Reggaeton cresce no Brasil, lota festas e derruba mito de separação cultural; entenda

Gênero é fenômeno mundial com nomes como Bad Bunny, J Balvin e Karol G, mas não supera funk e sertanejo no País. Festas e correntes migratórias dão força ao ritmo no Brasil e desmentem a ideia de que o ritmo não vinga aqui

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Por Felipe Maia
Atualização:

Trebol Clan, Rosa Pistola, L-Gante, Cris MJ. Esses nomes podem ser desconhecidos da maior parte dos brasileiros, mas eles arrastam multidões em shows pela América Latina. E há por aqui quem saiba de cor e salteado algumas das músicas desses artistas.

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Não à toa, todos eles se apresentaram no Brasil nos últimos dois anos. Essa lista vai aumentar nos próximos meses, quando passam pelo país os colombianos J. Balvin, em Recife, e Karol G, em São Paulo. O show da artista, grande vencedora do Grammy Latino 2023, é mais um marco da crescente cena do reggaeton no Brasil.

Gênero que domina todos os países da América Latina e tem como seu atual astro o porto-riquenho Bad Bunny — o artista mais ouvido do mundo por três anos consecutivos —, o reggaeton não figura no topo das paradas brasileiras e não bate de frente com sertanejo, funk, samba ou forró.

É seguro afirmar, no entanto, que, no Brasil, se escuta cada vez mais reggaeton, num movimento que envolve diversos agentes pelo País: festas, fãs e recentes ondas migratórias compõem uma cena que vem ganhando força em diálogos latino-americanos no pop global, nas franjas das metrópoles e nas fronteiras nacionais.

“Eu falo que o brasileiro também é latino, mas por causa da língua muitos não se veem como latinos. E a globalização está quebrando isso porque têm acontecido muitas colaborações de artistas de vários países latino-americanos e, no Brasil, há cada vez mais filhos de imigrantes latinos que falam português”, explica David Romero, peruano radicado em São Paulo há 13 anos.

Romero é fundador da D’Rumba, casa situada na zona norte que recebe um público diverso de brasileiros, filhos de imigrantes ou não, e jovens venezuelanos, paraguaios, argentinos e colombianos. “Nas nossas festas, tocamos funk, sertanejo, mas metade delas toca reggaeton”, explica Romero. “A minha visão no D’Rumba sempre foi acolher todo o mundo, fazer uma mistura por aqui.”

Na noite de sábado, 13, aconteceu a festa de raggaeton Súbete, no Bom Retiro. O ritmo latino tem ganhado força no Brasil e principalmente em festas em São Paulo. Na imagem, a apresentação do cantor venezuelano Riko. Foto: Felipe Iruata / ESTADÃO

Em outubro de 2022, Romero organizou o primeiro Reggaeton Festival da casa. A principal atração do evento foi o duo Trebol Clan, porto-riquenhos celebrados no país natal e autores de Agarrala, um dos maiores sucessos do gênero. Em 2023, na segunda edição do festival, o D’Rumba trouxe o chileno Cris MJ, à época alçado ao estrelato com Una Noche En Medellín, clipe com mais de 360 milhões de visualizações no YouTube.

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“A cena tem crescido aqui em São Paulo, o que colabora para que pessoas de diferentes países se conheçam”, diz Romero. “Esse ano vai ser maior ainda a abertura para o reggaeton no Brasil, vai ser como nos Estados Unidos, já é algo que está acontecendo.”

A ascensão global do reggaeton, que ecoa no Brasil, deve muito ao sucesso do gênero em solo norte-americano. Na última década, metade do crescimento da população dos Estados Unidos foi puxado pela comunidade hispânica no país.

Reggaeton ganhou força com popularidade nos Estados Unidos e chega ao Brasil a passos discretos, mas impulsionado pela comunidade de imigrantes de países vizinhos. Na imagem, a festa de eeggaeton Súbete, no Bom Retiro.  Foto: Felipe Iruata / ESTADÃO

Se em grandes centros como a Nova York dos anos 1970 os jovens latinos eram fãs de salsa, hoje eles são fãs de reggaeton — e são muito mais numerosos. O gênero então nascido na década de 1980 no cruzamento entre Jamaica, Panamá e Porto Rico encontrou nos Estados Unidos a plataforma ideal para ganhar o mundo, com o empurrão da indústria musical do país e da internet.

