THE NEW YORK TIMES - Hoje elas são um tesouro de colecionador: as fotografias tiradas pelo próprio Paul McCartney, 60 anos atrás, quando os Beatles varreram a Europa e os Estados Unidos. Imagens de fãs gritando (uma delas com um macaco vivo no colo); uma garota de biquíni amarelo; funcionários do aeroporto tocando air guitar; momentos distraídos, capturados em trens, aviões e automóveis.
Mas McCartney, agora com 81 anos, não gosta de ficar só relembrando o passado, então ele deu entrevista enquanto voltava de seu estúdio de gravação em Sussex, Inglaterra. “Meus amigos americanos chamam essas estradinhas de mão única de ‘cano de revólver’”, disse ele, alertando sua entrevistadora de que o sinal poderia cair a qualquer momento (o que de fato aconteceu).
Foram necessários dois dias para completarmos uma conversa coerente sobre o período em que os Beatles viralizaram, retratado na exposição itinerante Paul McCartney Photographs 1963-1964: Eyes of the Storm, que apresenta 250 de suas fotos. Atualmente, a mostra está no Chrysler Museum of Art em Norfolk, Virgínia, e fica no Brooklyn Museum em Nova York de 3 de maio a 18 de agosto. (Não se surpreenda se o artista aparecer na noite de abertura).
Foi a arquivista de McCartney, Sarah Brown, quem encontrou na biblioteca do artista mais de mil fotografias que o músico tirou ao longo de 12 semanas – de 7 de dezembro de 1963 a 21 de fevereiro de 1964.
“Achei que tinha perdido as fotos”, disse McCartney. “Nos anos 60 era muito fácil. Muitas vezes as portas ficavam abertas. Convidávamos os fãs para entrar”. Nem mesmo o estúdio de gravação era um espaço seguro. “Certo dia, levei minha filha Mary à Biblioteca Britânica para mostrar onde ela deveria fazer pesquisas para suas provas, aí me deparei com a folha manuscrita de Yesterday”, disse ele. Um biógrafo mão-leve tinha roubado o original do estúdio deles.
Rosie Broadley, curadora sênior da National Portrait Gallery de Londres, onde a mostra estreou, disse: “As fotografias nos mostram como era olhar através de seus olhos enquanto os Beatles conquistavam o mundo”.
McCartney ganhou um prêmio de arte na escola e aprendeu fotografia com seu irmão, Mike (que depois se tornou fotógrafo profissional). Quando os Beatles estouraram, ele passou a usar uma câmera SLR Pentax de 35 mm.
“Era a câmera portátil mais sofisticada da época. Era como ter o iPhone mais recente hoje”, disse Darius Himes, diretor internacional de fotografia da Christie’s, acrescentando: “Ficamos todos bastante surpresos com o olhar sofisticado de Paul e seu conhecimento das tendências nas artes visuais. A foto do biquíni amarelo (veja abaixo) é uma mistura impressionante de Stephen Shore, William Eggleston e William Klein”.
Os Beatles viajavam com um bando de cinegrafistas e não tinham vergonha de pedir dicas. McCartney admitiu que algumas de suas primeiras fotos na mostra estão meio fora de foco. “Eu me consolo sabendo que uma das minhas fotógrafas favoritas, Julia Margaret Cameron, também gostava de fotos um pouco desfocadas”, disse ele.
“Suas fotos ficam melhores à medida que ele pratica”, observou Broadley. A exposição e o livro que a acompanha levam os visitantes a uma viagem vertiginosa por seis cidades, começando em Liverpool e Londres e terminando em Miami. As imagens da etapa britânica são exibidas em pequenas molduras de nogueira “austeras”, para indicar que a Grã-Bretanha ainda estava no meio de uma recessão do pós-guerra. Os Fab Four às vezes parecem nervosos nessas fotos, mas já tinham alcançado o estrelato na terra natal, depois de levarem três músicas ao primeiro lugar das paradas e conhecerem a rainha.
