum ao vivo). Não faço ideia. Cada vez que toco, aprendo mais.” Falar sobre o trabalho também é difícil. “Parece que acessei um lugar muito íntimo, muito profundo”, explica. “Parei de fazer análise, né? Voltei ao velho método de escrever canções.”
HELIO FLANDERS
Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141; 5080-3000.
5ª (24/9), às 21 h. R$ 25.
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