RIO DE JANEIRO - Em show emocionado para um Vivo Rio lotado, sábado, 31, Nana Caymmi anunciou sua aposentadoria. "Já dei o que tinha que dar. Estou me aposentando aos poucos. Tenho 50 anos de disco e ganhei um de ouro. Então eu quero que o mundo se exploda. Hoje a música é outra, é bunda, é aeróbica", disse a cantora, que fez 70 anos em 2011.
Já em 2008 ela havia afirmado em entrevistas que pararia. Foi o ano em que perdeu o pai, Dorival, e a mãe, Stella, num intervalo de doze dias. Muito ligada aos dois, ficou deprimida. De lá para cá, estimulada pela família e por admiradores, lançou o CD Sem Poupar Coração, emplacou a música-título na novela Insensato Coração, de seu fã Gilberto Braga, e fez shows pelo País.
Sábado, voltou ao assunto. "Estou encerrando essa fase da minha vida. Tenho que ter paz. Vou fazer o mesmo que a Rita (Lee). As pessoas dizem: 'Mas você tem 70 anos e essa voz toda!' Ah, vai se ferrar, não tenho mais estrutura para ouvir baboseira de imprensa. Fazia cinco anos que não cantava no Rio. Não estou mais na idade de cantar de graça."
O público carioca parecia saudoso: os quase 2.500 ingressos postos à venda se esgotaram com antecedência. Quase nada se destinou a convidados - apenas os Caymmis e os amigos mais íntimos foram contemplados.
Findo o show, o irmão Danilo descartou a aposentadoria. "É cascata! Temos vários compromissos marcados, eu, Danilo e Dori, shows no Sul, na Argentina. É um pouco essa questão do luto dela. O público não deixa a Nana parar. A gente nasceu para o palco mesmo".
Ela própria fez piada da decisão: "Eu não tive sossego essa semana, os amigos querendo mesa boa. No dia em que eu tiver mesa boa a uma semana do show, me aposento mesmo. Não sou dona desse buraco".
"Refúgio" - Com a língua bem solta, como de costume, Nana divertiu o público com palavrões ("vim cantar para mim, vocês é que se f."), tiradas debochadas ("paga, que eu faço mais show") e autoelogios ("agora eu vou arrasar").
A todo momento, dizia estar animada com a perspectiva de seguir hoje para Pequiri, cidadezinha mineira onde nasceu sua mãe, e na qual mantém a casa para onde pretende se mudar de vez. "É meu refúgio. Segunda-feira estou indo, eu e João Gilberto. O meu filho, não aquela bosta (os dois são homônimos)".
Acompanhada do piano amigo de Cristóvão Bastos (e de violão, baixo e bateria), fez seu repertório clássico: Caymmi (Dora, Só Louco, João Valentão...), Dolores Duran (Por Causa de Você, Castigo), boleros (Se Queres Saber, Solamente Una Vez) e suas canções referenciais (Último Desejo, Não Se Esqueça de Mim, Sem Você, Resposta ao Tempo). Ao chegar às preferidas da mãe, cantora de rádio, chorou.
"Eu fico feliz quando canto essas desgraças! Canto a nata da nata da nata, pareço uma vaca. Não tenho que provar nada, sou filha dele mesmo. Gostar de Nana Caymmi é barra pesada."
Lançada em família 12 anos, a sobrinha de voz também grave Alice Caymmi, hoje com 21 anos, cantora e compositora, foi chamada a abrir e fechar com a tia. Diamante Rubi, de sua autoria, e Nem Eu, de Caymmi, foram o bis. Nana terminou com Suíte do Pescador. Em toda a noite, foi a primeira em que se levantou de seu banquinho. Locomovendo-se com dificuldade, precisou se apoiar em um assistente para chegar à frente do palco.
Primogênita do compositor baiano, Dinair Tostes Caymmi completou 50 anos de carreira em 2011. Ela começou cantando com o pai. Casou-se, morou em Caracas, voltou para seguir a carreira e virou estrela em 66, com Saveiros, de Dori e Nelson Motta, no I Festival da Canção da TV Globo. O timbre único e a dramaticidade do repertório a distinguiram como uma das grandes intérpretes brasileiras. Resposta Ao Tempo, CD de 1998, foi o ganhador do disco de ouro ao qual se referiu no show.
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