Pausa do BTS provoca debate sobre ativismo e isenções militares

Anúncio surpreendeu os Army, como são conhecidos seus fãs, e fez cair as ações da HYBE, a gravadora do grupo

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Por Juwon Park

O anúncio surpresa do BTS na semana passada de que eles estavam fazendo uma pausa para se concentrar em seus projetos solo surpreendeu sua base global de fãs, sacudindo o preço das ações de sua gravadora e deixando muitas perguntas sobre o futuro do supergrupo de K-pop.

O anúncio da pausa do BTS gerou grande reação entre fãs da banda e queda nas ações de sua gravadora; nesta imagem, eles cantam o hit 'Butter' no Grammy de 2022. Foto: AP Photo/Chris Pizzello/Arquivo - 3/4/2022

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A HYBE, empresa por trás da banda, negou que o grupo estivesse fazendo um hiato - palavra que buscou traduzir o anúncio feito pelo grupo em vídeo, na terça, 14. Nos dias seguintes, os membros da banda permaneceram ativos nas mídias sociais, continuando o fluxo de postagens, fotos e garantias de que a banda não estava se separando.

Apesar dos impactos imediatos - as ações da HYBE inicialmente caíram mais de 25% e ainda precisam se recuperar totalmente -, vários fatores ainda podem afetar o futuro do BTS. Um deles lembra que está se aproximando o período para o alistamento militar dos membros mais velhos do BTS, bem como o envolvimento do grupo e de seus fãs dedicados, conhecidos como ARMY, que continuarão ativos em questões sociais.

Em 2020, no auge do sucesso do BTS, o governo sul-coreano revisou a lei militar do país que exige que homens sul-coreanos aptos prestem aproximadamente dois anos de serviço militar. A lei revisada permite que as principais estrelas do K-pop - incluindo Jin, o membro mais velho do BTS - adiem seu serviço militar até completarem 30 anos se tiverem recebido medalhas do governo por aumentar a reputação cultural do país e solicitarem o adiamento. Todos os membros do BTS atendem aos critérios como destinatários de medalhas do governo.

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“Obviamente, há um alistamento militar iminente, então eles podem ter pensado que seria bom fazer algo individualmente antes que fosse tarde demais e é por isso que acho que o alistamento militar foi o maior fator”, disse Lee Dong Yeun, professor da Universidade Nacional da Coreia das Artes.

Houve pedidos - inclusive do ex-ministro da Cultura da Coreia do Sul - para uma isenção para o BTS por causa de sua contribuição para aumentar a reputação internacional da Coreia do Sul. Mas os críticos dizem que tal isenção estaria dobrando as regras de recrutamento para favorecer privilegiados.

Jin, 29, deve se alistar este ano, a menos que receba uma isenção.

O alistamento militar de membros sempre foi uma dor de cabeça para HYBE; BTS já foi responsável por 90% do lucro da gravadora. Atualmente, o grupo é garante de 50% a 60% do lucro, segundo um relatório da eBest Investment & Securities.

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Tal relatório observou ainda que a rápida queda das ações pode ter como resultado uma “antecipação de que as atividades como todo o grupo podem ser incertas após a dispensa das forças armadas”.

A HYBE vem tentando diversificar seu portfólio estreando novas bandas de K-pop, fazendo jogos online e lançando tutoriais em coreano.

Banda de K-pop de maior sucesso até hoje, com sucessos como Dynamite e Butter, o BTS tem, há anos, uma tremenda atenção nas mídias sociais a cada novo lançamento de música. Eles recentemente realizaram vários shows com ingressos esgotados nos Estados Unidos, se tornaram o primeiro grupo de K-pop a receber uma indicação ao Grammy, lançaram um álbum de antologia, Proof, e canalizaram sua influência global com um discurso nas Nações Unidas e um viagem à Casa Branca para fazer campanha contra crimes de ódio contra asiáticos.

