Rock in Rio faz 35 anos entre vitórias e dilemas

Mais longevo que o próprio rock, mais sólido que o próprio Rio, festival filho de um tempo que não existe mais é desafiado a encontrar relevância a cada edição

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Foto do author Julio Maria
Atualização:

Hoje, 11 de janeiro de 2020, ficam redondos os 35 anos desde que o projeto Rock in Rio foi erguido pela primeira vez no Brasil pelo publicitário Roberto Medina. Um ato solitário e de risco sem rede de proteção tomado por um jovem de 28 anos que acreditou que o mundo poderia levá-lo a sério – ele e sua assustadora ideia de fazer com que, pelo menos por uma vez na história, o eixo dos grandes shows fosse deslocado para as selvas da América do Sul, como imaginavam que o Brasil seria muitos empresários de grandes bandas internacionais. Com um espírito quixotesco, entre tudo o que soava delírio e o que parecia real, Medina bateu em portas que nem sempre se abriram com um discurso pronto e alguns números na planilha. Sim, ele dizia, era possível, segundo seu planejamento, colocar 1,5 milhão de pessoas em um campo de terra entre os dias 11 e 20 de janeiro em um lugar chamado Cidade do Rock, nos confins do Rio.

Festival de 2013 Foto: MARCOS ARCOVERDE

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Era muito tabu pra se derrubar com uma pedra só. Ao mesmo tempo em que os empresários gringos desconfiavam de qualquer garoto brasileiro dizendo que daria a seus artistas uma experiência histórica, o Brasil do império das gravadoras nem sabia que havia um mercado de música ao vivo a se explorar. O poder público do Rio não tinha histórico de operações gigantescas, a mão de obra técnica para lidar com uma tecnologia sonora que levaria anos para chegar era simplesmente inexistente e o Brasil sisudo desde 1964, com uma gente no poder não muito alinhada ao Iron Maiden, tinha ainda um sorriso nervoso.

Mas foi assim, depois de muita negociação e de uma expectativa alimentada por páginas e páginas de jornais, que o primeiro dia foi anunciado como um sonho. Para quem nunca havia visto nada parecido, estariam juntos, um após o outro, Queen, Iron Maiden, Whitesnake, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Erasmo Carlos e Ney Matogrosso. Só no primeiro dia, 300 mil pessoas. Para efeito comparativo, um dia cheio, nas últimas edições, em 2019, fica entre 70 e 80 mil. O segundo dia teria George Benson, James Taylor, Al Jarreau, Gilberto Gil, Elba Ramalho e Ivan Lins. O AC/DC tocaria dia 15 e 19. O Yes, 17 e 20.

Ney Matogrosso, para quem diz que os anos foram tirando o rock da programação, foi o primeiro show do evento. E a primeira música que o mundo veria naquela colossal reunião era América do Sul, com Ney afirmando a todas as bandas que o viam dos bastidores, incluindo o lépido guitarrista Bryan May, do Queen, na beira do palco, “Deus salve a América do Sul”. O Rock in Rio estreava sem rock, no sentido clássico da palavra, e com vaia. Pois esse personagem que voltaria outras vezes, depois de ter dado as caras pela primeira vez na era dos festivais da canção nos anos 1960 e 1970, tentava pegar Ney de jeito e levava um chute no traseiro.  Ainda com o céu querendo escurecer, Ney cantava para um público predominantemente roqueiro que esperava o Iron Maiden e o Queen justificadamente espumando. Uma turma mais concentrada à frente do palco passou a gritar “fora” e a jogar o que havia levado para comer no palco. Mas Ney, com histórias acumuladas que tornavam aquele foco de cabeludos uma claque do Chacrinha, seguiu cantando “Deus salve a América do Sul” e chutando de volta os ovos antes que eles caíssem no palco.

O Rock in Rio, filho de um tempo que não existe mais, parece precisar reencontrar seu espaço de relevância a cada ano. Medina acredita que sua estratégia, a de colocar mais foco na marca, reforçada pela ideia de parque de diversões, do que na programação dos palcos, tem sido a saída para que as noites sigam lotadas. “A pesquisa mais recente que recebemos mostra que 68% das pessoas que foram ao Rock in Rio em 2019 não estiveram lá para ver uma banda. Eu posso colocar o Metallica e o Iron todos os anos que vai lotar, mas, no conjunto do projeto, não é isso que vai resolver.” Mais longevo que o próprio rock, mais sólido que o próprio Rio, o Rock in Rio se parece cada vez mais com uma grande nave espacial retornando a cada dois anos.

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