NOVA YORK — Desde 2011, entre uma turnê e outra dos Rolling Stones, Keith Richards andou fazendo uma das coisas que diz gostar muito: “Entrar num estúdio sem ter absolutamente nenhuma ideia de o que é que vai sair do outro lado”. Saiu Crosseyed Heart, o terceiro trabalho solo do guitarrista de 71 anos. Com 15 faixas de rock, blues, country e reggae, o álbum tem lançamento marcado para 18 de setembro em formato de CD e LP. Trouble, a faixa-líder, já pode ser ouvida desde a semana passada em rádios, na internet, ou comprada em lojas de música online. Foi divulgada no dia seguinte ao encerramento da turnê que os Stones fizeram pelos EUA e Canadá nos últimos dois meses, com o show Zip Code.
Richards lançou seu primeiro disco solo gravado em estúdio, Talk Is Cheap, em 1988, num período de picuinhas com Mick Jagger sobre o caminho que os Stones deveriam seguir. O segundo, Main Offender, saiu em 1992. Levou mais 23 anos para aparecer com este terceiro.
Ele apresentou Crosseyed Heart em audição no começo da noite desta terça-feira, 21, no Electric Lady Studios, um antigo nightclub do West Village novaiorquino que Jimmy Hendrix transformou em estúdio de gravação em 1968. Convidadas pela gravadora americana Republic Records, cerca de cem pessoas ouviram o álbum pela primeira vez e, pelos aplausos e comentários ouvidos em meio à execução das faixas, Richards teve motivos para ficar de riso solto.
Por determinação da gravadora, não foi permitido entrevistá-lo ou fotografá-lo (paletozinho com estampa de couro de cobra, camiseta cor de vinho, jeans e tênis azuis,bandana de tricô nas cores da bandeira da Jamaica). Para evitar vazamento de gravações feitas com celular, todo mundo (menos funcionários do estúdio e da gravadora) teve que deixar seus aparelhos na entrada. Para divulgação, apenas foto da capa e a lista das músicas do disco.
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Pelas 15 faixas de Crosseyed Heart, os dedos curtos de Richards, deformados pela artrose que ele diz não incomodá-lo, tocam nove instrumentos, entre eles um piano elétrico Wurlitzer, que é peça de colecionador, um antigo órgão elétrico Farfisa, sítara elétrica e ainda um tiple, violão colombiano de 12 cordas. A maioria das músicas foi composta por Richards e o baterista Steve Jordan, que produziram o disco juntos.
O blues da faixa-título, só voz e violão acústico, abre o caldeirão da influência vinda de Muddy Waters, alimentada pela de pioneiros do rock como Chuck Berry e Robert Johnson, que Richards multiplica nas outras 14 músicas. Depois vêm Heartstopper, Amnesia — última gravação de que o saxofonista Bobby Keys (1943-2014) participou —, Robbed Blind e Trouble (o refrão "maybe trouble is your middle name / the trouble is that that's your game” lembra problemas do roqueiro septuagenário que já se definiu como um alquimista usando o corpo como laboratório de drogas).
Com letras sobre amor, amor perdido e vida pelas margens, a lista segue com Love Overdue (um reggae de baile jamaicano), Nothing on Me, Suspicious, Blues in the Morning (também com participação de Bobby Keys), Something for Nothing (em que Richards faz a guitarra chorar mesmo) e Illusion (composta e interpretada em parceria com Norah Jones). Na 12ª faixa, a balada Just a Gift, a voz de Richards se inclina para as profundezas da de Leonard Cohen; na próxima, a country Goodnight Irene, ela sai anasalada como a de Bob Dylan.
Do country, Richards desliza para um quase rap em Substantial Damage e acaba apaixonadão em Lover’s Plea (“for you I walk an extra mile”. Crosseyed Heart é para dançar muito. Soltinho ou juntinho.
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