Roger Waters entrega o que promete logo no início. A tensão que ele cria com a imagem em seu telão gigante, de uma mulher sentada à beira de um oceano, é incrível. O mundo está prestes a acabar, mas isso só vai ser revelado quando ele estiver próximo de aparecer no palco.
Num momento crítico do show, a plateia urrou, alguns vaiando, outros apoiando, quando o nome do candidato Jair Bolsonaro apareceu na lista de neofascistas do mundo no telão gigante do palco. Ele ouviu xingamentos, uma pausa ocorreu e ele pareceu ficar sem saber o que fazer. Há relatos no Twitter de que milhares de pessoas deixaram o estádio após ele exibir um sinal escrito "Fuck the Pigs" (f* os porcos).
Num intervalo anterior, uma batalha de gritos de guerra começou logo que as luzes foram acesas. "Fora PT" se revezava com "Ele não".
"Eu acredito em direitos humanos", disse Waters no palco. "Sempre menciono meus irmãos e irmãs na Palestina que não têm direitos humanos agora. Eu acredito que eles são fundamentalmente importantes."
Em seguida, ele mencionou a eleição brasileira. "Em algum ponto vocês vão ter que decidir quem querer ver como presidente. Eu sei que não é da minha conta, mas quero dizer que em geral sou contra o ressurgimento do fascismo no mundo inteiro", continuou, para aplausos e vaias. "E com fé nos direitos humanos, o que inclui o direito de protestar pacificamente, eu preferiria não viver sob o governo de alguém que acredita que a ditadura militar é uma coisa boa. Eu me lembro dos dias ruins na América do Sul, com as ditaduras, e era feio", concluiu, antes de prosseguir com o show.
Waters é envolvido com a política do mundo. Em sua última turnê, usou como pôde a imagem do jovem Jean Charles, morto pela polícia londrina por engano em 2005 em um vagão de metrô. É também um ativista pelos pedidos de boicote cultural a Israel por discordar de sua política com os palestinos. Já escreveu cartas a Caetano e Gilberto Gil para que eles não fizessem suas apresentações pelas terras de Benjamin Netanyahu.
Ele também já falou várias vezes que as Ilhas Malvinas deveriam ser argentinas, e que não se orgulha do passado imperial e colonialista do Reino Unido.
O show
Breathe levanta as plateias lotadas, com mais uma revelação. No andar de cima das arquibancadas, em cada lateral e ao fundo, Waters usa conjuntos de caixas de som que vão criar o efeito surround.
Time é anunciada com o despertador de um relógio, e o som da plateia fica mais forte que o do palco. O rosto de Waters aparece pela primeira vez no telão e pode se perceber como os anos têm passado. Está mais curvado. Os cabelos longos e mais finos, os olhos mais fundos. A força de sua voz provoca o mesmo efeito.
Welcome to the Machine chega tensa e estrondosa. Waters está no centro do palco como um integrante, sem o mesmo protagonismo cênico de suas turnês anteriores. Sua imagem não é a que mais aparece no telão, o que dificulta a vida dos fãs mais distantes do palco.
De tão boas, as músicas do disco novo parecem saídas de algum álbum do Pink Floyd. Deja Vu, a primeira delas, faz até setores da plateia vip, tradicionalmente a mais dispersa, se calar. Um feito.
Depois de Picture That, Wish You Were Here. E a plateia canta pela primeira vez uma canção inteira.
Another Brick in the Wall começa com 12 pessoas encapuçadas como se fossem reféns do Estado Islâmico, imóveis no palco, prestes a serem decapitadas. Quando chega a parte do coro, elas retiram os capuzes. São todas crianças. Há um choque absurdo na plateia. Ao final da música, Waters explica que todas as crianças são brasileiras.
Waters volta ao palco do Allianz Parque, em São Paulo, nesta quarta-feira, 10. Depois ele segue para Brasília (13/10), Salvador (17/10), Belo Horizonte (21/10), Rio (24/10), Curitiba (27/10) e Porto Alegre (30/10).
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