O Green Day e o Coldplay fizeram shows que serão lembrados para todos os tempos quando se falar em Rock in Rio. Mas não só eles. Ludmilla ganha um novo status depois do espetáculo de 2 milhões de reais que fez no palco Sunset; Jessie J só deve voltar se for para cantar no Mundo depois de estremecer a plateia também do Sunset; CeeLo Green cantando James Brown foi uma hecatombe (mais pela banda do que pela voz de Green); e a homenagem a Elza Soares conduzida por Larissa Luz é algo superior a todos os projetos já feitos sobre Elza. No mais, há passagens supervalorizadas pelo coração inegociável de um fã que serão esquecidas, passagens das quais todo mundo já se esqueceu e passagens que só não serão esquecidas porque, até para um fã, foram ruim demais.
Ludmilla versus Luisa Sonza
Apesar de ter tido um trabalho empresarial excelente, que a colocou como convidada de CeeLo Green cantando James Brown num instante e cantando uma perigosa Love Of My Life com Andreas Kisser em outro, Luisa Sonza precisa de sustança artística. Seu vocal é fraco e sua presença é deslumbrada mesmo dentro de um show pensado para ser um arraso, com bailarinos bem ensaiados espalhados pelos quatro cantos. Falta a Sonza a malandragem que sai pelos poros de Ludmilla, algo que não se compra no Spotify. Ludmilla sai do Rock in Rio 10 metros mais alta. Anitta que se cuide.
Billy Idol e Guns N’ Roses
São dois casos diferentes. O Guns segue tendo um grande show, mas ancorado em uma voz que não existe mais. O problema é que Axl é uma lenda e, sem ele, e mesmo com os poderes todos de Slash, o Guns não existiria. Sua plateia aciona então o ouvido afetivo, o interno, aquele que ouvirá sempre Axl como se ele estivesse em 1991, e suporta as mais de duas horas de grunhidos desafinados feliz da vida. Billy Idol não tem instrumental a se ancorar. É ele e a voz. Se ela falta, como faltou não porque o guitarrista errou ou porque ele esqueceu a letra, como disseram, mas porque Idol não encontrou o tom, acaba o show. E isso não foi um fato isolado.
Green Day versus Coldplay
Enfim, qual o melhor show do Rock in Rio? Cada um terá o seu, mas aqui há um argumento a favor do Green Day. As duas bandas, de Billie Joe Armstrong e de Chris Martin, trabalham com registros emocionais bem diferentes. O Green Day acessa a raiva – não o ódio, mas a raiva, algo mais doce – e o Coldplay vincula-se ao amor. Mas, independentemente da parte do cérebro em que atuam, os posicionamentos de Armstrong e Martin no palco são bem diferentes, e isso será definitivo no show que fazem. Mais honesto, o Green Day deixa que sua plateia sinta com liberdade o que a banda faz no palco. Sentir com liberdade, esse é o ponto. Assim como em literatura ou em cinema, as emoções podem ser muito manipuladas em um show, tornando possível a cronometragem do exato instante em que a primeira lágrima cairá do rosto de um fã. Este é o Coldplay. As almas comandadas o tempo todo pelo centralizador Martin não decidem nem quando as luzes que estão acopladas em seus braços serão acionadas. Deixem tudo com titio Chris Martin e apenas faça o que ele mandar. Um comportamento pecuário que seria preocupante se Martin fosse um cara do mal. Que bom que não.
Ivete Sangalo versus ninguém
Ivete Sangalo vive um dilema existencial. Seu show é grandioso, mas sua persona precisa de um discurso de engajamento factível para ser defendido antes que ela caia em um grau de desimportância irreversível. O entretenimento profissional e respeitoso ainda a segura em um festival como o Rock in Rio, mas o abismo que existe entre ela e uma nova Ludmilla, por exemplo, por todas as bandeiras que Lud traz naturalmente, vai aumentando. O Rock in Rio, assim como o Lollapalooza e todos os festivais que virão, precisam de militância. Não por uma questão de tomada de consciência dos empresários do show biz, mas para atrair patrocinadores que precisam atrelar suas imagens ao ativismo, o que os levará a falar com uma faixa imensa de novos clientes. Ativismo é fundamental e deve seguir em todos os palcos, mas acordem. Ele está se tornando um negócio milionário.
Megan Thee Stallion, o pior de tudo
Fui um caso de Procon. Os fãs que se sentirem enganados por terem pago por um show que não existiu, procurem seus direitos. Ou a moça não tinha repertório ou achou que brasileiro aceita qualquer coisa. Quase falou mais do que cantou e, no ápice da enrolação, passou um longo tempo chamando fãs para subirem ao palco e fazerem selfies a seu lado. Inacreditável.
“Histórico, incrível e potente”
Se tirarmos esses adjetivos, não haverá mais transmissão de Rock in Rio pela TV. Histórico, incrível, potente e “fulano entregou muito”. “Entregar”, um termo do meio corporativo, foi importado para a música por isso mesmo – nada mais corporativo do que um festival nessas proporções. Um artista precisa entregar seu produto, que é ele mesmo. Interessante quando o próprio artista usa o termo. Quanto a potente, tudo que passou pelo palco Mundo ou Sunset, segundo a transmissão da Multishow, era potente. Pelo menos não era histórico nem incrível. Ou seria os três ao mesmo tempo? “Histórico, incrível e potente.” Que venha 2024.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.