Durante a pandemia, perto de completar 30 anos de carreira, Laura Pausini, 50, achou que já havia “conhecido tudo”. A cantora, a italiana mais ouvida do mundo, coleciona Grammys, uma indicação ao Oscar e colaborações que vão de Madonna a Michael Jackson. Neste ano, foi eleita pela revista People como a mulher mais poderosa de 2024.
Nesta sexta, 27, a artista volta bem diferente do que era no início de sua carreira. Mais dançante, ela lança CIAO/CHAO (Tchau, em tradução livre), faixa extra que vai integrar a versão digital de seu álbum mais recente, Anime Parallele (Almas Paralelas, em português). A música tem a italiana e o britânico Sam Smith entre os compositores.
Para o clipe da canção, Laura escolheu aparecer loira com um vestido branco com asas – ela agora quer falar sobre liberdade. “Quase sempre, eu escrevo coisas que eu vivo”, detalha a cantora, já morena de novo, em entrevista por vídeo ao Estadão.
CIAO/CHAO, lançada em versões em italiano e em espanhol, fala sobre se libertar de relacionamentos que fazem mal, mas sem rancor. A inspiração veio de um “término”, no último ano, com uma amiga com quem a cantora também trabalhava. “Eu agora sou livre para viver meus pensamentos, meus desejos e minha maneira de trabalhar, que é diferente da dela”, comenta sobre a ex-amiga.
Laura Pausini adora o Brasil e volta de tempos e tempos. Ela até aprendeu português - e essa é a língua que ela escolheu para esta entrevista. Gosta tanto que defende o País com unhas e dentes. “Ninguém pode falar mal do Brasil”.
E Laura Pausini adorava a Hebe Camargo, sua “mãezinha brasileira”, como disse no último show que fez em São Paulo. “Para a minha carreira, a Hebe foi tudo no Brasil”, afirma a cantora - dona de um sapato, um vestido e um lenço da apresentadora morta em 2012.
Ao Estadão, a cantora conta detalhes de sua relação com Hebe e com o Brasil, aborda seu desejo de liberdade e fala sobre os sonhos que ainda não realizou. “Eu sei que já vivi muitas coisas incríveis. Impossíveis também. Mas é muito importante para mim pensar que existe muito mais.”
Leia também
‘CIAO/CHAO’ tem uma batida mais eletrônica, mais dançante e bem diferente do ritmo do começo da sua carreira. Por que apostar nisso agora?
Eu não estava buscando nada de específico. Quando, de repente, chegou essa música pelo Sam Smith, eu disse que gostava muito dela. É uma coisa que me fazia ter calafrios e me inspirou a escrever uma letra. E chegou a ideia de falar sobre uma coisa que vivi durante o último ano. CIAO é sobre a capacidade de deixar ir pacificamente as pessoas que estiveram ao nosso lado até agora. E pacificamente não é fácil, pelo menos para mim. Normalmente, quando termino uma história de amor, amizade, trabalho ou família, para mim, é muito mais fácil discutir, culpar o outro, cancelar outra pessoa. Mas você pode aprender a deixar ir e viver sua própria vida respeitando o outro. Para o videoclipe, eu decidi ficar loira, porque, obviamente, a canção fala de uma mudança. Muitas vezes, quando deixamos ir uma pessoa importante da nossa vida, cortamos o cabelo e mudamos a cor. E, também, escolhi um vestido branco com asas, porque simboliza o desejo de liberdade.
Algum momento específico da vida te fez ter inspiração para essa letra?
Sim. Quase sempre, eu escrevo coisas que eu vivo. A música que o Sam Smith me enviou falava de outro assunto, mas ele me deixou livre para escrever. Então, eu pensei, naquele momento, em uma pessoa específica, uma amiga minha, que viveu por muitos anos ao meu lado e também trabalhava comigo. De repente, nós nos encontramos com ideias e desejos diferentes. E decidimos nos despedir. Os dias passavam e, mesmo com ela longe de mim, eu sentia que ela não me dava dor. E que a sua amizade vive dentro de mim como uma coisa importante. Então, nosso ‘tchau’ não foi uma guerra. Foi realmente como: ‘Eu te adoro tanto que eu compreendo você. Então, deixo você livre’. Eu agora sou livre para viver meus pensamentos, meus desejos e minha maneira de trabalhar, que é diferente da dela.
Você fala português muito bem e sempre fala do seu amor pelo Brasil. E, recentemente, uma brasileira foi eleita Miss Itália, mas recebeu muitos ataques por isso. Você já sofreu críticas por ser próxima do Brasil? Como enxerga esse tipo de reação a países da América Latina?
Ninguém pode falar mal do Brasil. Eu não sou brasileira, mas o Brasil está dentro de mim. Eu fico muito brava com isso. Eu amo o Brasil e não quero que ninguém fale mal do Brasil. O Brasil é um país maravilhoso. Eu fico muito mal se alguém fala mal do Brasil.
Você sempre falou da sua ‘mãezinha brasileira’, a Hebe Camargo. Qual a importância dela para você?
Para a minha carreira, a Hebe foi tudo no Brasil. Antes que a minha própria gravadora me falasse de viajar até o Brasil, a Hebe me descobriu. Ela viajou à Itália em uma viagem privada. Acredito que foi durante o Natal. Ela me viu na televisão italiana e ficou apaixonada pela canção La Solitudine. Ela comprou alguns CDs em uma loja de Milão e depois usava a minha música durante o seu programa. Quando a minha gravadora me contou tudo isso, eu viajei pela primeira vez ao Brasil. Obviamente, a primeira viagem foi somente para a Hebe.
E fiquei superapaixonada por aquela mulher. Eu olhava para ela com uma gratidão incrível. Ela me disse que era a minha mãe do Brasil e eu ficava muito emocionada, porque eu senti que ela era muito verdadeira. Naquele dia [da viagem], ela me convidou para ir à sua casa e eu conheci meu irmão, seu filho [Marcello Camargo]. Eu estou em contato com ele, claro. Ela sempre vive comigo. Ela me dá algum sinal. Ela me deu muitos presentes. Eu tenho um sapato dela - porque nós calçamos o mesmo número. Eu também tenho um vestido dela e um lenço. Tenho um lugar em casa onde conservo tudo. Ela vive sempre comigo. Nos meus pensamentos, sobretudo.
Você tem uma lista de conquistas. São 30 anos de carreira e, neste ano, foi eleita a mulher mais poderosa do ano pela ‘People’. Há um sonho que ainda não realizou?
É uma pergunta que eu me faço muitas vezes durante os meus dias quando estou sozinha. Eu realmente vivi muitas coisas na música e na minha vida privada. Então, tenho me perguntado o que eu posso sonhar agora. Durante a [pandemia da] covid-19, eu pensei que já havia conhecido tudo. Era um momento difícil. Quando eu comecei a escrever o disco Anime Parallele, e também quando foi possível voltar ao palco e cantar com o público, coisas mágicas aconteceram. De repente, eu me senti como uma garota - como nas primeiras vezes em que você vive uma experiência. Agora, eu fico muito mais tranquila. Sei que já vivi muitas coisas incríveis. Impossíveis também. Mas acredito que é muito importante para mim pensar que existe muito mais além do que eu já vivi.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.