PUBLICIDADE

Nelson Motta compila em livro as 101 canções que fizeram parte da história do Brasil

Lista de músicas inclui Titãs, Roberto Carlos e Gilberto Gil

PUBLICIDADE

Foto do author Julio Maria

O jornalista e produtor Nelson Motta acaba de lançar um livro de feitura ingrata. 101 Canções que Tocaram o Brasil é isso o que o texto diz: uma lista comentada sobre músicas que tiveram impacto não só de vendagens ou de popularidade, mas que serviram como trilha sonora de um tempo. As 101 músicas escolhidas por Motta não são apenas fruto de memória afetiva. Elas foram submetidas também a uma pesquisa para que o autor não cometesse uma injustiça mais gritante (já que listas serão sempre frutos de injustiças).

PUBLICIDADE

Quem convidou Motta a encarar o desafio foi o produtor Peninha. “Ele me convenceu de que seria moleza, mas acabou se tornando o livro mais difícil que eu fiz na vida”, diz Motta. “Melhor do que usar no título termos como ‘pérolas da música brasileira’, algo que soava muito pretensioso, preferi falar das canções que mexeram com o País, sem eleger as melhores.”  A viagem começa com Chiquinha Gonzaga, em 1899, com a criação de Ó Abre Alas. “Para que esses feitos e tantos outros pudessem acontecer, Francisca Edwiges Gonzaga (1874-1935) teve que bater de frente com a sociedade conservadora da época. Rompeu com o primeiro marido - e perdeu a guarda dos filhos -, casou, se separou e perdeu a guarda de outro filho. Até que, em 1899, ano em que compôs Ó Abre Alas, sua vida mudou, e ela abriu alas para o amor passar: com 52 anos, passou a viver com um jovem de 16, aprendiz de música, que foi seu amor e seu marido até o fim de sua vida, aos 87 anos, em 1935”, narra o texto.

E, curiosamente, tudo vai terminar em 2003, com a música À Procura da Batida Perfeita, de Marcelo D2 e David Corcos. “A pergunta sem resposta é: por que, com a riqueza rítmica da música brasileira e a tradição do partido alto e dos cantadores nordestinos, demorou tanto a aparecer um rap com base rítmica brasileira?”, reflete Motta no livro. Mas há outra pergunta no ar. Por que a última música foi criada há longínquos 12 anos? Motta responde dizendo aquilo que parece um lugar comum, mas que vai se revelando uma realidade cruel. As boas composições foram desaparecendo com o tempo. “Há uma grande diferença de qualidade quando comparamos as listas das melhores músicas dos anos 90 com a dos anos 70”, diz. “O trabalho vai ficando difícil de ser feito com o passar do tempo.”

Na cobertura de Vinicius de Moraes, no bairro do Jardim Botanico, no Rio, a prosa com o parceiro Tom Jobim, no inicio dos anos 60. Foto: Reprodução

Em ordem cronológica, as músicas evoluem das bases do choro de Chiquinha Gonzaga e do samba seminal Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida; passam pelos anos 30 de Noel Rosa (Feitiço da Vila, Palpite Infeliz) e Ary Barroso (Na Baixa do Sapateiro, Aquarela do Brasil); chega aos 40 de Dorival Caymmi (Dora, Marina) e Luiz Gonzaga (Asa Branca), aos 50 (Eu Sei que Vou te Amar, de Tom e Vinícius, e Desafinado, de Tom e Newton Mendonça), aos 60 (Samba da Bênção, de Baden e Vinícius, e Domingo no Parque, de Gil) e desembarcam no auge dos 70 (Águas de Março, de Tom, e Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Britto).

Mas, afinal, por que os anos 70 são considerados esse teto no qual a música brasileira bate a cabeça para despencar pela escadaria nas décadas seguintes? Alguns defendem que a presença dos militares elevou o poder das figuras de linguagem às alturas, já que Chico, Gil, Caetano e toda a turma tinham de dizer algo certo por palavras tortas.

“Não sei se a música brasileira atinge o teto exatamente nos anos 70, já que tivemos a bossa nova antes disso (entre 1959 e 1965). Mas vejamos: essa geração toda, de Chico, Gil, Caetano, Tom, produziu o melhor da música brasileira trabalhando nas piores condições. A censura prévia era uma bola de ferro presa a seus tornozelos, a pior coisa que poderia acontecer a um artista. E havia uma precariedade tecnológica absoluta. A minha pergunta é: ‘o que, então, estas pessoas teriam criado se elas tivessem as mesmas condições (técnicas e sociais) dos norte-americanos?’”, diz Motta. “Mas não acredito na tese masoquista, dos compositores que teriam produzido melhor no sofrimento. Eles produziriam melhor ainda se contassem com melhores condições.”

Outra questão entre as muitas da conversa com Motta. É notório, mesmo entre os artistas geniais citados no livro, um pico de criação exuberante que raramente dura mais de dez anos. Depois desse momento, os artistas passariam a viver como espécies de plagiadores de si mesmos. Por que nenhum consegue ficar de pé nessa prancha por mais tempo? “Há algumas exceções. Jorge Ben Jor, por exemplo, veio com W/Brasil muito tempo depois de seu auge. Mas esse tempo existe, em geral, durante a juventude. Depois, eles passam a não agradar mais tanto como novidade.”

Publicidade

Motta não deixa de fora suas criações. Quando fala de Como uma Onda, uma delas, feita com Lulu Santos e lançada em 1983, refere-se a si mesmo na terceira pessoa. “Em 1982, Nelson gravava todos os dias o talk show Noites Cariocas...”, começa explicando algo do qual nem precisaria se preocupar em distanciar-se. O autor, de fato, é testemunha ocular de boa parte dessa história.ALGUMAS CANÇÕESAquele Abraço (Gil, 1969) “Uma das mais tocadas nas rádios brasileiras e num dos discos mais vendidos do ano, num sucesso de dimensões até então inéditas na carreira de Gil...”

Como Nossos Pais (Belchior, 1976) “Blues, folk, Dylan, Beatles, cordel, poesia concreta, canções de grande apelo pop e interpretações vigorosas...”

Emoções (Roberto Carlos, 1981) “A grande inspiração para a música foi a gravação de Frank Sinatra de New York, New York, lançada em 1980”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.