Músico, compositor, pai de músico, escritor e apresentador de rádio, Mauricio Pereira se apresentou ao público em 1988 com a banda Os Mulheres Negras, ao lado de André Abujamra. Em sua carreira solo, lançou álbuns de rock e se tornou um trovador do cotidiano.
No audiovisual, Pereira contribuiu para trilhas sonoras de programas, incluindo a trilha da feiticeira Morgana e a música do monstro Mau no Castelo Rá-Tim-Bum. Participou da banda do programa Fanzine, de Marcelo Rubens Paiva, e na dublagem deu voz a personagens de desenhos infantis da Discovery Kids.
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Sempre explorando novos territórios, Maurício Pereira lançou o livro Minha Cabeça Trovoa (Miraveja, 2023), com letras e histórias de suas criações. Neste ano, estreou a segunda temporada do programa Música Falada na Rádio Eldorado (emissora do Grupo Estado), onde explora o que as canções e acordes podem proporcionar.
Na música, ele não se prende a um formato. Atualmente, Mauricio tem cinco shows ativos em seu portfólio: O Micro, só com a guitarra de Tonho Penhasco; Micro Deluxe, com mais sopros; Mergulhar na Surpresa, com o pianista Daniel Szafran; uma formação em trio com bateria, misturando seu repertório com covers; e sua parceria com o Turbilhão de Ritmos, com quem faz bailes de carnaval.
Seu último disco de inéditas foi Outono no Sudeste, de 2018. Depois, lançou Micro, com releituras mais cruas de suas canções, no fim da pandemia. Agora, Maurício começa a reunir letras escritas nos últimos quatro anos para gravar o próximo trabalho, ainda sem título. O novo disco deve trazer cada música gravada de uma forma diferente, algumas mais intimistas e outras com uma banda totalmente eletrificada. “Quero ver o que cada música vai pedir”, explica o compositor, ou “cantautor”, como gosta de ser chamado.
Além de discos, músicas e livros, Maurício também fez filhos. Dois deles seguiram os passos do pai e se tornaram músicos. Tim Bernardes e seu irmão, Chico Bernardes, se provaram compositores do nível do pai.
Pereira conversou com o Estadão sobre o material que levará aos estúdios neste segundo semestre.
Seu último disco de inéditas é de 2018, o ‘Outono no Sudeste’. Como foram esses quatro anos para as suas composições? E, principalmente, como foi a pandemia nesse processo?
A gente pode imaginar que o Outono no Sudeste tem canções feitas até quatro anos antes dele, 2014. Quando a pandemia chegou eu estava na estrada, não tinha um trabalho novo escrito, não estava preparado para fazer disco. Essas canções novas foram escritas na pandemia. Então, no texto, acho que elas têm um pouco desse momento tenso, a própria pandemia, o recolhimento, o trabalho parado para muitas pessoas, e, ao mesmo tempo, um cenário político tenso, com muita fake news e ameaças para democracia. Olhando para as canções, vejo que elas refletem essa agitação. De um modo não literal. Acho que o resultado são letras que parecem poesias escritas. Aliás, foi o jeito que as canções nasceram: as letras primeiro. Figuras, livre associação, versos livres, mais abstratos. Poeticamente tem mais eletricidade, mais tensão, no texto.
Estou quebrando a cabeça para musicar isso. Mas, ainda conheço pouco esse trabalho. Tenho as letras, algumas melodias. Preciso cantar, nos ensaios e shows, para entendê-lo melhor. Mas claramente ele é mais agressivo poeticamente. E como estou pensando em ter formações diferentes para cada música, imagino que o sentido de cada letra vai determinar a pegada de cada arranjo.
Em termos de linha, acho que o que unifica é o fato de serem canções de uma mesma época, textos mais descolados da lógica, rebotes da minha psique durante a pandemia, com o país sob um governo que gerou muita tensão no dia-a-dia das pessoas.
Seu maior sucesso comercial é ‘Trovoa’, com mais de 1,8 milhão de plays no Spotify. Quando você está preparando outro disco, você olha para ela procurando uma fórmula, pensando como fazer uma nova ‘Trovoa’?
