Projeto marca 50 anos do adeus à musicalidade de Pixinguinha

50 músicas inéditas estão em ‘Pixinguinha Como Nunca’, projeto que reúne diferentes fases do compositor, desaparecido em 1973

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Por Danilo Casaletti

Pixinguinha é inconteste.” Foi assim que Chico Buarque definiu o músico, arranjador, compositor e maestro Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973) na letra da canção Paratodos, de 1993. E não é apenas Chico que sabe que o talento e a importância de Pixinguinha para a Música Popular Brasileira não são objeto de dúvida.

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Antes, o regente Guerra-Peixe - ligado à música erudita - já havia alertado aos candidatos para o cargo de diretor de orquestra: Pixinguinha é o ponto de partida a ser seguido.

Neste mês, que marca os 50 anos da morte do músico carioca, uma série de quatro álbuns com músicas instrumentais inéditas chega para reforçar justamente essas percepções: o compositor de Carinhoso, Rosa e Lamentos - só para ficar entre as composições que ganharam letra e, inevitavelmente, se tornaram mais populares - era um gênio.

O projeto batizado de Pixinguinha Como Nunca tem direção artística do neto do compositor, o músico e ator Marcelo Vianna, e direção musical de Henrique Cazes, arranjador e pesquisador da obra do compositor. Ao todo, serão cerca de 50 músicas inéditas, criações de diferentes fases, em álbuns a serem lançados digitalmente até o mês de abril pela gravadora Deck.

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Tudo isso foi possível porque Pixinguinha deixou um enorme acervo, com muitas partituras, arranjos para rádio e sinfônicos. Tudo muito bem organizado em pastas. Primeiro, isso ficou na posse de Alfredinho, filho único do músico. Depois, foi, em regime de comodato, para o Instituto Moreira Salles que, posteriormente, adquiriu definitivamente a coleção - foi daí que saiu a maioria das músicas que serão lançadas agora.

O primeiro dos álbuns já está nas plataformas. Pixinguinha Virtuose traz 12 músicas registradas por músicos escolhidos com zelo por Vianna e Cazes - algo essencial quando se trata de apresentar algo novo de um compositor que tem notas tão impregnadas na memória popular. Foi preciso criar em cima das melodias deixadas pelo compositor.

Integram o sexteto os músicos Carlos Malta (flauta e sax), Silvério Pontes (trompete), Marcelo Caldi (sanfona), Marcos Suzano (percussão), João Camarero (violão de 7 cordas) e o próprio Cazes, que assina os arranjos e toca cavaquinho. “Foi um desafio encontrar o tom certo, o instrumento que renderia mais em cada melodia, o solista ideal. Não queríamos que soasse como algo antigo ou que já havia sido feito. Reunimos músicos que tivessem o olhar de mexer na tradição, mirando o futuro, que não tivessem aquele viés conservador, que, a meu ver, é tão nocivo ao choro e o coloca sempre em um lugar do passado”, explica Cazes.

Pixinguinha com Orlando Silva, no livro sobre sua vida. Foto: Acervo IMS

Moderno

Vianna diz que o avô era extremamente moderno já no tempo dele. “Ele sempre deixou os músicos à vontade. A modernidade dele não estava só nas melodias, mas no caminho que propunha. Pixinguinha exerceu sua musicalidade plena. É isso que queremos deixar claro às pessoas”, diz.

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“Era normal os artistas negros serem considerados espontâneos, improvisadores. Dificilmente os colocavam como estruturadores”, diz Cazes, ao ressaltar o lado arranjador de Pixinguinha, que escrevia, inclusive, para orquestras. “A palavra que o define é fluência”, complementa.

Cazes chama a atenção para a diversidade das composições, o que reforça mais uma vez que, apesar de ter consolidado o choro e seus contrapontos, Pixinguinha não merece ser aprisionado apenas dentro desse gênero musical.

Entre as músicas inéditas, há, por exemplo, polca vagarosa (Jagunça), polca marcha (Saudades de Cafundá) - precursora da marcha junina -, tango argentino, valsa, modinha e ponto de macumba.

Henrique Cazes e Marcelo Vianna: novos álbuns. Foto: Marília de Figueiredo

Parceiros

Um dos desdobramentos do Pixinguinha Como Nunca será um quinto álbum, que trará 11 músicas do compositor que ganharão letras, ou seja, vão virar canções. O trabalho, previsto para abril, possibilitará que nomes como Arnaldo Antunes, Eduardo Gudin, Guinga, Paulo César Feital, Nei Lopes, Paulinho Moska, Salgado Maranhão e Cecilia Stanzione se tornem parceiros de Pixinguinha.

Moska musicou Modinha, que virou Onde a Dor Traz o Presente. Antunes escreveu, sobre a melodia chamada Poética, a letra Chuvisco na Telha. Entre outros cantores que participarão estão Leila Pinheiro, Nilze Carvalho, Cecilia Stanzione e João Cavalcanti.

Dois versos

Paulinho da Viola também foi convocado para a missão, mas ainda não concluiu a letra. “Outro dia ele me disse que já havia feito dois versos”, conta Cazes. A parceria deve ficar para um possível novo volume de inéditas.

Para esse cinquentenário de morte há ainda o lançamento do livro Pixinguinha, um Perfil Biográfico, de André Diniz (Numa Editora). Trata-se, na verdade, de uma nova edição da fotobiografia Pixinguinha - o Gênio e o Tempo, de 2012. A versão recente traz capa assinada pelo artista plástico Melo Menezes, discografia comentada por Cazes e texto assinado por Vianna.

Pixinguinha morreu em 17 de fevereiro de 1973, aos 76 anos, dentro da Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, no Rio. Fora até lá para acompanhar o batizado do filho de um amigo. O músico teve um enfarte fulminante. Era uma segunda-feira de carnaval.

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Ignorando qualquer burocracia referente aos ritos religiosos, virou uma espécie de santo - com aprovação popular. São Pixinguinha, como costumam falar seus devotos. De um altar improvisado, porém não menos sagrado, vela pela música brasileira.

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