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Samuel Rosa: ‘Não responder pelos atos é o que há de mais nefasto na condição humana’

Ao ‘Estadão’, cantor fala sobre fama e haters, comenta a estreia em carreira solo com ‘Rosa’, lançado agora nas plataformas, revela medo na vida pós-Skank e aborda arte e política: ‘Esse papo de ‘política não me interessa’ é tudo que o mau político quer’

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Por Gabriel Zorzetto
Atualização:
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entrevista comSamuel RosaMúsico

Mesmo que o mundo acabe em fim, Samuel Rosa terá lugar reservado no panteão dos astros da música brasileira. Longe de ser um qualquer vulgar, se provou um dos melhores compositores de sua geração e conquistou o Brasil com hits indefectíveis.

Inspirado pelo som dos Beatles e do Clube da Esquina, fez do Skank uma banda sonoramente complexa, inclassificável – amálgama de rock, pop, soul, bossa nova, ska e reagge que ostentou a brasilidade como estandarte vital, capaz de unir todas as tribos e clarear a escuridão.

Com o término do grupo mineiro, cristalizado na apoteótica apresentação de despedida no Mineirão em março de 2023 (cujo registro será lançado no fim deste ano), o músico de 58 anos agora se aventura pela primeira vez em carreira solo.

O disco Rosa tem lançamento nas plataformas digitais nesta quinta, 27, e apresenta sua primeira coleção de canções autorais desde Velocia (2014). A nova turnê de Samuel passa por São Paulo, no Espaço Unimed, em 2 de agosto (ingressos via ticket360).

O cantor recebeu a reportagem do Estadão em um escritório na zona oeste da capital paulista. Ele revelou ter “medo” na nova fase; adiantou a possibilidade de uma turnê com Nando Reis, coautor de sucessos como Resposta e É Uma Partida de Futebol, e falou ainda sobre o anonimato “criminoso” das redes sociais e sobre a relação complexa com a fama e política.

Cantor e compositor Samuel Rosa posa em escritório em São Paulo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Quanto do novo álbum já estava sendo preparado antes do fim do Skank?

10% do álbum estava prontinho (risos). Os outros 90% foram compostos agora, esse ano. Isso porque uma música estava pronta, Rio Dentro do Mar, que eu tinha feito um pouco antes da pandemia, antes do Skank parar. Durante o verão agora, janeiro e fevereiro, eu levei a [nova] banda para Belo Horizonte, compunha de manhã e de tarde levava as músicas para ensaiarmos. Nós fizemos quase 20 músicas. Escolhemos 10 dentre as 20.

Em algum momento durante a produção do disco você deixou de fazer algo para que não soasse como uma música do Skank?

Não, em momento algum. Acho que é uma luta perdida. Eu queria meramente me exercer sozinho, ter as rédeas na minha mão, responder por acertos e erros. Exercitar a minha capacidade criativa e tal, que há muito tempo eu não exercitava no Skank. O que é, mais ou menos, o desfecho de toda banda popular. É perder um pouco seu núcleo, sua força criativa, porque os processos têm início e hora para acabar. Não tem como você manter uma força criativa, por melhor que seja a banda, por mais inquietação que ela tenha.

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Nenhuma banda se sustenta 30 anos com o poder criativo dos seus primeiros 5, 10 anos.

Samuel Rosa, ex-vocalista do Skank

Você é um dos rostos mais conhecidos do Brasil. A fama te assusta?

Em alguns momentos, começo uma elucubração que me assusta um pouco, sabe? De ser observado, que é o esporte predileto, hoje, de todo mundo. É da condição humana. Sentir que o outro é humano como ele, que ele erra, que ele falha, principalmente alguém que ele admira. Percebo que isso, de certa forma, conforta as pessoas. E nós, pessoas conhecidas, somos agentes disso. Temos a capacidade de ditar a nossa relação com o grande público. Eu não tenho seguranças, não ando rápido na rua. Acho demais eu poder sair de casa de manhã, ir ao hortifrúti, comprar abacate e conversar de futebol com os caras, como cidadão comum. Eu construí isso. Tem gente que é menos popular que eu e tem segurança pra c*** e não sei o quê.

O grupo Skank, em 1995 Foto: Fernando Sampaio / Estadão – 27/3/1995

E como você lida, por exemplo, com falsos elogios e pessoas interesseiras?

Eu fico ligado nisso, tenho esse filtro. É muito difícil separar o que eu sou do que eu tenho. Como é que eu vou viver o tempo todo com essa neura de ‘ah, fulano tá do meu lado por causa disso e daquilo’. E as pessoas que chegam também pra alertar: ‘Sabe o ciclano? Então, ele te falou aquilo só porque você é o Samuel’. Isso pra mim é quase uma ofensa. Então eu não sou digno de amor das pessoas? Todo mundo só chega até mim porque eu sou uma pessoa conhecida? Você começa a ter uma paranoia. Se eu não fosse famoso, você acha que eu não mereceria um carinho, um agrado? Então essa pergunta sua, não dá pra responder. Se o cara vem com segundas intenções, eu também tenho que saber quais são as minhas. Muita gente tira proveito da fama, a famosa ‘carteirada’. Não faço isso.

Eventuais ataques nas redes sociais te incomodam?