Muito louco isso… A minha música mais tocada ter 6 minutos, sem refrão, uma letra gigante, um negócio meio épico. Eu não tinha a menor ideia de que essa música ia estourar como estourou. Mistérios do público e da poesia. Não olho para ela pensando em fórmula, até porque ela é a minha música mais fora do formato habitual de canção. Geralmente, quando vou gravar, não penso nos trabalhos anteriores, fico imaginando em como achar o melhor jeito para expressar a fase que estou atravessando, seja na poesia, na música, na psique, na criatividade. Meu trabalho é muito artesanal, e nem sempre um disco é a continuação do anterior. Se você reparar, eu mudo muito de formação a cada disco.
Em quase todos seus discos, você tem algumas músicas que são crônicas. Imagino que nesse também, mas você se considera um cronista?
Componho em várias direções. Mulheres de Bengalas ou Piquenique no Horto são coisas de cronista, com certeza. Mas também tem muita coisa mais lírica, tipo Pra Marte, que é bem romântica. Ou pop com refrão como Pinguim, ou Tudo Por Ti. A Trovoa é uma canção muito do mundo interior, embora tenha um passeio grande pela cidade. Eu não sou exatamente um especialista em nada, mas não posso negar que muito da lírica que escrevo vem dos pequenos fatos, coisas do cotidiano, da rua, da estrada, do momento. Acho que muito do que é sagrado acontece na calçada, distraidamente, microscopicamente. Surpresas malucas bem debaixo do nosso nariz, que nem sempre a gente percebe na correria.
Essa sua atenção às pequenas coisas também se reflete muito no ‘Música Falada’, olhando as nuances das canções. Como é montar a lista de músicas para cada programa?
Fazer o programa Música Falada na Rádio Eldorado tem sido uma super experiência. Estou mais atento para escutar música, fico pescando dicas por todo lado, pensando possibilidades para conversar com o público sobre música. Tenho feito programas temáticos, um pouco para delimitar a busca. Afinal, tem tanta música nesse mundo que eu nem saberia por onde começar uma playlist. E fico tentando pensar, como já faço há muito tempo nos shows, em como levar a emoção e a diversão da música para o público. Outra coisa legal é que estou tendo que ficar esperto para fazer texto, texto para rádio, o que é um exercício novo. Enfim, tudo isso soma, não sei bem como, mas eu sei que soma, para a minha experiência de músico. (Acompanhe o programa, aqui)
Agora que o livro ‘Minha Cabeça Trovoa’ vai ficar desatualizado, pensa em, no futuro, um novo livro?
No livro já tem quatro letras inéditas, vindas dessa safra. Ainda não sei como nós, eu e a editora Mireveja, vamos lidar com isso, com o fato de eu ter novas letras no ar. Pode ser um novo livro, sobre o novo disco, ou outra coisa qualquer. O pessoal da editora gostaria que eu escrevesse mais, independentemente de ser sobre letras ou não.
E você pensa em entrar também na prosa?
No duro, eu nunca tinha pensado em escrever. Mas fazendo os relatos que acompanham cada canção, no livro não posso negar que isso me instigou a escrever alguma prosa. Com certeza essa porta para escrever se abriu. De todo modo, minha vontade agora é fazer esse disco e cair na estrada com ele, coisa que toma tempo e energia.
Por fim, destacaria alguma das canções novas?
Um Facho de Luz Cobre. Que já tem música, feita pelo Chico Bernardes, meu filho.
Um Facho de Luz Cobre
- um facho de luz cobre
- madona contra fundo branco
- madona branca com um manto preto contra o fundo branco
- sua posição levemente à direita da tela
- torna tudo mais dramático
- (ilusão de ótica)
- tem um tom
- um facho de luz cobre prende
- para
- pende
- para
- tudo o que há em volta
- o dom de contar história, sabe?
- a vida que ela carrega
- cobre
- em tudo o que há em volta
- tudo o que há em volta
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