Leo Jaime: ‘O homem sofre muito com o machismo’; cantor fala ainda sobre haters, Cazuza e mais

Ao ‘Estadão’, músico também contou por que mudou a letra de ‘Eu Vou Comer a Madonna’, disse que ‘julgamento cruel’ na internet é uma forma de censura e comentou os ataques sofridos após ganhar a ‘Dança dos Famosos’: ‘Não alimente os trolls’

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Atualização:
Entrevista com

Seja como músico, ator, comentarista esportivo, escritor, dançarino ou dublador, Leo Jaime prova que a versatilidade é seu maior triunfo. Nome importante da geração dos anos 80, está na história do cancioneiro brasileiro não apenas pelas músicas sacanas e dançantes como As Sete Vampiras e Eu Vou Comer a Madonna, mas também por uma simples decisão que mudou os rumos do rock nacional: recusar um convite para cantar no Barão Vermelho e indicar Cazuza no seu lugar – o resto é história.

Leo Jaime destacou-se no ramo da atuação graças a participações em filmes, peças e telenovelas, principalmente em papéis da TV Globo, como o professor Nando, de Malhação, e o Rei Dom João VI, de Novo Mundo. Nos cinemas, ele também emprestou sua voz ao personagem Raiva da animação Divertida Mente (2014).

O goiano de 64 anos também se aventurou nos comentários esportivos em passagens pelo SBT e pela rádio CBN no início dos anos 2000. Além disso, escreveu para grandes jornais e participou de programas como Papo de Segunda, Saia Justa e Amor & Sexo – experiências que deram forma ao livro Cabeça de Homem (2014), espécie de manual sobre a mente masculina.

Em 2018, contra todos os prognósticos, ele superou a timidez e ganhou a Dança dos Famosos, conquista que lhe rendeu uma avalanche de ataques, conforme ele explica em entrevista ao Estadão, por videoconferência, antes do show comemorativo de 40 anos de carreira que o artista apresenta neste sábado, 11, no Vibra São Paulo, na zona sul da capital.

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O músico Leo Jaime volta a São Paulo para um show que celebra 40 anos de carreira Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Apesar da censura, em 1983 não se falava muito do ‘politicamente correto’ quando você lançou um disco chamado ‘Phodas C’, que continha uma faixa chama ‘AIDS’. Olhando pra trás, você se vê como um cara transgressor?

Sim, o disco era embalado no plástico, lacrado e proibido para menores de 18 anos. As músicas, quase todas, eram proibidas. Depois a gente entrava com recurso e conseguia liberar na censura. Nesse disco, duas não foram liberadas. Outra, eu consegui liberar - mas era ‘Eu vou dar para o militar’ e mudamos para ‘Eu vou dar para um oficial’. Era um momento muito complicado. Hoje em dia as pessoas ficam com um certo saudosismo da ditadura. Era um horror. Então, não tinha muito jeito. Tinha que ser transgressor.

Aproveitando que estamos em clima de Madonna, você acha que a música ‘Eu Vou Comer a Madonna’ seria cancelada se fosse lançada hoje em dia?

Essa música era sobre uma coisa que eu apontava nessa época, que era uma hiperssexualização da criançada. Eu acho que a criança entrou como alvo do mercado e essa ideia de sensualizar crianças me incomodava. Hoje, a única música minha para a qual faço uma ressalva é essa, pois acho grosseiro ‘Eu Vou Comer a Madonna’. Hoje eu canto ‘Eu Vou Pegar a Madonna’, porque é mais adequado e menos sexista. Mas, de qualquer forma, eu gosto da letra dizendo o sonho de um menino. Era como se fosse o status maior de pegar a mulher mais interessante. Então, de certa forma, era uma homenagem à Madonna. Mas eu achei que devia mudar o título, porque é mais o espírito da coisa. Como autor, eu falo: isso aí não ficou bom. Agora, sobre cancelamento, o julgamento cruel das redes sociais é uma forma de censura. Hoje também há uma expectativa do mercado que não tínhamos naquela época, quando tudo estava para ser criado. Era um momento com muito humor, mas sem deixar de cutucar o que precisava ser cutucado.

