Opinião|Quer ouvir um dos melhores discos do ano? Está na hora de escavar ‘1978′, de José James

No novo álbum de um dos maiores intérpretes da atualidade e importante voz do soul, há canções sobre o amor, religião e o despertar de uma consciência política; conheça o cantor americano e ouça suas músicas

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Foto do author Sérgio Martins

É necessário incorporar o espírito arqueológico de um Indiana Jones para encontrar 1978, novo trabalho do cantor americano José James. Mas o disco está ali, escondido em meio a lançamentos de músicas de divas do pop e R&B, ignorado pelas playlists que nos empurram os hits do funk e sertanejo – não que se tenha algo contra esses gêneros, diga-se. Os corajosos que se entregaram a essa missão, no entanto, serão contemplados com um dos grandes lançamentos desse ano: uma compilação de canções originais, inspiradas no soul e funk da década de 1970, interpretados por um dos grandes intérpretes da atualidade.

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José James, 46 anos, pertence à categoria de artistas no qual o adjetivo “versátil” não soa desconfortável ou exagerado. Nascido em Minneapolis (terra natal de Prince), mas criado na cidade de Nova York, ele cursou a New School of Jazz and Contemporary Music, que também abrigou em seus corredores os pianistas Robert Glasper e Brad Mehldau e a cantora e compositora Becca Stevens, entre outros nomes do jazz atual.

O estudo acadêmico ajudou James a aprimorar um de seus principais talentos: o de combinar a postura de crooner com interjeições típicas de um rapper. Ele, aliás, possui uma teoria a respeito do gênero surgido nos Estados Unidos no fim dos anos 1970. “Creio que o hip hop seja a evolução natural do jazz”, diz James, que chegou a apresentar essa teoria para o trompetista – e tradicionalista – Wynton Marsalis. “A gente concordou em discordar”, resumiu.

José James lança '1978', disco inspirado no soul e funk da década de 1970. Foto: @josejamesmusic via Instagram

A diversidade de estilos, combinada com sua voz de barítono, chamou a atenção do radialista e pesquisador musical inglês Gilles Peterson. Ele o contratou para o seu selo, Bronswood Recordings, pelo qual James lançou os álbuns The Dreamer (2008) e Blackmagic (2009). Mas o cantor passou por diversas outras companhias e soltou trabalhos variados musicalmente – de tributos à cantora de jazz Billie Holiday e ao artista de soul Bill Withers a obras de material original inspiradas no cancioneiro de Prince.

O cantor e multi-instrumentista de Minneapolis, aliás, é uma das fontes de inspiração de 1978, ao lado de Marvin Gaye. O título do álbum faz alusão ao ano de nascimento de José James e período no qual a disco music reinou nas paradas de sucesso. Mas, alto lá, não se trata de um trabalho passadista.

Embora tente recriar o clima daquele período, o cantor evita o revisionismo puro e simples. “Eu quis soar como um encontro entre Marvin Gaye e J. Dilla”, diz o cantor, referindo-se ao ícone da cena hip hop de Detroit, morto em 2006. James, que também produz o álbum, se cerca de instrumentistas de alta patente, e equilibra a sonoridade orgânica com samples e programação eletrônica de bateria.

Uma demonstração desse amálgama musical está em Saturday Night (Need You Now), onde as eletronices casam com as congas de Pedrito Martinez. O guitarrista Marcus Machado (não ele não é brasileiro), que se alterna entre os grooves do soul com a latinidade de um Carlos Santana, está entre os muitos destaques da banda.

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O disco, a exemplo do trabalho de seus ídolos, é um apanhado de canções de amor – e aqui, nada supera Isis and Osiris –, religião e protesto político. Trayvon, que faz referência a Trayvon Martin, cujo assassinato em 2012 deu início ao movimento Black Lives Matter, e 38 and Chicago emulam a consciência política e religiosa de Marvin Gaye de What’s Going On, seu disco de 1971.

1978 traz ainda conexões com o Brasil. Algumas são bem diretas. A baiana Xênia França empresta seus vocais poderosos em Place of Worship, outra pérola da faceta devocional do álbum. Black Orpheus (Don’t Look Back) é uma clara referência a Orfeu do Carnaval, produção de 1958 inspirada em Orfeu da Conceição, musical que inaugurou a parceria de Tom Jobim com Vinicius de Moraes.

Outra conexão, dessa vez mais cifrada, está numa das inspirações de James para compor as faixas do álbum. Muito do que se escuta no disco nasceu de conversas do cantor com Leon Ware, parceiro de Marvin Gaye, e que, no final dos anos 1970, se uniu ao brasileiro Marcos Valle. E então? Aquele famoso tema de Indiana Jones criado por John Williams começou a tocar no seu cérebro? Porque está na hora de escavar José James.

Opinião por Sérgio Martins

Jornalista e crítico musical

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