Para Claudio Santoro, o começo de tudo foi o violino. “Ganhou no dia 23 de novembro de 1929, dia de seu aniversário, um violino com o método, teoria e solfejo de seu tio Attilio e começou a estudar no dia 1º de dezembro de 1929 com a sua tia Iracema Franco de Sá. Vendo seu tio Attilio que ele tinha muita vocação, chamou um professor de violino, Sr. Telmo, para vê-lo tocar e este ficou entusiasmado dizendo que o Claudio tinha toda a vocação.”
O relato faz parte de um pequeno e delicado memorial escrito à mão pela mãe do compositor, em papel já quase desfeito pelo tempo, descrevendo sua primeira infância. Em 1929, Santoro estava com dez anos. E não demoraria para o menino nascido em Manaus partir em viagens pela região norte, apresentando-se e chamando atenção da plateia e dos críticos.
Um deles, em 1931, após o primeiro recital público feito pelo pequeno violinista, na Leitaria Amazonas, sentenciou: “Claudio Santoro, ouvi-me bem estas palavras de augúrio profético, há de ser a mais fulgurante glória do Amazonas”.
Com o tempo, a carreira de compositor tornou-se mais importante do que a atuação como violinista. Mas a relação com o instrumento ficou registrada em diversas peças escritas ao longo da carreira. E agora gravadas pelo filho do compositor, o pianista Alessandro Santoro, e o violinista Emmanuele Baldini, no disco Obra Completa para Violino e Piano, que pode ser baixado de graça no site do Selo Sesc.
Abre o álbum a Sicilienne, escrita quanto Claudio tinha apenas 17 anos de idade. “Ela tem uma influência francesa, e é típica de um compositor violinista, de um músico que escrevia peças para apresentar em suas turnês”, diz Alessandro.
A obra estava inédita. E não era a única. O filho do compositor conta que, antes da gravação, feita em 2019, vasculhou os arquivos e esboços do pai para montar junto com Baldini o repertório do disco. E as surpresas foram muitas. Entre elas, uma sonata inédita.
“Aprendi com a música antiga a importância de buscar sempre o maior número de fontes na hora de trabalhar uma interpretação. Como gravaríamos a Sonata nº 1, fui procurar o manuscrito. E, na pasta onde ele estava guardado, encontrei outra partitura à mão. Imaginei que fosse uma cópia feita pelo meu pai da mesmo peça, mas, quando olhei com calma, vi que não. Era uma outra sonata, apenas com os dois primeiros movimentos, que estava inédita”, conta.
A sonata não fazia parte do catálogo oficial do compositor, o que não é incomum. “Meu pai, em alguns momentos, revia suas obras e chegava à conclusão de que não mereciam estar publicadas. Então não incluía no catálogo. Ainda bem que minha mãe pelo menos não o deixava jogar fora as partituras.”
Fases. Depois do início de carreira em Manaus, Santoro mudou-se para o Rio de Janeiro, onde tocou em orquestras e começou a trabalhar intensamente como compositor. Ele viveu também na Europa: na França, onde estudou, e na Alemanha, para onde seguiu durante a ditadura – ele era filiado ao Partido Comunista, pelo que foi perseguido, além de ter perdido bolsas para o exterior, como a oferecida pela Fundação Guggenheim, nos EUA (bastava que ele renunciasse à filiação para a bolsa ser mantida, mas ele se recusou). Sua obra passou por diferentes fases e caminhos. O início estava muito ligado ao dodecafonismo; mais tarde, embarcou na corrente nacionalista e, em seguida, trabalhou com a música eletroacústica e a música aleatória. Sempre com uma sonoridade bastante pessoal.
“As obras do disco de certa forma demarcam esses períodos e também revelam os momentos de transição na sua carreira. A sonata de 1939, por exemplo, nos oferece a chance de olhar de maneira totalmente diferente para seu início.”
Em 2019, a cena musical brasileira comemorou o centenário do compositor. E Alessandro Santoro acredita que os últimos dois anos foram marcantes no processo de resgate da obra do pai. “Em 2019, claro, tivemos a ópera Alma, muitos concertos, foi um ano especial. O que não podíamos imaginar é que 2020, com todas as limitações da pandemia, também traria várias homenagens.”
Entre elas, esteve o lançamento, também pelo Selo Sesc, do disco Jardim Noturno, em que o pianista Nahim Marun e o barítono Paulo Szot registram canções do compositor, e o registro em CD da obra completa para violoncelo e piano, gravada pelo pianista Ney Fialkow e o violoncelista Hugo Pilger. Também aconteceu no ano passado a estreia do Quarteto nº 5 pelo Quarteto da Cidade de São Paulo.
E há mais pela frente. A mais aguardada é o lançamento das sinfonias de Santoro, que estão sendo gravadas pela Orquestra Filarmônica de Goiás. “Eles já gravaram as de nº 1, 5, 6, 7 e 8, além de obras para orquestras de cordas. Já ouvi o material e ele é lindo. A regência de Neil Thomson se prestou bem à obra de meu pai. Não abre mão da emoção, mas mantém o senso de estrutura. Tocante.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.