Poderia comentar sobre sua amizade com o Cazuza? Como era a relação de vocês com as drogas? Nesse sentido, teve algum episódio que te chocou?

Era uma época em que as experiências começaram a ficar um pouco intensas. Uma vez eu tive uma conversa com ele e falei: ‘escuta: tem umas pessoas que você ama que não são suas amigas de verdade. Aí você só consegue aturar essas amigas se você estiver bêbado’. Ele falou: ‘é verdade, por isso que eu bebo’. Porque, de certa forma, ele tinha um fascínio pelo lado selvagem. E esse fascínio era também um canal de autodestruição. Eu, logo cedo, tive uma experiência muito negativa com relação a essas coisas e virei careta. Cheguei a ver o Cazuza passando mal e era uma coisa dolorosa pra mim, porque eu saí do hábito de consumir e tive que me afastar das pessoas que consumiam. Porque uma das regras para eliminar o vício é você não conviver. E nós seguimos amigos, mas eu era um amigo das decisões difíceis, dos momentos caretas. Não era um amigo da ‘porra louquice’. Eu acho que eu incentivei muito o Cazuza a pensar nele como um artista. Ele não queria pensar nisso e eu via um talento absurdo nele. A primeira parceria do Cazuza foi comigo, para uma peça de teatro. A primeira música dele foi Down em Mim e eu fui a primeira pessoa a ouvir. Eu sou o primeiro fã do Cazuza.

Você atuou em muitas telenovelas e a sensação é que elas estão perdendo a qualidade e não agregam como as produções do passado, concorda?

Quando você assistia, sei lá, Vale Tudo ou até mesmo Avenida Brasil, existia uma relação entre a população e aquilo que estava sendo exibido na dramaturgia, para que todo mundo dialogasse em cima daquilo que estava sendo proposto. Depois, começou a ficar mais difícil concentrar a atenção de todo mundo, ou estourar o IBOPE, como em algum momento a televisão já fez. Eu acho que têm muitos programas, muitas séries, e fica difícil. Então, observamos, por exemplo, que quando você refaz uma novela, isso dá um conforto para a audiência. É a mesma coisa de um show. Se eu não cantar aquelas músicas que as pessoas conhecem, na hora que eu tocar uma música nova elas vão querer ir ao bar, porque o público ficou muito acostumado a gostar das coisas que já gosta - e não a descobrir coisas novas. Isso pode ser ruim. Citando um amigo, há três coisas fundamentais na vida de uma pessoa: o pai, a mãe e a novidade. Mas eu entendo que, para fazer uma grande produção, envolve muito dinheiro e você quer correr menos riscos. Então, esse tipo de novidade é mais aparente em minisséries ou filmes. É uma questão de adaptação dos tempos.

Leo Jaime em apresentação na 'Dança dos Famosos' Foto: Fábio Rocha/Globo

Quando você ganhou a ‘Dança dos Famosos’, chegou a relatar que sofreu muitos ataques, inclusive de gordofobia. Como você lida com isso hoje?

Essa foi a pior parte de fazer a Dança dos Famosos: ganhar. Eu estava adorando dançar ali e, para mim, é o que importa. Não era para provar nada para ninguém, era para provar para mim mesmo. Por quê? Eu fico muito nervoso, querendo ter o controle sobre tudo. No primeiro dia que dancei lá, eu só tinha uma preocupação: não desmaiar. Falei: ‘vou desmaiar aqui, vai ser um mico horroroso’. Mas não desmaiei, e fui curtindo o processo. Quando eu ganhei, entrei em contato com esse ataque. ‘Ah, ganhou por quê? É um velho, gordo, feio, que nem se mexe, não consegue nem andar. Isso é roubalheira’. Isso era numa massa absurda, porque para cada seguidor que eu tinha, tinha uns 80 que preferiam que outros artistas tivessem levado aquele prêmio. No entanto, a quantidade de gente que se viu representada por mim, que vinha falar para mim que tinha se inspirado, que tinha se sentido legitimado como pessoa, como corpo, foi imensa. Então, assim, não alimente os trolls. Temos que mandá-los tomar no c** (risos).

