Da sua casa em Las Vegas, sentado em frente do aparelho de TV, Sergio Dias, o líder e integrante original restante d’Os Mutantes, assistia aterrorizado às ações de Donald Trump. Na tela, as imagens dos 59 mísseis Tomahaw disparados pelos Estados Unidos em direção a uma base militar na Síria, em retalhação a um ataque químico que matou mais de 80 pessoas. “O mundo está em uma encrenca enorme”, diz o músico, por telefone, pouco tempo depois de passar por uma viagem de avião de 17 horas. “Ter 67 anos é diferente de se ter 15, não é?”
Dias não é nenhum novato. Sua história com os Mutantes, aliás, é diretamente ligada ao evento que traz o grupo para terras paulistanas pela única vez no ano. Fundamental para a criação do movimento musical hoje chamado de psicodelia brasileira, a banda Mutantes é a principal atração do 3 Olhos Music Festival, realizado neste sábado, 25, no Tropical Butantã.
De certa forma, as atrações que estão escaladas para a primeira edição do festival têm, em seu embrião, as invencionices que se ouvia desde 1969, quando os irmãos Dias (Sergio e Arnaldo) e Rita Lee soltaram seu primeiro LP. Integram a escalação, com shows a partir das 14h, a banda Bike, cujo segundo disco, Em Busca da Viagem Eterna, é uma viagem espacial por guitarras derretidas, a força cigana do Grand Bazar, o reggae good vibes do Dada Yute e as guitarras enérgicas e os vocais agudos da Cartoon.
Talvez seja a idade, contudo, algo importante para esse choque de Sergio Dias com o mundo ao redor. Alguém como Dias, que surgiu no final da década de 1960, enquanto o Brasil vivia um período de ditadura militar. Sujeito que manteve na ativa com os Mutantes pelos duros anos 1980, mesmo período no qual Estados Unidos e União Soviética se confrontavam às escondidas na Guerra Fria. Sergio Dias viu o mundo mudar uma porção de vezes. E, hoje, não se conforma com aquele senhor de topete amarelo sentado no Salão Oval da Casa Branca.
Das cenas que via na TV, na preocupação crescente com as tensões quentes entre EUA e Coreia do Norte, Dias colocou a cachola para funcionar. Vieram os dois primeiros versos: “Superiority diminished through the plain gaze of an amish / Battlefields of tomahawks flying on tv over the wide screen” (algo como “A superioridade diminuiu através do olhar simples de um amish /Campos de batalha da tomahawks voando na TV de tela grande”).
Dias descreve sua própria descrença em Black and Gray, a nova música d'Os Mutantes, lançada em novembro. “O mundo está vendo isso tudo e não faz nada? Estamos todos de braços cruzados? Acho que então a nossa única saída é pedir ajuda para Melania”, brinca o artista. Melania Trump, mulher do presidente, é citada no refrão da canção como a única salvação da humanidade: “Oh, Melania, salve-me”.
Novidade. Além da nova música, a vinda d’Os Mutantes para o Brasil também marcará a entrada de Carly Bryant, uma cantora britânica de dois discos lançados (caso queira conhecer mais o trabalho dela, ouça a música Bullet, uma balada jazzística). Ela ingressou no grupo há pouco após gravar uma versão de Balada do Louco, cantando em português.
O vídeo chegou ao líder da banda.
O encontro musical deu tão certo que, em 2 de fevereiro, a dupla lança Colour, um álbum criado em parceria. “Aprendi a cantar todo o catálogo dos Mutantes”, conta. “Nossas músicas nasceram de forma muito orgânica. Temos músicas em português, francês, inglês, com influências árabes e um coral japonês. É um disco do mundo”, ela conclui.
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