Ney Matogrosso não é afeito a homenagens. Seu estilo recatado – e não tímido, como ele já frisou – fora dos palcos lhe confere essa aura low-profile. No palco, ele é o artista Ney Matogrosso, de voz poderosa e que ganha o tamanho de um gigante. Longe da ribalta, prefere voltar a ser Ney de Souza Pereira, de corpo magro e fala mansa, ponderada.
Desta vez, no entanto, Ney não conseguiu recusar a proposta de José Maurício Machline, idealizador e diretor-geral do Prêmio da Música Brasileira. E, em sua 28.ª edição, que será realizada nesta quarta-feira, 19, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com transmissão ao vivo no Canal Brasil, às 21h, a premiação terá Ney Matogrosso como o grande homenageado da noite. “Nunca tive uma homenagem assim. Nunca tive muitas homenagens, porque sempre fugi delas. Fico constrangido, mas o Zé disse ‘não quer, mas você vai ter’”, diz Ney, em entrevista ao Estado, por telefone, do Rio.
A cerimônia será conduzida pela atriz Maitê Proença e pela cantora e compositora Zélia Duncan, que também assina o roteiro. Além do tributo a Ney Matogrosso, a premiação terá 79 indicados concorrendo em 35 categorias – e, pela primeira vez, será aberta ao público, com ingressos à venda entre R$ 100 e R$ 300.
Quando conversou com o Estado, por telefone, na última sexta-feira, 14, Ney Matogrosso não sabia os detalhes das homenagens a ele no 28.º Prêmio da Música Brasileira, que será realizado nesta quarta, 19, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. “O que vai ser dito lá será tudo surpresa”, conta o célebre cantor, que tem 44 anos de carreira e está prestes a completar 76 anos de vida, no dia 1.º de agosto. Ney sabe quem estará na linha de frente desse tributo que revisitará seu repertório: Chico Buarque, Ivete Sangalo, Alice Caymmi, Laila Garin, Lenine, Pedro Luís, Karol Conka e BaianaSystem.
Chico cantará As Vitrines; Ivete, Sangue Latino; Alice e Laila, Bomba H; Lenine, Bicho de Sete Cabeças II; Pedro Luís, O Mundo; Karol Conka, Homem com H; e BaianaSystem, Inclassificáveis. “Bethânia vai falar um texto de abertura”, ressalta ele. “O Zé (Maurício Machline) que está organizando tudo, sei minimamente do que está acontecendo, mas vou saber mesmo de tudo na hora que eu sentar lá e assistir.”
Mas Ney, claro, não estará só na plateia. Ele apresentará cinco números marcantes de sua trajetória, incluindo a inesquecível Rosa de Hiroshima (Vinicius de Moraes e Gerson Conrad), a afetiva Pro Dia Nascer Feliz (Cazuza e Frejat) e a tocante Melodia Sentimental (Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcellos), que terá o acompanhamento do Trio Madeira Brasil.
Homenagens, invariavelmente, fazem o próprio homenageado olhar em retrospectiva sua trajetória. E, ao mirar esse retrovisor, como Ney enxerga esses 44 anos de carreira? “Acho que fui coerente. Desde que a música se apresentou na minha vida, ela ocupou o primeiro lugar no meu interesse, e eu me dediquei exclusivamente a ela. Durante muitos anos, exclusivamente. Agora que estou abrindo para o cinema”, avalia o cantor.
É que, antes de ingressar no grupo Secos & Molhados, nos anos 1970, e iniciar sua trajetória na música, Ney Matogrosso queria ser ator, fazer teatro. Pelo menos conscientemente. Mas, ao responder à pergunta feita pelo músico João Bosco a convite do Estado – leia aqui esta e outras questões elaboradas por artistas amigos a Ney –, o cantor faz uma constatação interessante: quando criança, ele gostava de cantar num parque de diversões no bairro carioca de Padre Miguel, onde o artista – nascido em Bela Vista, Mato Grosso do Sul – foi criado; ou seja, ele já pensava em ser cantor na infância, mas aquela informação ficou esquecida em suas memórias por tempos.
Nos últimos anos, Ney foi intensificando sua presença no cinema. Fez Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha, Primeiro Dia de Um Ano Qualquer, Ralé, Não Devore Meu Coração, entre outros. Ele conta que acabou de rodar dois filmes, Sol Alegria, de Tavinho Teixeira, aqui no Brasil, e Caminhos Magnéticos, de Edgar Pêra, em Portugal. “Sol Alegria é uma história de ficção, filme totalmente anárquico que adoro, me lembro um pouco de coisas dos filmes de Pasolini”, descreve o cantor. “O filme português se passa num futuro bastante sombrio da humanidade, e faço um médium, mas que é um subversivo, e minha última aparição no filme é preso numa cela, falo um poema do Almada Negreiros de sete minutos, que se chama A Cena do Ódio, que é um poema maravilhoso.”
Para Ney conseguir transitar entre a música e a atuação, o cinema acaba sendo um aliado. “No cinema, é mais fácil, porque dura menos. O teatro, não, porque o teatro solicita tanto quanto a música. O cinema, não: eu vou, faço no máximo um mês e está tudo resolvido.” Na área musical, aliás, o cantor está há 4 anos com a turnê Atento aos Sinais, mas já planeja um novo espetáculo. E, por ora, não tem um novo disco à vista.
Espetáculo
Ney Matogrosso também receberá outra espécie de homenagem no Puro Ney, espetáculo multimídia inspirado em sua trajetória musical, que vai estrear no dia 22 de agosto, no Teatro dos Quatro, no Rio. Só que, nesse caso, a participação do cantor se restringirá a projeções de suas imagens gravadas especialmente para o projeto.
Acompanhados de banda, os cantores Soraya Ravenle e Marcos Sacramento mostrarão releituras teatrais de 25 canções significativas do repertório do cantor, divididas em cinco blocos temáticos. “Minha participação é só isso mesmo, nem interferi em nada”, afirma o cantor, sobre o espetáculo.
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