Humberto Gessinger não tem saudade dos anos 80 e descarta reunião dos Engenheiros: ‘Gaiola’

Cantor e compositor gaúcho de 61 anos, dono de hits como ‘Infinita Highway’, faz shows em São Paulo e relembra, nesta entrevista, os comícios de Brizola e diz que foi feliz com a banda no início de sua carreira - mas que aquilo já está distante e o caminho é outro

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Foto: Luigi Vieira/Divulgação
Entrevista comHumberto GessingerMúsico

Dar entrevistas não está entre as atividades favoritas de Humberto Gessinger. Nas décadas de 1980 e 90, quando ficou famoso, o astro do rock nacional dificilmente ficava satisfeito com a maneira a qual os jornalistas transcreviam e editavam seus depoimentos, geralmente carregados de ironias, digressões e várias variáveis.

Em 2025, esses traços de sua eloquência não mudaram em nada, mas ao abrir a câmera para conversar com o Estadão, por videoconferência, o gaúcho de 61 anos parecia tão à vontade quanto no palco. Falar de si mesmo foi uma tarefa que ele aprendeu com o tempo, que também lhe ensinou que “é inútil ter certeza, já que a dúvida é o preço da pureza”.

Gessinger se apresenta em São Paulo nos dias 1 e 2 de fevereiro, no Tokio Marine Hall, com uma turnê que celebra os 20 anos do Acústico MTV dos Engenheiros do Hawaii, grupo fundado por ele em 1985 e responsável por álbuns marcantes como A Revolta dos Dândis (1987) e O Papa É Pop (1990). O novo show também relembra o repertório do disco Acústico: Novos Horizontes (2007).

Nesta entrevista, o músico falou sobre uma série de temas, como a influência da filosofia existencialista de Sartre e Nietzsche em sua obra, a maneira como o público interpreta suas letras poéticas (e, muitas vezes, enigmáticas) e a prática literária. Escritor prolífero, ele já publicou alguns livros pela editora Belas Letras, como Mapas do Acaso e Seis Segundos de Atenção. Além disso, comentou suas preferências políticas, sempre direcionadas à defesa dos trabalhadores.

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O cantor também descartou a possibilidade de uma reunião com a banda que o consagrou. Recentemente o guitarrista Augusto Licks e o baterista Carlos Maltz, integrantes da fase mais célebre dos Engenheiros, criaram o tributo Engenheiros Sem CREA para tocar os clássicos antigos, mas sem a presença de Humberto, que ignorou o convite para se juntar a eles.

Humberto Gessinger toca em São Paulo nos dias 1 e 2 de fevereiro Foto: Reprodução/Humberto Gessinger via Facebook

É verdade que você não gosta de dar entrevistas?

Eu não tenho o que se chama de habilidade social, sempre fui muito tímido, e eu falo muito rápido, de maneira um pouco circular. Eu sofria muito no tempo em que a minha fala tinha que passar pelo filtro de alguém que escrevesse o que eu falei. Então, eu fiquei super cabreiro. Esse negócio de ser uma pessoa pública me pegou de surpresa. Não tenho muito talento para isso. Não acho também que seja a função do artista ser muito coerente e racional a respeito do seu próprio trabalho. Eu fico meio desconfiado quando vejo pessoas muito articuladas falando sobre por que eles fazem uma música. Me sinto muito pouco à vontade no papel de tentar explicar o mundo.

Qual foi a importância desses discos acústicos na sua carreira e como você se relaciona com essas músicas hoje?

Eu sempre ouvi música folk ou mesmo a MPB, que é basicamente acústica. Quando começamos nos anos 80, a agenda meio geral era tipo: ‘bom, agora vamos dar um restart, todo mundo é rock ‘n’ roll’. Mas por exemplo, em A Revolta dos Dândis, as músicas tinham violão e harmônica, isso chamava a atenção. Depois, ali nos anos 90 e 2000, veio a coisa dos acústicos. Agora, coincidiu com os 20 anos de gravação do acústico, mas esse negócio do aniversário nem levo tão a sério. Acho que é porque eu nasci dia 24 de dezembro, não levo muito a sério o aniversário de dezembro (risos). Quando eu descobri que aquelas arvorezinhas e bolinhas não eram pra mim, fiquei meio decepcionado. Na verdade, o que me deu vontade de fazer agora é que, no fim do ano passado, eu comecei a fazer músicas novas. Compus uma com o Chico César, outras sozinho. E elas tinham tudo a ver com o acústico, porque em todos os meus projetos ao vivo, além de compilar sucessos, eu coloco músicas novas. Também vou gravar 10 músicas dos shows em São Paulo para lançar depois.

