O cinema de Luis Buñuel, Luchino Visconti, Sergei Eisenstein, Francis Ford Coppola. A literatura de Thomas Mann, Joseph Conrad, T.S. Eliot, Virginia Woolf, James Joyce. O teatro de Vaclav Meyerhold, Bernard Shaw. Os quadros de Gustav Klimt, Vassily Kandinski. Os escritos de Sigmund Freud. Os desenhos de Pernalonga e Gaguinho.
A história da arte e da cultura ocidental no final do século 19 e no século 20 passa por todos esses autores. E suas obras, pela relação que mantiveram com a criação do compositor Richard Wagner (1813-1883). É esse o ponto de partida de Wagnerism: Art and Politics in the Shadow of Music (Wagnerismo: arte e política à sombra da música), novo livro de Alex Ross, já lançado nos EUA e com previsão de sair em português no Brasil.
Wagner foi figura dominante da arte musical da segunda metade do século 19. Pelas inovações técnicas, em especial pelo modo como refinou o papel da música como narradora de histórias. Mas também pelo mundo de ideias que sua obra evoca. Tannhäuser e Lohengrin falam do artista como um herói capaz de transformar com sua arte a sociedade. O Anel do Nibelungo propõe a criação de um novo mundo sem hierarquias, baseado na justiça e no amor. Tristão e Isolda é profundo mergulho na natureza do amor. Parsifal, sua última ópera, uma ode à compaixão.
É na gênese desses dramas musicais que Ross, autor de O Resto é Ruído, inicia a narrativa que busca mostrar como Wagner influenciou seu tempo e o futuro. Mas essa é uma via dupla. Pois o wagnerismo, ele escreve, está preso em uma espécie de looping: o compositor influenciou experimentos em outros campos e esses experimentos afetaram a própria percepção que hoje temos de sua obra.
O caminho de ida é relativamente claro. Para os escritores modernistas, a ideia de novo mundo, a aceitação de uma realidade que se transformava e que precisava encontrar eco em uma nova arte, era central. Nesse sentido, Tristão oferecia as bases para as narrativas baseadas no fluxo de consciência, assim como o conceito de “obra de arte total” dava forma a uma arte capaz de englobar a experiência humana”. A união entre imagem, palavra e música também marcaria o cinema: Eisenstein de “unidade na oposição” ou “unidade na variedade”. Para o teatro, Wagner, a partir da leitura simbolista, tornou-se ponto de partida para experimentos com a encenação.
O caminho de volta é um mais complicado. Pois, como mostra Ross, a influência wagneriana, na maior parte dos casos, foi absorvida em meio ao que o autor chama de uma “dialética de emulação e rejeição”. Um bom exemplo é o Ulisses, de James Joyce. A obra é wagneriana ao justapor mito e modernidade, mas rejeita abertamente o compositor e sua visão de um mundo totalizante, ideal, ao definir a experiência humana como fragmentária.
Inimiga ou aliada. Mas é no campo da política que as nuances se tornam ainda maiores. A trajetória de Wagner é central na discussão das relações entre vida e obra. Wagner foi antissemita e racista, como seus textos sobre o assunto deixam claro. Ao mesmo tempo, trabalhou com músicos judeus e definiu a Guerra Civil Americana como a única “guerra justa” da história, pois tinha como objetivo acabar com o tormento da escravidão. Da mesma forma, mesmo escritores negros, como W.E.B. Dubois, e judeus, como Theodor Herzl, encontraram na música do compositor uma aliada na luta contra o preconceito, uma vez que ela seria símbolo da recusa de velhas ideias.
São contradições que Ross não tenta resolver. Seu foco é mostrar como a obra de Wagner foi relida. Tratando do uso que o regime nazista faz de sua música, por exemplo, ele relembra tanto Theodor Adorno, que via em personagens como Alberich ou Kundy caricaturas de judeus; como Thomas Mann, segundo quem toda ideia de nacionalismo germânico por ele alimentada era apenas a “pureza romântica” de um “socialista utópico que mantinha anárquica indiferença pelas estruturas governamentais”, independentemente da aproximação entre sua família e Hitler.
Hans Rudolf Vagen, que foi professor das universidades de Columbia e Princeton, escreve que Wagner, carreirista notório, fez de sua obra vaga o suficiente para garantir a ela aceitação universal. Isso talvez explique por que sua música serviu de inspiração tanto para bolcheviques quanto para os nazistas, alimentando pensadores e artistas de esquerda e de direita. Ainda assim, e por isso mesmo, mostra Ross, não há maneira de colocar um ponto final nessa história, cuja essência está no fato de manter-se constantemente em movimento. E ele relembra o caso de Apocalipse Now. Ao acompanhar da música da Cavalgada das Valquírias o ataque de helicópteros, uma das mais emblemáticas cenas do filme, Coppola pretendia evidenciar o absurdo e a violência da guerra. Uma mensagem que, como mostram os aviões de combate americanos ainda hoje batizados como Valquíria, não foi exatamente compreendida.
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