Nas minhas redes, o que eu recebo na sua maioria são afagos, mas sei que há pessoas que estão ali destilando o veneno delas. Algumas precisam disso, mas até aí tudo bem, o que eu acho que não é legal é a pessoa fazer isso numa condição de não se responsabilizar pelo que está falando. E é isso que os mecanismos digitais têm. Então, não responder pelos atos é o que há de mais nefasto na condição humana. Estamos vivendo uma fase de pouca sofisticação e erudição. Não custaria nada você criar seu perfil e colocar seu CPF embaixo. Isso é um absurdo, é um crime do Instagram, do Facebook. Isso é um crime!

Nando Reis e Samuel Rosa se apresentam em show Foto: Marcos de Paula/Estadão

Você tem uma histórica parceria de hits com o Nando Reis. Pensam em fazer uma turnê conjunta?

Eu fico muito incomodado quando me colocam na prateleira dos intérpretes do Nando Reis. Eu sou parceiro. Já falei isso e ele morreu de rir. E, tadinho, ele levou a sério. As pessoas vão ao show e me contam depois que o Nando fala: ‘Essa aqui eu fiz com o Samuel, meu parceiro’. Ao contrário da Cássia [Eller] e de outros artistas. Mas não há demérito nenhum nisso. Pelo contrário, há muito mérito também por quem regrava e faz daquela canção um hit, mas eu acho que estou em outro patamar. Já conversamos sobre a possibilidade de uma turnê. Eu não sei se isso vai se dar. Nós tentamos fazer alguma coisa pra esse disco agora, mas não rolou, por questões dele, de tempo e minhas também, porque eu tinha uma certa urgência. Mas eu não descarto a possibilidade de fazer algo com ele no futuro. Eu não sei se seria no formato de cada um fazer seu show e depois ter uma interseção, com os dois cantando juntos, ou os dois no palco o tempo inteiro.

Samuel Rosa durante show em São Paulo, em 2014 Foto: CARLA CARNIEL

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Como está seu interesse pela política hoje? Está satisfeito com o atual governo?

Estou mais satisfeito do que eu estava com o governo anterior, muito mais. Eu participei da campanha do Lula na primeira eleição dele. Nós tocamos a campanha dele, declarei voto e tal. Mas como todo cidadão brasileiro, fiquei muito decepcionado com o mensalão, me afastei da política, não me posicionei. Mas chegou num momento em que minha classe foi muito atacada. Existia todo um plano ali para esvaziar a importância da opinião artística. E posições, assim, às vezes, ostensivas, belicosas, né? Coisa que eu nunca vi do outro lado. Então achei que era hora de me manifestar de novo. Fui muito pontual e escolhi o Lula para essa nova eleição. Não está sendo o que eu imaginava, mas já está sendo melhor. E entendo alguns motivos. Esse gasto, né? Claro, é um governo que olha mais para o lado social. Isso gasta dinheiro. Sei que isso pode contrariar muito os neoliberalistas que querem que o País seja rico a qualquer custo, independentemente de quantas pessoas sem teto você vai ter que desviar na rua para não tropeçar, né? Não compartilho desse pensamento. Eu abro mão de um país com a 5ª economia do mundo por um País que seja País pra todo mundo. Tenho esperança que isso possa acontecer. Não podemos perder a esperança de jeito nenhum, porque senão entregamos para eles, né?

Esse papo de ‘política não me interessa’ é tudo que o mau político quer.

Samuel Rosa

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Você se decepcionou com Sergio Moro?

Eu não apoiei o Moro. Tirar uma foto ao lado do Moro [em 2016] não foi [apoiar]... Eu já tirei foto ao lado de uma porção de gente e geralmente não peço a certidão negativa das pessoas pra tirar foto. E o Moro naquele momento ainda não tinha deixado quão explícito e tendencioso ele foi: um juiz que apitou um Atlético x Cruzeiro e, ao acabar o jogo, vestiu a camisa do Atlético. Nunca exaltei o Moro de forma alguma. Achei respeitosa a presença dele naquele momento [da foto]. Existia uma expectativa de que ele pudesse resolver alguma coisa. No final de um show, ele foi convidado ao camarim e dei um azar imenso porque na sequência descobriram uma falcatrua da mulher dele. E a foto que usavam [nas notícias] era a minha com o Moro. E daí virei o ‘amigo de infância do Moro’ (risos). Porra, então me deixa ser amigo de infância do Pelé, porque eu tirei foto com o Pelé!

Como é a sua relação com São Paulo?

É a minha cidade do coração. Nasci em Belo Horizonte, fui criado lá. Mas a cidade que eu adotei é São Paulo. Sempre gostei. Eu vim aqui a primeira vez aos 10 anos, lembro que ganhei do meu pai um jogo de botão do São Paulo. Não sou tricolor, sou cruzeirense. Almoçamos numa galeria que eu não lembro se era a Galeria do Rock. Foi em 1976 e eu já fiquei encantado pela cidade. Depois começamos a vir. Eu falei: ‘pô, é uma cidade onde as coisas funcionam’. Hoje eu tenho uma família aqui. Eu casei com uma paulista. Aqui é tudo mais fácil. O aeroporto está a 20 minutos da minha casa. Todos os voos passam por São Paulo. Mas não é por isso que eu escolhi a cidade. Eu escolhi porque eu gosto de São Paulo.

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