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Por que o rock é mais popular na Argentina que no Brasil? Entenda força de veteranos e novos ídolos

Gênero virou basicamente a música popular argentina, com astros locais ouvidos por 59% das pessoas, enquanto não está nem entre os 10 mais escutados entre brasileiros. ‘Cantautores’ e jovens antenados mantêm devoção; conheça

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Por Amanda Cavalcanti

O anúncio da programação do festival Primavera Sound São Paulo foi surpreendente por algumas razões, incluindo por um corte bastante significativo no número de atrações. Os fãs assíduos do Blur, uma das maiores bandas do rock britânico, se decepcionaram ao ver que o grupo não estava presente no line-up brasileiro, apesar de constar como um dos headliners da versão argentina do festival, que acontecerá em Buenos Aires nos dias 25 e 26 de novembro.

Será a sexta apresentação do Blur na Argentina, que também passaram por cidades argentinas em duas apresentações em 1999, uma em 2013 e duas em 2015 – dessa última vez, os britânicos também não fizeram shows no Brasil. O baterista Dave Rowntree chegou a comentar numa entrevista com uma rádio argentina que não sabe porque a banda não iria ao Brasil agora, mas pode ser que tenha a ver com a falta de público para bandas como o Blur no País.

Vocalista do Soda Stereo, Gustavo Cerati Foto: Divulgação / Netflix / Quebra Tudo

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Inegavelmente, o público argentino tem mais conexão com o rock do que o brasileiro – principalmente por sua própria relação com o rock nacional, que foi maior no país vizinho do que para nós. Numa pesquisa do Ministério da Cultura argentino cujos resultados foram divulgados em maio de 2023, o rock nacional aparece como o segundo gênero mais escutado pela população, tendo sido citado por 59% dos entrevistados. O rock estrangeiro não fica muito atrás, com 41% de menções.

Em comparação, numa pesquisa divulgada pelo Spotify no começo desse ano, o rock não chega a figurar entre os dez gêneros mais ouvidos no Brasil, e tem só dois entre os 100 artistas mais ouvidos por aqui.

Nascido em meados dos anos 1950, o rock argentino conquistou um espaço grande no imaginário popular e se tornou basicamente a música popular da Argentina – com seus próprios ídolos e histórias emblemáticas.

Popularidade

No shopping Abasto, em Almagro, no centro de Buenos Aires, há uma exposição em andamento com fotos de Gabriel Rocca das grandes estrelas do rock argentino. Na parte de fora do edifício, fotos gigantes de Luca Prodan, Luis Alberto Spinetta e Gustavo Cerati, do Soda Stereo, encaram a multidão de pessoas que passa pela Avenida Corrientes todos os dias.

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A mostra ajuda a entender como o rock argentino se infiltrou na cultura do país, até se tornar inseparável. “Foi um processo histórico. Creio que o rock argentino se tornou um símbolo da música nacional, para depois se tornar um símbolo também da Argentina e da música latinoamericana como um todo”, diz o jornalista Marcelo Fernandez Bitar ao Estadão. Bitar é editor de música do jornal Clarín e escreveu três livros sobre o rock argentino, incluindo uma biografia do Soda Stereo.

Bitar explica que a história do rock na Argentina pode ser divida em quatro fases: o começo nos anos 50 e 60, uma politização e diversificação nos anos 70 e 80, uma expansão nos anos 90 e 2000 e as novas ondas dos anos 2010 e 2020. No começo, houve resistência por parte dos músicos mais tradicionais, que contestavam a possibilidade de existir um “rock argentino” – “para eles, seria como existir um ‘tango japonês’”, conta o jornalista.

Mas, aos poucos, o gênero, que começou com grupos que gravavam versões em espanhol de sucessos de bandas como Beatles, se desenvolveu principalmente com a figura do “cantautor” – alguém que canta sobre o que vê e sente. É uma das razões para a popularidade tão grande de ídolos como Charly García, Fito Páez, Spinetta e Cerati: o público podia se identificar com eles.

Para Bitar, a continuidade foi o aspecto mais importante da popularização do rock na Argentina. “Não houve, como no Chile e na Venezuela, processos que desaceleraram ou acabaram com esse desenvolvimento – como grande repressão cultural por parte das ditaduras militares. Na Argentina, o gênero seguiu crescendo e atravessou gerações.”

Novos movimentos

Nos últimos anos, o reggaeton e o hip hop têm dado um salto de popularidade na Argentina – assim como aconteceu no resto do mundo –, mas o rock ainda tem espaço e público no país. No Primavera Sound Buenos Aires, grupos de rock como Conociendo Rúsia e Winona Riders dividem espaço com outros artistas locais de diferentes gêneros, como o rapper Dillom.

O sexteto Winona Riders integra uma dessas novas cenas do rock argentino, que se inspira principalmente em grupos dos anos 1980 e 1990 para sua sonoridade punk e psicodélica.

O baterista Francisco Cirillo conta ao Estadão que a banda foi formada em 2018 e começaram, assim como os primeiros expoentes do rock argentino, fazendo versões em espanhol de músicas de bandas estrangeiras como Psychic Ills e Spacemen 3. No dia 3 de novembro, a banda lançou seu segundo álbum El Sonido del Éxtasis, com longas e estruturadas jams psicodélicas.

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Junto ao Winona Riders, bandas como Buenos Vampiros, Dum Chica e Sakatumba têm feito uma grande quantidade de shows na capital e cidades dos arredores de Buenos Aires – Cirillo comenta que o Winona Riders chegou a fazer 45 shows durante 2022 – mas, para ele, a cena ainda está em seus anos de formação.

“O rock argentino está passando por um novo nascimento, mas essa nova cena ainda está sendo gestada, está nos primeiros passos. Ainda falta ir um pouco além, empurrar um pouco alguns limites”

Francisco Cirillo

Para Cirillo, as cada vez mais frequentes conversas entre o rock e outros gêneros ajudam que essas bandas tenham públicos significativos. “Não há nenhum gênero puro. Está tudo muito mesclado, por sorte. Creio que o que nos une é a psicodelia, que podemos encontrar num trap, num hip hop ou numa MPB por exemplo”, fala.

Bitar concorda – e adiciona que o público do rock tem também abraçado outros ritmos com o mesmo entusiasmo. “Há artistas de hip hop, como o rapper Trueno, que são até considerados como uma nova onda do rock argentino por sua atitude e maneira de contar histórias.”

O argentino Fito Paez Foto: UNIVERSAL
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