Rap de influencers: Batalhas de Mussa e Enaldinho conquistam crianças e eles comentam

Um dos gêneros musicais mais ouvidos no País, o rap foi apropriado por youtubers e pode ser usado como ferramenta para o ensino de crianças e adolescentes. Mas o que dizem as músicas que estão na boca das crianças? ‘Temos que ter responsabilidade’, diz Mussa

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Foto do author Damy Coelho
Atualização:
Mussa: do YouTube para shows lotados, ele cria batalhas de rap que são sucesso entre crianças Foto: Mussa/Acervo Pessoal

O grande movimento de crianças no shopping Frei Caneca, em São Paulo, num fim de semana recente, é atípico até para um domingo à tarde. Elas não estão na praça de alimentação ou no espaço kids, mas saindo do teatro, o que é ainda mais inusitado. Os meninos são maioria e estão quase todos usando um pano branco na cabeça e um boné vermelho.

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Os acessórios compõem a indumentária de Mussa, nome adotado por Hudson Martins, antes conhecido por Mussoumano, para seu “personagem” no YouTube, onde, aos 34 anos, acumula mais de 12 milhões de seguidores – muitos deles crianças, fãs de suas batalhas de rap que bombam na plataforma.

Nessas batalhas, dois oponentes se enfrentam a partir de rimas. A roda, formada pelo público, é a terceira protagonista: reage, aplaude, vaia, entrega o termômetro da disputa.

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No Frei Caneca, as sessões para ver o show do Mussa esgotaram. Da plateia, as crianças se empolgam, gritam, interagem com o youtuber e seus “rivais”, que sobem ao palco para uma espécie de “duelo de MC’s infantil” que não necessariamente educa, mas entretém: ora Mussa duela com o irmão mais velho, ora com um barbeiro maluco. Sobra também para seu “cachorro”, o Malucão.

Show de Mussa é sucesso entre o público infantil Foto: Lucas Hofmann/Divulgação

Até os pais se deixam contagiar e, da plateia, vibram a cada vitória de Mussa. Spoiler: ele sempre vence.

Só para baixinhos

Apaixonado por música, Mussa viu no YouTube uma oportunidade. O catarinense começou a divulgar pela plataforma suas rimas, que conquistaram as crianças – na mais famosa, exalta o estilo do personagem criado por ele: “Pano na cabeça / Bonezinho pra trás / Óculos escuro / É o Mussa Style”.

Nas músicas, Mussa tematiza o cotidiano infantil: a batalha com o irmão mais velho reflete a implicância comum da convivência em família. A preguiça de fazer as atividades do dia a dia também está representada. Em O Passinho da Preguiça, ele canta: “Fui no banheiro escovar os dentes e me cansei / O dia tá tão lindo, eu olhei pra fora e pensei / Uh, voltei pro quarto e deitei”. De certa forma, a música representa uma geração que se exercita menos ao ar livre e costuma brincar pouco coletivamente, raramente sem o apoio de alguma tela.

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Além de Mussa, Enaldinho, um dos youtubers favoritos entre o público infantojuvenil, que acumula 36 milhões de seguidores, também promove batalhas de rimas em seu canal. Em entrevista ao Estadão, o influencer de 26 anos diz ter mais cuidado com o que posta: já tomou dois strikes (quando o YouTube “derruba” um vídeo) e passou a se atentar para as diretrizes da comunidade. Para ele, esse crivo acaba atraindo um público cada vez mais jovem para seu conteúdo.

Nunca foquei diretamente nas crianças, mas hoje o canal tem conteúdos voltados para toda a família. A gente se preocupa com o que grava. Não são conteúdos educativos; eles têm foco no entretenimento. Mas tento sempre passar mensagens positivas

Enaldinho

YouTuber Enaldinho também se arrisca nas batalhas de rap que conquistam o público infantil Foto: Paulo Fields/Divulgação

Rap de influencer

A responsabilidade diante do público infantil é uma preocupação atual entre os dois youtubers. Mas nem sempre foi assim. No repertório de Enaldinho, existem temas como busca incessante por likes e as benesses da vida de influencer - afinal de contas, a realidade dele. Na faixa 30 Milhões de Amigos, agradece aos seguidores que o acompanham e exalta a importância de lutar pelos sonhos:

“Você pode alcançar todos os seus sonhos / Mas tenha atitude, fé no coração primeiro / Eu sei, fiz tudo aquilo que quis e ganhei / Mas eu fiz o que eu precisei pra ser / Um vencedor sem limites que vai te entreter”.

Já em Minha História, Enaldinho descreve a sensação de conquistar um público cada vez maior na internet: “Me sentia confiante / Ao mesmo tempo, esquisito / Foi difícil acreditar / Quando tive 1 milhão de inscritos”. A exaltação pessoal – ou ostentação – vale lembrar, são temas comuns em correntes mais atuais do rap no mainstream, que falam sobre sucesso.

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Mas não é fácil navegar nas ondas do mercado de influencers. Um estudo da Nielsen, de 2022, aponta que 75% dos jovens brasileiros querem ser influenciadores digitais. Apesar disso, sentir-se confiante ou chegar aos “30 milhões de amigos” (ou se sentir incluído e ter um bom amigo que seja na escola) não é nada garantido. Muitos tentam e nem todos conseguem, o que pode gerar frustração e tristeza.