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Você sempre falou sobre sexo com naturalidade e publicou um livro que abordava esse tema. O que as mulheres precisam saber sobre a mente masculina?

O homem sofre muito com o machismo. A ideia que se tem, olhando de fora, é que o machismo é um privilégio masculino que oprime só as mulheres, mas é uma estrutura patriarcal de sociedade que oprime todo mundo. Eu diria que a espinha dorsal do machismo é que o homem não chora. O homem pensa no próprio prazer como uma coisa de ‘acertei ou errei’. A conversa entre dois homens sobre questionamentos amorosos, sexuais, é muito rara. Acho que nós homens temos que aprender muito com as mulheres, porque elas vêm lidando com as suas próprias angústias há muito tempo. Aí, a primeira vez de um homem é ‘vai lá e resolve’. Não, é importantíssimo falar sobre isso. Nós, homens, precisamos fazer contato com a nossa sensibilidade. E isso significa, em algum momento, encarar as próprias fragilidades. E homem nenhum quer parecer frágil. Pelo contrário, os homens querem ir para a academia e intimidar todo mundo. É uma coisa primitiva, né? Fragilidade é uma coisa, fraqueza é outra. Acho, inclusive, que você querer intimidar todo mundo pode ser uma fraqueza. Eu não estou vendendo uma solução do homem desconstruído. Acho que temos que nos perguntar como podemos criar um mundo que seja gostoso para todos. Enfim, é uma discussão que as mulheres vêm tendo há muito tempo e que os homens estão um pouco atrasados nela. Isso resulta num País que está sempre na liderança dos feminicídios, estupros, crimes contra gays. Quando escrevi esse livro, a ideia era chamar os homens para uma conversa, mas percebi que as mulheres ficaram muito mais interessadas, porque elas querem entender a cabeça do homem. O homem é que não quer entender a cabeça do homem.

Um pouco sobre futebol: qual sua expectativa para o novo ciclo da Seleção? Devemos abrir mão do Neymar?

Olha, eu acho que não podemos jogar em função do Neymar. Foi o que o Brasil fez durante muito tempo. Ele é um excelente jogador, mas se comparar com a Seleção de 2002, aquela geração tinha cinco jogadores que foram os melhores do mundo. O Neymar não foi o melhor, isso é um fato. Ele não está nem no patamar do Kaká. O Vini Jr. já é um sério candidato à Bola de Ouro. Mas na geração atual temos muitos bons jogadores e estamos no caminho certo.

O que os fãs podem esperar do show deste sábado?

É um show em que comemoro 40 anos de estrada. E para estar comigo nessa celebração terei os meus parceiros do começo da carreira: Eduardo Dussek e João Penca e seus Miquinhos Amestrados, que era a banda onde eu comecei. Com o Eduardo, fizemos um trabalho junto que foi o disco Cantando no Banheiro, que foi a abertura para uma geração pop rock. Então eu tenho muito orgulho de estar ao lado das pessoas que foram muito importantes para mim quando ninguém me conhecia, quando eu estava apenas com um sonho na cabeça e sem nenhuma perspectiva de ter uma carreira longa como acabei tendo.

Leo Jaime – Festa Baile Show

  • Onde: Vibra São Paulo
  • Quando: 11 de maio de 2024
  • Preços: a partir de R$80
  • Ingressos: https://uhuu.com/

Ouça Leo Jaime

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