Com um punhado de moedas nas mãos, Jonnata Doll deixa o bar à beira da Praça Roosevelt, na esquina com a Rua Augusta, no centro de São Paulo, e compra um cigarro avulso na banca de jornal ao lado. É um vício remanescente de um passado que inclui flerte com substâncias mais perigosas, mas hoje transformados em monstros trancafiados dentro do armário. Estes fantasmas estão expostos no primeiro disco da banda Garotos Solventes, lançado há dois anos, e invariavelmente nos shows selvagens realizados pelo grupo de Fortaleza pelo País. E poderá ser vista novamente em São Paulo, nesta sexta-feira, 12, com a apresentação de Jonnata Doll e os Garotos Solventes no Sesc Belenzinho, a partir das 21h30.
Há quem não conheça a fama de Doll e seus Solventes – principalmente aqueles que não circulam no circuito de rock independente –, mas o líder que empresta nome ao grupo recentemente tem estendido seu leque de admiradores a uma esfera muito maior, com participações especiais nos shows da atual turnê comemorativa de 30 anos do primeiro disco da Legião Urbana. Ao lado de Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, ele sobe ao palco para executar canções como 1965 (Duas Tribos), Fábrica e Mais do Mesmo. Não é o vocalista principal da trupe – função exercida por André Frateschi –, mas a energia que mostra ao subir no palco, com passos que se aproximam da dança do ventre, e a desenvoltura performer em estado puro, lhe garantiram a atenção de críticos e fãs da Legião Urbana.
Doll conheceu Villa-Lobos por intermédio de Fernando Catatau, guitarrista e líder da banda Cidadão Instigado, integrante de uma geração anterior a Doll na cena roqueira da capital do Ceará. Há três anos, Catatau chamou o músico para viver em São Paulo e ofereceu o próprio apartamento como morada por algum tempo. Numa tarde, o guitarrista da Legião Urbana foi convidado para almoçar frango com manga, como lembra Doll. Passaram a tarde ouvindo discos e trocando experiências. À noite, Dado e Doll fizeram participações em um show do Cidadão Instigado e, depois disso, os dois passaram a fazer aparições especiais e ocasionais em shows das respectivas bandas.
“Renato Russo e Legião Urbana são importantes para a minha formação. Até mesmo para a minha performance no palco”, ele diz, ao citar o músico morto em 1996 ao lado de outros ícones da música, donos de estilos característicos como Michael Jackson, Elvis Presley, Jim Morrison e Iggy Pop.
Por falar do líder do Stooges, Doll ganhou a alcunha de Iggy Pop do Sertão e faz justiça à comparação pela referência musical ao padrinho do punk, ao antigo flerte com a morte no abuso de substâncias ilícitas, às letras cruas sobre experiências próprias.
Doll levou a tríade de sexo, drogas e rock-n’-roll ao pé da letra por muitos anos. Atuou como líder da banda Kohbaia entre 1997 a 2009 e com ela fez barulho na cena roqueira do Estado. Naquele 2009, nasceu o Solventes em um momento no qual ele decidiu viver apenas sob o pretexto do rock-n’-roll. As experiências passadas, e até canções do Kohbaia, estão espalhadas por Jonnata Doll e os Garotos Solventes, o primeiro disco da trupe. São canções como Namorada Fantasma (sobre uma garota viciada), Rua de Trás (lugar em Fortaleza conhecido por ser ponto de venda de drogas) e Esqueleto (a narrativa de quem vê o próprio corpo definhar). O álbum foi produzido por Yuri Kalil (integrante do Cidadão Instigado).
O ano de 2016 promete ser um novo passo para o estabelecimento do grupo. Um segundo álbum, chamado de Crocodilo, será lançado ainda no primeiro semestre com produção do sempre excelente Kassin (cuja atuação vai de Los Hermanos a Vanessa da Mata, passando por Clarice Falcão e Buchecha).
Doll também expande a sua própria arte. Flerta com o cinema (recentemente, o seu Planeta Escarlate foi exibido no Festival de Cinema de Tiradentes) e teatro (como a peça Aquilo Que Me Arrancaram Foi a Única Coisa Que Me Restou, que volta ao Espaço dos Satyros em março).
Em todas as formas de arte, a performance do músico é de entrega. “Jonnata Doll não é um personagem”, ele explica. Na escola, era alvo de piada. “Fazia coisas escatológicas para fazer as pessoas rirem. Achavam que eu tinha problema. E vi no rock uma chance de dizer o que eu queria”, ele conta também. Em São Paulo, Doll decidiu viver no centro, perto do cinza da metrópole – só um integrante do grupo ainda mora em Fortaleza. Entre uma tragada e outra, ele elogia a vista da Praça Roosevelt. “Gosto desse caos”, acrescenta, apontando os carros abaixo.
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