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Como você reage quando as pessoas têm interpretações diferentes das suas letras, divergentes da sua intenção original?

Já fiquei com ciúmes disso, quando eu era garoto, mas hoje acho que faz parte. Não posso abrir mão de certas sutilezas para tentar ser entendido da mesma maneira por todo mundo. O tempo vai deixando as coisas mais claras. Não posso também correr o risco de me simplificar para que todo mundo tenha a mesma leitura. (...) Geralmente quem trabalha com arte e música tem um pouco medo de ser datado, e eu adoro ser datado, porque eu acho que um pouco da função da música é marcar a passagem do tempo.

Sobre ‘Infinita Highway’, uma das músicas que você mais deve ter tocado na sua vida, me parece que há influências de filósofos existencialistas, como Sartre e Nietzsche, certo?

Nós nos influenciamos por tudo. Talvez isso seja tão influente quanto ouvir a narração de um jogo de futebol é influente no meu canto. Não é uma coisa que eu tenha procurado, nem da qual eu me orgulho, mas [os filósofos] sempre fizeram parte da minha vida. Reconheço que tem isso na minha música. É como se eu estivesse tentando digerir tudo o que eu absorvi. Essas influências pintam, como também pintam referências ao meu time de futebol, mas não quero fazer as pessoas torcerem para o Grêmio.

Como foi a sua imersão na literatura? Foi um caminho mais libertador do que a letra da canção?

A palavra escrita é anterior à palavra cantada na minha vida. Sempre gostei de ler e de escrever, mas me sinto bem mais à vontade com música, porque eu acho que há em volta do livro uma certa seriedade demasiada. Não sei se é porque vivemos num país iletrado, mas eu participava de feiras de livro e achava meio estranho a maneira mais formal que as pessoas tratam o livro em relação a um disco. Eu via, nas filas de autógrafos, que as pessoas carregavam o CD, um objeto mais frágil, de uma maneira, e carregavam o livro meio que protegendo ele. Nem todo mundo quer escrever um atlas ou a Bíblia. Às vezes as pessoas só querem dialogar no livro. E acho mais fácil dialogar por meio da música do que do livro.

Humberto Gessinger se apresenta com os Engenheiros do Hawaii no Rock In Rio 2001 Foto: Wilton Junior/Estadão

Em 1989, vocês fizeram shows em comícios do Brizola durante a campanha presidencial. Aquilo foi uma maneira de responder alguns grupos que chamavam vocês de ‘direitistas’ ou eram fãs mesmo do Leonel?

Eu, principalmente, sempre gostei dessa tradição trabalhista. Não sentia muito que nos achavam direitistas. Era mais pelo fato de sermos caretas em relação a drogas do que em relação à política. Fizemos uns três ou quatro comícios do Brizola e foi num desses que eu comecei a tocar Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles e Os Rolling Stones [originalmente uma canção italiana regravada por Os Incríveis]. Na época, a Jovem Guarda era uma coisa estranha para a minha geração. Depois eu gravei a música e acabou virando um super sucesso. Lembro que eram bem caóticos os comícios do Brizola. Tinha essa coisa do Darcy Ribeiro, essa visão positiva do Brasil, como uma potencialidade, um País de mistura. Isso que me atraiu um pouco na discussão. Parece contraditório, mas o Brizola era meio tropicalista.

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Acha que o Lula carrega um pouco dessa tradição trabalhista do Brizola?