Depois de uma breve apresentação no Olympia em Paris, ao lado de Sylvie Vartan, eles souberam que I Want to Hold Your Hand estava em primeiro lugar nas paradas americanas e voaram para Nova York. O momento culminante nos Estados Unidos foi sua estreia ao vivo na televisão no The Ed Sullivan Show, em 9 de fevereiro de 1964, evento assistido por 73 milhões de pessoas.
Em Miami, as fotos de McCartney explodiram em cores Kodachrome e as novas celebridades parecem florescer em novos ambientes glamorosos: relaxando à beira da piscina, bebendo uísque e passeando de lancha. Em abril, as músicas dos Beatles ocupavam os cinco primeiros lugares nas paradas da Billboard dos Estados Unidos.
Refletindo sobre as imagens, ele disse: “Elas têm uma certa inocência”. E acrescentou: “Acho que parecem muito mais divertidas do que aqueles tempos foram de fato. Trabalhávamos uns 360 dias por ano”. Foi um período muito veloz. Dois anos e meio depois, os Beatles pararam de fazer turnês. A logística, os gritos e os carros blindados tinham virado um pesadelo.
Assim como a maioria dos artistas de sucesso que dispensaram a aposentadoria, McCartney tem mania de projetos. Está trabalhando em um novo álbum com o produtor Andrew Watt (Hackney Diamonds) e acaba de lançar a edição remasterizada de 50º aniversário de Band on the Run, clássico de Paul McCartney & Wings. “Seus shows ao vivo continuam com uma voltagem tão alta que a gente fica achando que ele vai pegar fogo”, escreveu o poeta irlandês Paul Muldoon no recente livro de McCartney, The Lyrics: 1956 to the Present.
Seu próximo projeto é organizar a venda de algumas de suas fotografias. “É um processo de que gosto muito”, disse ele, descrevendo o prazer pela curadoria. “Já fiz isso algumas vezes com o trabalho da Linda” – uma referência à sua primeira mulher, a fotógrafa Linda Eastman.
Hoje suas casas, compartilhadas com atual mulher, Nancy Shevell, são adornadas com imagens de Linda e Mary, embora, curiosamente, nenhuma tirada por ele mesmo. Mas isso pode mudar. “A venda”, disse ele, “provavelmente vai me encorajar a comprar algumas delas para mim”.
Aqui estão trechos editados de nossa conversa, na qual ele refletiu sobre as imagens populares da exposição:
Autorretratos. Paris, 1964
“Acho que ganhamos nossas câmeras Pentax de presente. Naquela época, estava surgindo muita fotografia artística em preto e branco. Admirávamos David Bailey [que tinha uma câmera Pentax], Don McCullin, um impressionante fotógrafo de guerra, e Norman Parkinson. Quando ele tirava fotos nossas, dizia “quero olhos grandes, me deem olhos grandes”, e a gente entrava na onda. Gosto de fotografar pelo espelho porque as coisas ficam bem no espelho. Todos nós fumávamos. Fumar nos dava a sensação de que éramos charmosos, adultos. Éramos muito jovens. Eu tinha só 21 anos.”
Fotógrafos no Central Park. Nova York, fevereiro de 1964
“Os jornalistas de Nova York se achavam muito inteligentes e tenho certeza de que estavam acostumados a lidar com estrelas pop idiotas. Nos divertimos muito com eles, especialmente na coletiva de imprensa no [aeroporto] JFK. Era bate e rebate. Virou um jogo de quem conseguia dar a resposta mais esperta. Muitas vezes era assim. Alguém perguntou ao George: ‘Você já cortou o cabelo na vida?’ E ele respondeu: ‘Já, sim, ontem’. E ele tinha ido ao barbeiro no dia anterior.”
George Harrison. Miami Beach, fevereiro de 1964
“Este é o George vivendo a vida em Miami. [McCartney tinha passado a usar Kodachrome para registrar as travessuras do grupo na Flórida]. Miami parecia um país das maravilhas. Estas fotos foram tiradas numa época em que éramos todos jovens e bonitos. Quer dizer, esses garotos são bonitos, não são? Pensando nisso, me sinto muito abençoado não apenas por ter conhecido esses caras, mas por ter trabalhado com eles e feito coisas tão boas com eles. Eu me sinto muito abençoado.”
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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