O grupo enfrenta, entre outras questões, o fato de que seus membros mais velhos precisarão se alistar ao exército. Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

“Uma vez que você alcança o sucesso como o do BTS, significa que há uma expectativa constante de continuar fazendo algo que está conectado ao que você já fez, onde você já esteve. Nos lançamentos mais recentes do BTS, também podemos ver como eles refletem continuamente sobre onde estavam”, disse CedarBough Saeji, professora de Estudos Coreanos e do Leste Asiático na Pusan National University.

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Ela disse que o anúncio da semana passada sinalizou a intenção da banda de descobrir “para onde eles estão indo sem interferência de outras pessoas” e “poder escolher seu próprio caminho como artistas”.

O anúncio também deixa em dúvida os esforços de justiça social do grupo, que incluem apoio vocal ao movimento Black Lives Matter e campanhas antiviolência. As legiões de fãs do BTS abraçaram as causas, correspondendo a uma doação de US$ 1 milhão ao Black Lives Matter após a morte de George Floyd.

O BTS e seus empresários sabem que falar nos EUA é lucrativo, mas fazer o mesmo em casa seria mais problemático

Jumin Lee, autor do livro 'Por que uma Lei Anti-Discriminação?, sobre fala do grupo nos EUA em relação ao preconceito contra asiáticos.

Olhar para dentro de casa

Mas o grupo tem enfrentado questões crescentes sobre os motivos de não ser tão enfático sobre a discriminação em seu próprio país.

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Um importante jornal sul-coreano publicou recentemente uma coluna na qual o autor refletiu por que a Coreia do Sul, apesar de ter o BTS (“o embaixador da antidiscriminação e dos direitos humanos”), tem lutado para promulgar uma lei justamente de antidiscriminação por 15 anos.

A falta de uma lei antidiscriminação no país levou a um tratamento injusto contra mulheres e estrangeiros, entre outros. Jumin Lee, autor do livro Por que uma Lei Anti-Discriminação?, disse à Associated Press que há uma extrema necessidade de uma lei antidiscriminação no país.

“A Coreia do Sul está essencialmente na mesma situação legal que a Jim Crow South dos Estados Unidos. A igualdade de proteção existe como um conceito constitucional, mas não há legislação de implementação que permita ao governo forçar as empresas privadas a cumprir”, disse Lee. “O que isso significa na prática é que, se eu for um empresário, eu poderia colocar uma placa na minha porta amanhã dizendo 'não gays', 'não negros' ou 'não idosos', e, com a ausência de intervenção extraordinária do Tribunal Constitucional, há muito pouco que a lei possa fazer para me impedir.”

Lee recentemente expressou decepção com a banda por não falar sobre essa importante questão doméstica. “O BTS e seus empresários sabem que falar nos EUA é lucrativo, mas fazer o mesmo em casa seria mais problemático”, tuitou Lee após a visita da banda a Washington.

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Apesar disso, Lee disse que o silêncio da banda é compreensível, afirmando que o BTS seria recebido com "indiferença na melhor das hipóteses e hostilidade na pior das hipóteses" dos políticos se eles se manifestassem.

Algumas celebridades sul-coreanas, como os cantores Harisu e Ha:tfelt, têm falado sobre assuntos delicados, como a lei antidiscriminação e o feminismo, apesar das reações negativas.

Depois de comentar sobre o naufrágio da balsa Sewol em 2014, que matou 304 pessoas em um dos piores desastres do país, o ator vencedor de Cannes Song Kang-ho e o diretor Park Chan-wook foram colocados na lista de exceção pelo governo do presidente deposto Park Geun-wook.hye, observou Areum Jeong, uma estudiosa da cultura pop coreana.

“Então, embora muitos ídolos possam ser politicamente conscientes, eles podem optar por não discutir questões sociais”, disse Jeong.

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Vários membros do BTS disseram durante o anúncio da semana passada que estavam lutando com os sucessos do grupo e tendo problemas para escrever novas músicas.

“Para mim, era como se o grupo BTS estivesse ao meu alcance até On e Dynamite, mas depois de Butter e Permission to Dance, eu não sabia mais que tipo de grupo éramos", disse RM. “Sempre que escrevo letras e músicas, é realmente importante que tipo de história e mensagem quero passar, mas era como se isso tivesse acabado agora.”

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