Claro, sempre que pensar nos trabalhadores, eu estou desse lado. Mas o trabalhismo em São Paulo nunca foi forte, era mais aqui no Rio Grande do Sul. Lembro que no início tinha essa rixa entre PT e brizolismo. E o Brizola nunca foi forte em São Paulo. Mas eu estou desse lado, do trabalhador.

Muitos colegas da sua geração costumam dizer que na época deles as músicas eram melhores...

Aahhh... [Humberto se joga em sua cadeira]

Pelo visto, você não concorda com isso

Acho engraçado, ninguém que fala isso se sente responsável pela maneira como o mundo ficou. É como: ‘eu fiz a minha parte direitinho, se está uma merda agora não tem nada a ver comigo’. Acho isso um absurdo. Olha o mundo que esse pessoal [mais jovem] está pegando, um mundo de outra velocidade. Eu estou fora dessa coisa de que era bom quando eu jogava bola. Cada um tem seu momento com o qual dialogar.

Engenheiros do Hawaii, banda formada por estudantes gaúchos em 1985, ficou famosa por hits como 'Infinita Highway' Foto: Luludi/Estadão

Mas o fato do sertanejo e do funk serem os gêneros mais ouvidos no País não é um pouco desolador para quem faz rock?

Talvez o Brasil seja isso, né? Talvez fosse uma ilusão outro tipo de música iluminar. Eu tenho várias questões quanto ao lado comercial, mas se estivéssemos nos anos 80, meu primeiro disco não estaria disponível, estaria fora de catálogo, mas hoje está aí, acessível. Eu nunca quis fazer parte de nada hegemônico. Faço um trabalho bem específico, está ótimo, consigo acessar meu público, não interessa para mim se estamos no primeiro ou no segundo lugar. Chego ao meu público de uma maneira muito mais direta do que os anos 80. Não tenho a menor saudade daquela época.

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Sentiu muita pressão para reunir os Engenheiros nos últimos anos?

Não sinto pressão. Cada vez que as pessoas conheçam mais o trabalho que estou fazendo, menos forte fica esse ruído. Foram 7 anos da minha carreira, legais pra caramba, mas ela tem 40 anos. Não tenho problema de falar sobre isso, é que se eu me aprofundar, vou estar comparando colegas de várias gerações, e eu não quero comparar, acho isso extremamente deselegante. E outra coisa que acontece é que me colocam em uma posição esquizofrênica de me comparar a mim mesmo. É mais pressão comercial do que artística.

Você chegou a receber ofertas dessas grandes empresas de shows ou só o convite para o projeto do Augusto e do Carlos?

Eu nem recebi convite do Augusto e do Carlos. Quem me escreveu o e-mail foi um cara [Sandro Trindade] que canta numa banda cover e que está tocando com eles. E aí eu achei que não cabia nem responder. Não quero entrar nesse mundo. É muito autorreferente ficar pensando em ser uma banda cover. Agora, sim, houve várias dessas empresas que entraram em contato. Festivais também. Mas eu estou tão feliz com o que eu estou fazendo e com o tamanho que eu tenho agora. Acho que os guris [Carlos e Augusto] entendem isso também. Fico honrado que eles tenham saudade, mas eu não tenho. Pra mim seria entrar numa gaiola, onde estão me dando alpiste, me dando água. Pô, deixa eu errar um pouquinho, velho. Não quero ter a obrigação de encher arenas todos os dias da semana, não é o meu tamanho. Eu estudava arquitetura, montei uma banda, fiz o meu caminho, escrevo minhas letras complicadas, não sei lá quem entende, toco do meu jeito. Quer dizer, nada contra quem lota arena, mas esse não é meu jogo.

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Humberto Gessinger, ex-vocalista do Engenheiros do Hawaii, durante apresentação do grupo no festival Rock in Rio II, em 1991 Foto: Chico Ferreira/ Estadão

Humberto Gessinger - Acústico: Engenheiros do Hawaii

  • Quando: 1 e 2 de fevereiro de 2025
  • Onde: Tokio Marine Hall (R. Bragança Paulista, 1281)
  • Ingressos: tokiomarinehall.com.br (disponíveis apenas para o dia 2/2)
  • Preços: R$ 140 a R$ 360
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