A morte trágica do cantor sertanejo Cristiano Araújo, de 29 anos, na madrugada da última quarta-feira trouxe à tona a velha discussão sobre o que é música boa ou ruim, o que é música popular e o quanto o artista era conhecido pela população brasileira para que o acidente ocorrido na BR-153, em Goiás, tivesse ganhado tanto espaço nos noticiários e redes sociais. Talvez você, leitor, nunca tenha ouvido falar do rapaz goiano que aos 10 anos de idade já cantava profissionalmente, nem saiba que ele arrastava multidões em seus shows por todos (sim, todos) os estados do Brasil. Talvez você nunca tenha ouvido 'Bara-Berê' ou ainda 'Maus Bocados' e sequer poderia imaginar que 'Hoje eu Tô Terrível', última música de trabalho do cantor, esteja entre as mais tocadas nas rádios. E isso não é um problema, tampouco sinônimo de preconceito ou descaso. Somos habitantes de um País com mais de 200 milhões de pessoas e uma diversidade musical absurda que vai muito além da MPB ou do samba.
Em uma época em que aplicativos e programas nos permitem escolher qual música ouvir ou comprar, em que as rádios estão cada vez mais segmentadas e há bares e casas noturnas para todos os gostos musicais, é natural não nos aventurarmos por outros gêneros e nos aprofundarmos no que de fato gostamos. E não há nada de mal nisso. Mas quando você liga a televisão, abre um portal de notícias na internet ou para no semáforo com a janela do seu carro aberta, é o sertanejo - universitário ou não - que você ouve. Gostando ou não. Reconhecendo a voz do intérprete ou não. A força da música sertaneja ficou, mais uma vez, evidenciada nas imagens do velório e enterro do cantor sertanejo, que foi homenageado por cerca de 60 mil pessoas. "E olha só, que despautério, ele não era um ídolo da MPB ou um astro do rock e ainda por cima nasceu em Goiás", esbravejam alguns. Não acho estranho que os astros da música brasileira de hoje sejam a evolução das duplas caipiras, ou sertanejos universitários, se até os anos 1950 mais de 60% da população vivia no campo. Assim como boa parte da população, a música sertaneja saiu do interior, trocou as botas e os chapéus de palha pelos tênis e ocupou as cidades aos poucos. Para se ter uma ideia, trinta anos atrás o maior espaço que estes artistas tinham era na programação da madrugada das rádios AM. Os shows eram em circos e o público, modesto. Nomes como Tonico & Tinoco e Chitãozinho e Xororó (para citar só dois de gerações diferentes) ajudaram na popularização do estilo com vozes afinadas e letras simples que retratavam o amor e o dia a dia. Hoje, os artistas sertanejos são os que mais vendem shows e discos no país. Só para este ano, por exemplo, Cristiano Araújo já tinha vendido 280 apresentações - média de 23 por mês. Em casas de espetáculos como o Citibank Hall, são nomes como Zezé di Camargo & Luciano, Luan Santana, Marcos & Belutti e Leonardo que esgotam ingressos. Aliás, é comum os cantores ou duplas sertanejas fazerem shows para 10, 20, 30, 40 mil ou mais pessoas. As casas noturnas que mais atraem público são (adivinha) as dedicadas à música sertaneja. Dou quatro exemplos só na capital paulista: Villa Country, Wood's, Villa Mix e Brook's. A primeira da lista tem capacidade para 8 mil pessoas e facilmente chega nesse número. Ser popular não é demérito, tampouco sinônimo de pouca ou nenhuma qualidade. Música boa é que nos faz ter vontade de ouvir de novo e de novo e de novo. Pode ser sertanejo, axé, MPB, Funk, samba, jazz, rock, pop ou qualquer outra. A morte de Cristiano Araújo só mostrou o que muita gente estava insistindo em não ver: que o sertanejo é a música popular do Brasil. Nenhum jornal, rádio, TV ou internet daria tanto destaque a um assunto se não fosse interesse público. E se você não sabia quem era Cristiano Araújo, agora já sabe. Cristiane Bomfim é jornalista e responsável pelo blog Música Popular Sertaneja. Trabalha como assessora de imprensa de Rappin Hood, Djavu, Mika e Renata Fausti. Já trabalhou também com nomes como Rionegro & Solimões e Cezar & Paulinho.
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