No mesmo lugar onde, duas horas antes, fãs se espremiam para enxergar (mal) um pedaço do palco da brasileira Ludmilla, grupos de pessoas estavam sentadas, de costas para o palco, enquanto a inglesa Joss Stone se apresentava no The Town, no início da noite desta quinta-feira.
Não era culpa de Joss Stone, como sempre despojada, talentosa e com a mesma voz apaixonante de quando estourou aos 16 anos de idade, há 20 anos. Ela substituiu de última hora na escalação do festival Liam Payne, seu conterrâneo, vocalista do One Direction, que cancelou a vinda ao Brasil por motivos médicos.
Mas não tem como não notar: de novo, um festival de Roberto Medina colocou Ludmilla em um lugar menor do que ela merecia. Neste caso, o erro foi menor do que o Rock In Rio de 2022, em que ela fez um dos melhores shows do ano no palco secundário. Agora talvez nem Liam Payne conseguisse juntar mais gente. A impressão é de que a carreira de Ludmilla está sempre crescendo mais rápido do que o esquema de escalação deles.
Não que Joss Stone parcesse perceber ou ligar para tudo isso. Até porque tamanho de público nunca foi um problema para ela. Pelo contrário: a cantora, que surgiu como uma megaestrela adolescente, parece ter feito esforço ao longo de seus nove álbuns para fazer as coisas com menos exagero. Um projeto mais pé no chão da artista que sempre canta descalça e sem megalomania.
Joss Stone virou adulta e nunca gravou com Timbaland, não fez remix com David Guetta e nem parceria com o Coldplay. Sai por aí fazendo shows com vestidos esvoaçantes (três no show de hoje), dando espaço generoso para seus músicos brilharem - o baixista faz dois solos no show, o que não é exatamente o conceito de entretenimento de um dia pop do The Town. Tudo competente e um pouco morno.
No início do show, ela faz um medley de músicas do seu repertório (You Had Me, Free Me e Bad Habit) com You Got the Love, que ficou popular na versão de Florence and the Machine, hoje uma artista maior que ela no cenário pop. Parece uma piscada: eu poderia ser a rainha do neosoul inglês, mas estou de boa.
E o jeito despojado, com musicalidade fácil, tem tudo a ver com o Brasil, um mercado especial para ela. Joss já veio ao país outras sete vezes - as duas últimas em São Paulo foram em junho de 2022 e abril de 2023. Mais um motivo para ter deixado o show para um horário mais cedo e descompromissado - ela mesma, provavelmente, iria preferir.
Dá agonia ver gente sentada de costas ou batendo papo alto enquanto Joss Stone encarnava Janis Joplin e jogava um girassol para a plateia de forma simpática, sem parecer cosplay de hippie. Mas essa agonia é minha, não dela.
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