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O jazz tem nova dama: Nnenna Freelon

Com seu mais recente CD, que chega às importadoras, SoulCall, a cantora americana passa a fazer parte do time das grandes vozes femininas do jazz

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Por Agencia Estado
Atualização:

Quando, em 1998, Nnena Freelon lançou seu disco conceitual, Maiden Voyage, deixava entrever que estava no caminho certo para se tornar uma grande cantora de jazz. Afinal, naquelas faixas em que cantava músicas de compositoras que iam de Nina Simone a Buffy Saint-Marie, de Laura Nyro a Betty Comden, revelava uma versatilidade que transitava à vontade do funk ao rhythm and blues, do blues ao soul-pop. E mais: era também uma produtora (ou melhor, co-produtora) que sabia o que queria e para onde ia, da escolha das faixas à seleção de músicos. As duas coisas acontecem, melhoradas, em Soul Call, o último CD gravado por Nneena, no selo Concord Jazz, que chega às importadoras. Com ele, a cantora parece estar assumindo um lugar para preencher o vazio deixado pelas grandes vozes femininas do jazz que morreram ou estão se aposentando. Diz ela que assumiu a produção total do disco, que escolheu as músicas "porque elas falavam ao seu coração", a partir do spiritual Amazing Grace, que ela canta duas vezes. A primeira, em duo com o piano de Takana Miyamoto, é de boa cepa. E a segunda, que fecha o CD, com um trio de piano, baixo e bateria, é mais suingada e tem um clima de blues, com um resultado notável. Foi, como ela conta, uma das primeiras músicas que cantou em público, ainda menina: "Gravei duas versões diferentes para expressar meu amor e minha relação de vida inteira com essa canção". Uma das faixas top do disco é Straighten Up and Fly Right, um velho sucesso de Nat King Cole, que ela canta a capella acompanhada pelo grupo vocal Take 6. Só essa canção já tornaria o CD especial. É curiosa a versão de I Say a Little Prayer, de Burt Bacharach e Hal David, da mesma forma que o standard Paper Moon, de Harold Arlen e E. Harburg. Em ambos, vê-se o que Nnena Freelon faz com músicas que foram muito gravadas e pareciam exploradas à exaustão. Versátil e dançante - If It´s Magic, de Stevie Wonder, traz a cantora num dueto com um de seus músicos favoritos, o guitarrista Joe Beck. É uma faixa contagiantemente dançante, da mesma forma que Better than Anything, que abre o disco, num clima africano. Para marcar mais sua presença, ela resolveu acrescentar alguns versos à letra. A cantora fez questão de colocar no encarte "soulcall" como uma palavra inventada composta por um substantivo e um verbo, que seria ambas as coisas. "Soul", no espírito de rhythm and blues, uma coisa que englobaria alma, bossa, espírito, e "call" para se lembrar da infância, quando era "chamada" pelo sentimento e pela emoção para cantar uma música. Ela compôs a música-título, Soulcall, mas essa não é a melhor do CD, até porque o repertório é constituído por canções da pesada. Outra música sua, One Child at a Time, é bonita, com um sax aveludado seguindo a voz densa da artista, mas dificilmente será uma das mais lembradas de 2001. Nnena Freelon é uma cantora tecnicamente completa. Ela se aventura em scats e improvisos e se sai muito bem; talvez seja uma heresia lembrar a arte de Ella nesse setor como comparação, mas o que Nneena faz nesse disco, sobretudo em Straighten Up and Fly Right, seria uma justificativa. Talvez só falte a ela um manager ou algo semelhante, que dê uns toques para ela assumir um estilo mais definido. Nneena canta de tudo, sem embaraços. Lembrem-se de que Dionne Warwick, para citar apenas um caso, fazia o mesmo e deu no que deu, chegando a "estrela" do show televisivo de Walter Mercado. Da mesma forma com seu visual. Ela já foi mostrada como uma Diana Ross, como um clone de Whitney Houston. Nas ilustrações do encarte de Soulcall, à certa altura ela mostra um visual à Grace Jones. Em outras fotos mostra um lado mais Supremes. Não é todo dia que se acha uma nova Sarah Vaughan. Foi o que deve ter pensado Ellis Marsalis, o pai pianista de Wynton, quando ouviu aquela voz cheia e quente, que vinha da boca de uma bela mulher numa jam session em Atlanta, no ano de 1990. Era o Forum de Jazz da federação de Artes do Sul. Ela cantava de forma semi-amadora, em bares, eventos e festas. Nascida em Cambridge, no estado americano de Massachusetts, ela criou três filhos e trabalhava como funcionária administrativa num hospital em Durham, na Carolina do Norte, antes de começar para valer a carreira vocal. Como acontece para dez entre dez cantoras americanas, começou cantando na igreja, no caso a batista, de sua cidade natal. Era fã de Sarah Vaughan e de Ella Fitzgerald, além de grupos vocais como as Chi-Lites e as Spinners. Nnena Freelon impressionou tanto Ellis Marsalis que este a levou para a gravadora Columbia, com uma fita demo. Da Columbia à Concord - Aí puseram a estreante diante de um conjunto de muitas cordas e poucos sopros e o resultado quase acabou com sua carreira de cantora. Nnena Freelon, de 1992, conseguiu apenas que a chamassem de imitadora de Sarah Vaughan. Outros dois discos, um deles o interessante Listen, de 1996, e ela já estava mudando para o selo Concord, em 1996, quando pôde fazer um trabalho menos ligado a standards e exigências de mercado. Passou a ser a atração que abria shows das turnês de astros como Ray Charles e Al Jarreau. Ela conseguiu emplacar uma indicação ao Grammy e recebeu o prêmio Billie Holiday da Académie du Jazz francesa. Em 1998, com Maiden Voyage, ela conseguiu se impor como intérprete original, anunciando a promessa que iria se cumprir com o disco deste ano, Soulcall. De quebra, continuou sua carreira de compositora, nada excepcional até agora, mas também nada desprezível. Só o fato de nunca deixar de colocar nos seus discos música que compôs mostra como leva a sério esse aspecto do seu trabalho artístico. Uma cantora versátil, de muitos recursos e boa de palco, com empatia imediata com o público, ela esteve no Brasil em junho, um dos cartazes do Montreux Jazz Festival, apresentando-se no Bourbon Street e na Praça da Paz do Parque do Ibirapuera. Certamente, um "buildup" de Nnena Freelon como estrela já está a caminho. Basta ver que ela está na trilha sonora de What Women Want, o novo filme protagonizado pelo astro Mel Gibson.

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