Clarissa Sodano Ribeiro, professora de música e psicóloga especialista em psicanálise pela UFMG, sugere que os pais preparem os filhos para a possibilidade de não lidarem com o sucesso ou precisarem trabalhar muito para conquistá-lo. “Um vídeo que Mussa ou Enaldinho publicam em seus canais têm horas de produção e uma equipe de pessoas envolvida, não nasce do mero acaso”, diz.

“As redes sociais potencializam essas realidades e fazem com que as crianças tenham essa ambição de sucesso. Mas não basta avaliar a internet isoladamente”, avalia. O ambiente em que a criança vive, a escola e o que os pais consomem também influenciam no comportamento dos pequenos.

Mussa e Enaldinho chegaram a “duelar” juntos, em 2018. A batalha foi criada quando ambos ainda não produziam conteúdo com foco no público infantil. Logo, a letra acaba reforçando estereótipos de rixas, apelando até para a violência. Isso, para eles, ficou no passado. Hoje, Mussa pensa em músicas voltadas diretamente para público infantojuvenil, especialmente após ter se tornado pai, como disse ao Estadão.

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No formato, as batalhas de rimas que faço não são diferentes das tradicionais, é uma caricatura do oponente. A diferença é que a batalha tradicional é feita no improviso. No canal, eu não consigo fazer isso. Tenho um público infantojuvenil e pais que assistem juntos. A gente tem que ter responsabilidade sobre o que vai falar. Tenho uma equipe que me ajuda a escrever, revisar...

Mussa

O último lançamento foi um clipe animado com o personagem inspirado em seu cachorro, o Malucão: “Eu tenho um cachorro que é meio sem noção. Metade é maluco, metade é cão. Late até pra sua sombra e tem medo de gato”, diz a letra.

Hoje, os youtubers ocupam um espaço de entretenimento infantil deixado pelos extintos programas na TV aberta. E a semelhança também se reflete no efeito da publicidade: Tanto Mussa quanto Enaldinho são atualmente marcas bem-sucedidas, que vendem de brinquedos a roupas - e muito mais.

Cuidado com as telas e o conteúdo

O trap, gênero derivado do rap, já é dos favoritos da geração alfa, nascida após 2012. Em 2023, foi um dos cinco estilos musicais mais ouvidos do País, segundo relatório anual do Spotify. Em sua vivência nas escolas, Clarissa observa os alunos fazendo batalhas de rima no recreio, retrato dessa preferência musical. Para ela, é um exercício positivo para aprimorar a retórica dos alunos.

Porém, algumas letras podem ser impróprias por abordar temas como sexo e violência. O próprio YouTube recomenda que os pais utilizem a conta no modo “Kids” quando os pequenos estiverem assistindo.

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A psicóloga também demonstra preocupação com o uso excessivo de telas por crianças cada vez mais novas. Colocar os vídeos no YouTube pode ser tentador para acalmar os ânimos infantis, mas os pequenos precisam de outros estímulos que vão além das redes, ela defende. “As crianças devem ter tempo de qualidade com os responsáveis, além de atividades ao ar livre e brincadeiras coletivas”, explica Clarissa.

Rap raiz e na escola

A menos de 2 quilômetros do shopping Frei Caneca, onde Mussa se apresentou, está o metrô São Bento, considerado o berço do hip hop em São Paulo. Lá, um grupo de jovens se juntou, no fim dos anos 1980, para rimar e dançar o break, resistindo forte à repressão policial da ditadura. Thaíde foi um dos rappers que vieram desse ambiente.

Desde seu surgimento, o rap é contestação a um sistema que oprime a população negra e periférica, transformando resistência em música e manifestação de arte. Os duelos de MC’s nasceram nesse contexto.

Nos duelos dos youtubers, pouco sobra da essência da origem do movimento, diferença que fica nítida no discurso. Essa essência pode ser percebida, porém, em movimentos surgidos nas próprias periferias. Escolas vêm incluindo batalhas de rimas na grade extracurricular, como forma de incrementar a linguagem e o autoconhecimento dos alunos, com uma atividade que eles já praticam no recreio.

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Esse é o trabalho realizado por Negra Jaque em Porto Alegre. Relevante no rap gaúcho, ela também é professora e utiliza o rap e suas batalhas nas escolas e ONGs como método para desenvolver a argumentação, a criatividade e a empatia. Isso porque nas batalhas de conhecimento - quando as rimas transmitem um conteúdo educativo - o preconceito não tem lugar na roda.

A roda participa, aprova a rima, vaia, tem poder. É importante notar o exercício de empoderamento que a roda da batalha promove

Negra Jaque

Negra Jaque: cantora, pesquisadora e professora, ela uso o rap como instrumento de ensino nas escolas Foto: Negra Jaque / Acervo Pessoal

A força da identidade e o orgulho de origem cultural também são celebrados e desenvolvidos nesse exercício. “A batalha de rimas auxilia na ampliação de vocabulário, na consciência social e empoderamento”, explica.

Mas ela lembra que as batalhas não estão só no YouTube, mas principalmente nas ruas, onde a essência underground do rap resiste.

O rap tem o discurso como elemento poderoso. Para Negra Jaque, o aspecto educativo pode aliar o rap ao dia a dia das crianças. “Quero muito que essa geração que está conectada, seja pelo YouTube, seja pelas batalhas de rua, leve consigo esses aprendizados. As regras, de como se comportar, que não se deve desrespeitar a mãe de alguém, por exemplo”, explica.

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Presente nos canais do YouTube e resistindo nas escolas e nas batalhas de rua, o rap já tomou conta da nova geração. Vale observar os novos rumos do gênero musical que farão escola a partir desses pequenos fãs.

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