“As plataformas de streaming deram para a gente um pouco mais de poder de escolha do que ouvir, e isso se refletiu no mundo inteiro”, explica Rafael Takano, conhecido como DJ Telefone e fundador da festa de reggaeton Súbete.

“O Brasil tem esses ecos: as pessoas podem ouvir música de qualquer lugar do mundo, então tem uma cena de reggaeton, de k-pop, de rap londrino, ainda mais em São Paulo, que é uma cidade gigante.”

Rafael Takano (DJ Telefone)

A Súbete foi criada em 2019. Nas suas primeiras edições, o público não passava de 150 cabeças. Hoje, a festa faz eventos para mais de mil pessoas, entre imigrantes e brasileiros de várias origens, com raízes locais ou em outros países da América Latina.

Nas picapes, DJs do Brasil e de países vizinhos, como Blazekha, residente do Perro Negro — casa noturna conhecida como a meca do reggaeton, em Medellín — e Ms. Nina, artista argentina que faz sucesso da nova geração de reggaetoneras. “O mérito da nossa festa foi ter percebido que tinha gente curtindo esse som, mas as pessoas não se conheciam”, diz Telefone.

A Súbete foi criada em 2019. Nas suas primeiras edições, o público não passava de 150 cabeças. Hoje, a festa faz eventos para mais de mil pessoas.  Foto: Felipe Iruata / ESTADÃO

Para o DJ, a ausência de reggaeton entre as músicas mais ouvidas do Brasil não significa que o gênero não tenha poder no país. “Falar que não tem reggaeton no Brasil porque ele não aparece no Top 200 do Spotify é como falar que não tem rock no Brasil porque não tem rock no Top 200″, ele explica.

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“O reggaeton é novo por aqui, ainda está chegando, mas não significa que ninguém escute reggaeton. Imagino que em São Paulo tenha mais gente ouvindo reggaeton do que em muitas capitais da Europa.”

Rafael Takano (DJ Telefone)

A capital paulista tinha em 2020 mais de 75 mil habitantes de origem boliviana registrados, segundo a Polícia Federal, um número menor do que a realidade. Em festas como a Súbete ou as noites no D’Rumba, é comum cruzar com jovens brasileiros de origem boliviana que falam português e espanhol e não dispensam um reggaeton.

Hoje, esse público se junta a brasileiros de longa data que vem abrindo os olhos para o gênero, por curiosidade ou por terem sido alvejados pelos sucessos globais de artistas como Bad Bunny ou Karol G.

“Quando comecei a frequentar festas de reggaeton, há mais de dez anos, via que era um movimento das comunidades boliviana e peruana, mas hoje é algo bem mais intenso”, explica Thais Queiroz, biomédica, DJ residente da festa Chingona e membro do site Reggaeton Brasil — na ativa desde 2005.

“Hoje, vejo que a crescente do reggaeton está entre os brasileiros, e as festas trazem consigo um sentimento de identidade. O público brasileiro do reggaeton sempre existiu: o que falta é que as pessoas se encontrem.”

Thais Queiroz

Queiroz nota esse movimento também no aumento da popularidade do site que administra junto a um time de fãs. “O Reggaeton Brasil cresceu durante a pandemia, assim como a comunidade em torno do gênero”, ela afirma. “A gente tem visto essa curva. E o reggaeton também cresceu no Brasil por causa da Anitta.”

Antes do hit global Envolver, lançado em 2022, Anitta tinha se aventurado no reggaeton na virada da década. Lançadas entre 2016 e 2017, suas parcerias com os colombianos Maluma e J. Balvin, Sim ou Não e Downtown, foram marcos do gênero no Brasil e aproximaram o País do som pop latino-americano. Foi também nesse período que o termo “reggaeton” atingiu a maior alta já verificada nas buscas do Google no Brasil.

