A memória daqueles dias segue viva, cinco décadas depois. Quando a guerra começou, as aulas no conservatório de Hanoi, capital do Vietnã, foram interrompidas. Professores foram levados para diferentes locais do país. E Dang Thai Son, aos 8 anos, viu sua vida mudar completamente.
“A constante era o piano”, ele lembra. Os camponeses que abrigaram os artistas não gostavam de ter o instrumento em casa, pois temiam que o som os impedisse de ouvir aviões inimigos. Mas cabanas eram construídas para que a música continuasse a ser feita.
“E foi ali que minha relação com a obra de Chopin começou. Eu me sentava no chão e ouvia minha mãe tocar. E a música do compositor estava ali, sempre presente.”
Com o tempo, Son tornou-se um dos grandes pianistas de sua geração. Foi estudar em Moscou. Em 1980, venceu o Concurso Chopin, em Varsóvia. E tornou-se intérprete de referência desse repertório, com o qual se apresenta nesta terça, 18, na Sala São Paulo, na abertura do Festival Chopin. “A beleza da música do compositor sempre me fascinou. A poesia, a magia. Com o tempo, fui compreendendo a profundidade do que ele escreveu”, explica.
Mas a relação foi além de aspectos musicais. “Eu reconheço na sua produção um sentimento de nostalgia que me soa familiar. Chopin também precisou deixar a Polônia. Há uma saudade de casa, algo que o mantinha próximo de sua origem, que eu também sinto. Chopin se tornou o idioma com o qual me comunico com o mundo lá fora.”
O programa do recital terá como eixo obras do compositor, como acontecerá também nos demais recitais do festival: o polonês Jakub Kuszlik toca no dia 23 no Theatro São Pedro; o canadense JJ Li Bui apresenta-se no dia 26 no Teatro B32; e a polonesa Ewa Poblocka sobe ao palco do Theatro Municipal no dia 30.
Son resolveu, porém, abrir seu recital de hoje com a Sonata nº 11 - Alla Turca, de Mozart. A peça foi escolhida com cuidado. O festival homenageia o pianista brasileiro Nelson Freire, morto em novembro do ano passado. E o pianista vietnamita conta que é uma das peças que mais gostava de ouvir o colega brasileiro tocar.
“Eu me liguei ao Nelson desde que o ouvi em um disco, ainda em Moscou. Foi uma revelação”, conta o pianista. Com o tempo, vivendo no Ocidente, Son conheceu pessoalmente Freire e os dois passaram a conviver com frequência. “Nelson era generoso com músicos mais jovens. Ouvindo-o tocar, eu me dei conta de que ser livre no palco tem a ver com a liberdade na vida.”
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