O violoncelista brasileiro Antonio Meneses, um dos mais importantes artistas de sua geração, com carreira que o levou aos principais palcos do mundo, morreu neste sábado, 3, em Basel, na Suíça, aos 66 anos. Ele estava afastado dos palcos desde junho, após ser diagnosticado com gliobastoma multiforme, um tipo agressivo de tumor cerebral, e recebia cuidados paliativos.
Meneses mudou-se ainda cedo para a Europa, onde estudou com Antonio Janigro e venceu as duas competições mais importantes da cena clássica, o Concurso de Munique e o Concurso Tchaikovsky. Em seguida, gravou com Herbert von Karajan e a Filarmônica de Nova York, dando início a uma carreira que fez dele referência em seu instrumento.
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O músico deixa uma série de gravações, que refletem a multiplicidade de seu talento – além de atuar como solista à frente de grandes orquestras, fez da música de câmara sua especialidade, tocando e gravando com artistas como Maria João Pires e Menahem Pressler. Foi também grande defensor da música brasileira, inclusive encomendando obras que ampliaram o repertório do instrumento.
Nasceu no Recife, em 1957, mas ainda na infância mudou-se para o Rio de Janeiro com a família. O pai, João Gerônimo, era trompetista e, no Rio, passou a integrar a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal e encaminhou os filhos para a música: acreditando que faltavam instrumentistas de cordas nas orquestras do País, deu a João o violino e a Antonio, o violoncelo.
Estudou com Nydia Otero e, aos 12 anos, começou a tocar na orquestra jovem do Municipal e na Orquestra Sinfônica Brasileira. Quando o grupo recebeu como convidado o violoncelista Antonio Janigro, Meneses se apresentou para ele e recebeu do experiente músico a promessa de recebê-lo como aluno na Europa quando ele se formasse na escola. Mas a família resolveu não esperar e, aos 16 anos, ele partiu para a Europa, estabelecendo-se na Alemanha.
Em 1977, Meneses ganhou o Concurso de Munique. E, em 1982, foi o primeiro colocado no Concurso Tchaikovsky de Moscou. Mais tarde, ele saberia de um dos jurados que a decisão de dar a um prêmio a um brasileiro foi antes levada ao governo soviético – e só anunciada após a confirmação de que não havia disputas diplomáticas entre o Brasil e a União Soviética.
As vitórias deram a ele enorme visibilidade. Com Herbert von Karajan e a Filarmônica de Berlim, gravou dois discos, um com Don Quixote, de Strauss, e outro com o Concerto duplo de Brahms, tendo ao seu lado outro nome que então despontava no cenário internacional, a violinista Anne-Sophie Mutter. Em seguida, partiu em turnê pelos Estados Unidos com a Orquestra Sinfônica de Londres e Claudio Abbado.
Ele se lembrava com bom humor da audição feita para o maestro italiano. “Eu estava sozinho no palco e ele, sentado na plateia escura, lá no fundo. Eu conseguia perceber que ele tinha alguém do seu lado, com quem conversava. Depois fiquei sabendo que era o Carlos Kleiber. Ainda bem que não soube antes, imagina o nervosismo que seria saber que estava tocando para ele também!”
Enquanto seguiu atuando como solista com grandes orquestras e maestros – em 2022, fez turnê com a Orquestra do Maggio Musicale de Florença e o maestro Zubin Mehta –, Meneses foi direcionando sua carreira para a música de câmara. Ele integrou o Trio Beaux-Arts, uma das mais importantes formações da segunda metade do século 20 e começo do século 21, ao lado do pianista Menahem Pressler e do violinista Daniel Hope. Ao mesmo tempo, formou duos com artistas como as pianistas Cristina Ortiz, Maria João Pires, Celina Szrvinsk, com o próprio Pressler e, mais recentemente, com o pianista Cristian Budu. Com o violoncelista Claudio Cruz e o pianista Ricardo Castro, gravou os trios de Villa-Lobos; com o pianista e compositor André Mehmari, gravou o disco AM&AM, em que celebrava seus 60.
Claudio Cruz foi um dos principais parceiros e amigos de Meneses. Os dois gravaram juntos, com a Orquestra Jovem do Estado e a Northern Sinfonia, da Inglaterra, concertos de Shostakovich, Dvorák, Elgar e Schumann, entre outros autores. Importante parceiro foi também o maestro Isaac Karabtchevsky, com quem Meneses registrou recentemente a obra para violoncelo e orquestra de Villa-Lobos, com a Osesp. O violoncelista também desenvolveu parceria e amizade com a cravista Rosana Lanzelotte e o flautista Ricardo Kanji, com quem deixou registros preciosos de música dos períodos barroco e clássico.
A música brasileira teve enorme importância em sua trajetória. Ele não apenas se dedicou ao registro das principais obras do repertório nacional, como encomendou peças que ampliaram o número de obras disponíveis para o instrumento. Em 2007, quando apresentou as seis suítes de Bach no antigo Teatro Cultura Artística, ele convidou os compositores Ronaldo Miranda, Clóvis Pereira, Marlos Nobre, Edino Krieger, Marisa Rezende e Marcos Padilha para escrever peças solo inspiradas nas de Bach (as obras seriam gravadas em 2009, no disco Suítes Brasileiras). Também encomendou concertos para violoncelo a Marlos Nobre (estreado pela Osesp) e Mehmari (estreado pela Filarmônica de Minas Gerais)
Meneses gravou três vezes as suítes de Bach: o primeiro registro, do início dos anos 1990, foi lançado apenas no Japão e logo se tornou ítem de colecionador; no início dos anos 2000, lançou as peças novamente, agora pelo selo Avie Records, com lançamento no Brasil pelo selo Clássicos, da Revista CONCERTO; e, no ano passado, o terceiro registro, para o selo Azul Music.
“A questão para o músico é sempre encontrar a técnica com a qual vai se transmitir a expressão. E isso leva muito tempo. É comum ver músicos com grandes ideias mas incapazes de realiza-las por completo. É preciso passar por um processo mental e musical até chegar ao ponto em que se consegue traduzir as ideias, usar a ferramenta certa para expressá-las. Isso leva muito tempo, muito. E só o estudo, o trabalho que traz isso”, disse no livro Arquitetura da Emoção, biografia publicada em 2011.
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