Com uma voz grave e uma entonação imponente que lembra Cid Moreira lendo a Bíblia, um locutor anuncia: “Você é uma pessoa única, pois nunca houve uma pessoa exatamente como você em toda a humanidade... A vida é uma experiência única e mágica, que devemos celebrar juntos”. O texto motivacional aparece no meio do show de Alok no palco principal do The Town, neste domingo, 3, segunda noite do festival em São Paulo. Mais do que música, foi um show de fogos e até drones, que formaram a marca do cantor no céu.
O DJ goiano dispara trechos apressados de sucessos do pop-rock (Someone You Loved, de Lewis Capaldi, Another Brick In The Wall, do Pink Floyd) e da eletrônica (Rhythm of the Night, de Corona, Piece Of Your Heart, do Meduza, e até Fuego, do próprio Alok), como se fosse uma festa de formatura de Direito na PUC tocada na velocidade 1,5x.
Uma pausa interessante na pressa é quando entra Zeeba, vocalista de “Hear me now”, maior sucesso de Alok, para cantar pessoalmente. Ele puxa um coro bonito do “ooô” da música. Depois, canta a inédita “Nossos dias”, música deles que vai sair em novembro.
É um esforço notável de Alok para fazer um show mais autoral. É também uma mistura de “MPB good vibes”, da linha Melim e Anavitória, com eletrônica quadrada. Foi uma das duas faixas ainda não lançadas da noite, junto com uma faixa de Alok com Chainsmokers, que não foge muito do estilo fofotrônico.
De volta ao pot-pourri, Alok intercala a apresentação e interações com uma voz que tenta ser imponente como o a do seu locutor, muito mais grave do que a sua fala normal em entrevistas. “Todos nós passamos por momentos difíceis, mas eles chegam para nos fortalecer. Às vezes a gente perde o telhado, mas é para enxergar as estrelas”, ele disse ao público, na mesma linha de autoajuda.
Por falar em grave, Alok despontou na cena eletrônica na década passada como representante do Brazilian Bass (grave brasileiro em tradução livre), uma interessante e pouco definida vertente da dance music, que teoricamente poderia abraçar algum tipo de espírito brasileiro.
O DJ aparece brilhante, assim como o resto do palco. Dá para definir o estilo dele como eletrônica árvore de Natal
O potencial do estilo era enorme - e foi explorado por craques da eletrônica brasileira como a dupla Tropkillaz. Alok, por sua vez, usou seu talento (inegável) para seguir menos para o Brazilian, um pouco para o Bass e com ímpeto mesmo para o espetáculo.
Nenhum preconceito aqui com a música eletrônica, definição tão ampla como cheia dos artistas mais criativos do pop pelo mundo nas últimas décadas. Não é problema de gênero. Até porque artistas de rock, como Coldplay e Maroon 5, seguiram o mesmo caminho menos criativo e mais espetaculoso.
O DJ aparece brilhante, assim como o resto do palco. Se não é Brazilian Bass, dá para definir o estilo atual dele como Eletrônica Árvore de Natal. Ele repete o chamariz para o show do Lollapalooza do ano passado, no mesmo Autódromo de Interlagos. É, supostamente, o recorde de luzes de lasers em um show. Depois, uma coreografia de luzes de celulares do público e o show de drones ao som de “Tá OK”, de Kevin O Chris com Dennis DJ.
O The Town, assim como todos os outros grandes festivais comerciais, tem um setor reforçado de parque de diversões. Há uma roda-gigante, tirolesa e duas montanhas-russas.
O show de lasers, frases motivacionais e hits apressados do Alok é, no fim das contas, o melhor brinquedo desse parque. Com todo o respeito. Até porque todo mundo sabe que boa parte do público vai a um festival como o The Town mais interessado neste tipo de diversão.
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