“Ali a gente já via muitas pessoas fazendo reggaeton sem dizer que aquilo era de fato reggaeton”, explica Queiroz. Desde então, muitos outros artistas brasileiros entraram na onda sem nunca deixar de lado temperos locais. Luisa Sonza e a argentina Maria Angeliq fazem som de diva pop em Anaconda; Simone & Simaria se juntam ao colombiano Sebastian Yatra em uma levada romântica em No Llores Más; Wesley Safadão leva o piseiro ao caribe com o porto-riquenho Guaynaa em Não Faz Como Eu.

“A partir do momento em que uma música dessas é feita e é dado o nome reggaeton, as coisas vão mudando,” conclui a DJ.

Aos vetores verticais, seja pela máquina do pop norte-americano ou pelo underground das festas, somam-se eixos horizontais que dão força ao reggaeton. Em cidades como Recife, Manaus, Boa Vista e Cuiabá, o contato com a música cantada em espanhol é dado há décadas.

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Nesse Brasil, que escuta o continente e o Caribe, o gênero pop mais recente da América Latina se junta a gerações de boleros, guarânias, merengues e lambadas que há muito tocam o País pelas viagens de fronteiras e ondas de amplitude modulada.

“O nortista escuta reggaeton de outra maneira: nosso bolero é muito próximo da bachata, eu sempre senti afinidade com a lambada, e mais nos interiores tem sinal de rádio que pega música de outros países,” explica Gabriela Moraes de Abreu.

Conhecida como DJ Bibous, a manauara é uma das fundadoras da Vacilo, festa também de Manaus voltada a novos gêneros musicais latinos. “Tinha festas mais pop aqui em Manaus que tocavam reggaeton, mas a nossa ideia era entender essas possibilidades da América Latina, entender o que a galera estava realmente escutando”, explica ela.

Gabriela Moraes de Abreu, a DJ Bibous, é uma das fundadoras da Vacilo, festa de Manaus voltada a novos gêneros musicais latinos. Foto: Acervo Pessoal

Para a DJ, o contato do Brasil com o reggaeton é inevitável porque, em cidades como Manaus, a troca com culturas de outros países latinos é cada vez mais cotidiana — ouve-se espanhol nas esquinas, nos postos de saúde, nas escolas.

“Não se pode falar que o Brasil não se identifica com o reggaeton: na verdade, o reggaeton está fora das grandes bolhas”, diz ela. “Fui tocar em Boa Vista, em Roraima, e todo mundo quer escutar funk lá, mas todo mundo quer escutar reggaeton também. Existe uma memória afetiva aí, porque nos finais de semana muitas pessoas de Boa Vista iam para a Venezuela, que é perto. É algo territorial.”

Esse processo de intenso encontro reforça a ideia de que uma suposta barreira linguística, sempre apontada como causa da fratura cultural entre Brasil e restante da América Latina, não é um problema para a entrada do reggaeton no País.

Para entrevistados pelo 'Estadão', barreira linguística não é empecilho para crescimento do reggaeton no Brasil.  Foto: Felipe Iruata / ESTADÃO

“Acho que essa ideia é uma desculpa”, diz o DJ Telefone. “O Brasil tem uma cena gigante de k-pop com artistas que fazem shows lotados e fãs que cantam em coreano.” Para ele e para Thais Queiroz, do site Reggaeton Brasil, o próximo passo do gênero latino no País deve vir de cima — de executivos e diretores de gravadoras.

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“Muitos empresários do reggaeton veem os números do Brasil e não conseguem avaliá-los porque aqui temos muitos outros gêneros de sucesso, como sertanejo e funk”, diz Queiroz. A passagem de artistas como Karol G e J. Balvin no País é sinal de que as coisas estão começando a mudar no balcão de negócios da música, um reflexo de um País que também se move em outras batidas. “O brasileiro já está conectado com o reggaeton”, diz a DJ Bibous. “Só falta que isso vá para a cabeça.”

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