Locomotiva Discos, loja de vinis na República. Loja vende discos, CDs e outros tipos de mídia física. Foto: Pedro Lima/Estadão
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‘Saudade do que a gente não viveu’: o que explica a nostalgia da Geração Z pelo vinil?

‘Falsa nostalgia’, influência da família, modismo das redes sociais e até o marketing tentam explicar ascensão da mídia física entre os jovens

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Foto do author Vinícius Harfush
Atualização:

Um fenômeno curioso chama a atenção da indústria fonográfica: o crescente interesse da Geração Z, os chamados “nativos digitais”, pelos discos de vinil. Nascida do final dos anos 1990, até o início dos anos 2010, essa geração cresceu imersa na era digital e do streaming de música, sem ter experimentado a chamada “era de ouro” do LP.

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A nostalgia, de acordo com especialistas, poderia ser um dos principais fatores por trás dessa tendência, mas como sentir saudades de um período que não foi vivenciado por esses jovens?

Esse fenômeno, que pode ser descrito como “falsa nostalgia”, é na maioria alimentado por referências culturais e experiências compartilhadas por gerações anteriores, responsáveis por gerar um encanto por um tempo muito além da realidade vivida por essas pessoas, de uma época na qual elas sequer haviam nascido.

Um levantamento recente conduzido pela Pro-Música Brasil, filiada à Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), revelou um crescimento de 136% no faturamento oriundo das vendas de LPs no Brasil em um ano. Paralelamente, um estudo realizado pela Key Production, uma das maiores empresas de discos do Reino Unido, indicou que 59% dos jovens entre 18 e 24 anos já escutam música via mídias físicas. Entre o público de outras faixas etárias (de 25 a 65) o consumo de música em formatos físicos varia entre 40% e 45%. Apesar dos dados concretos sobre o aumento do consumo, as motivações por trás dessa tendência são mais complexas, e podem variar significativamente de indivíduo para indivíduo.

Para compreender adequadamente o conceito de nostalgia, é preciso “não romantizá-lo”. É o que diz Gerson Tomanari, professor do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Segundo ele, a nostalgia é uma emoção que evoca saudades de elementos quase sempre positivos e prazerosos do passado, e se manifesta na recuperação de memórias afetivas ligadas a situações ou objetos específicos, como os discos de vinil.

Esse fenômeno pode ser uma possibilidade para pessoas mais velhas, com idade para ter experimentado o auge do vinil, na qual a visita a lojas de discos e a interação social motivada por um interesse em comum poderiam desempenhar um papel fundamental para o sentimento nostálgico. No entanto, a nostalgia não explica o interesse dos jovens pelos LPs, motivados por outros fatores.

Para Tomanari, o interesse dos jovens por esse tipo de mídia é um fenômeno que merece uma investigação detalhada. No entanto, especula algumas hipóteses importantes para elucidar o comportamento. A primeira delas é a influência familiar, em que pais e avós que experimentaram o auge do vinil podem transmitir o apreço pelos discos aos mais novos. “Instiga a curiosidade e passa uma mensagem de que ‘meu pai, meu avô, minha mãe, gostam tanto e falam com tanto carinho e tanta emoção sobre os LPs. E aí os jovens embarcariam e iriam atrás dos vinis”, explica.

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Apaixonado por música, o arquiteto Leandro Amaral decidiu alugar uma antiga banca de jornais para vender discos de vinil no final de 2023. Por lá, a comunidade de pessoas que gostam desse universo se junta, aos fins de tarde de sábado, para conversar sobre os álbuns. Foto: Pedro Lima/Estadão

A qualidade do som é citada como o segundo aspecto que intensifica a relevância do vinil para a geração Z, especialmente para aqueles mais apaixonados por música. O som que emana do “bolachão” é muito particular e, para o professor da USP, “o chiadinho até dá uma vivacidade para a canção.”

Existe a expressão ‘saudade daquilo que você não viveu’. Passado o tempo, como mecanismo psicológico, a gente olha para trás pelo filtro das coisas positivas, romantizando uma certa época.

Gerson Tomanari, professor do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP)

O apelo retrô e vintage do disco é o terceiro e último ponto elencado por Tomanari. O modismo social foge completamente à qualidade da música e à influência de membros da família e acontece, principalmente, com os jovens mais engajados nas redes sociais. “A moda de curtir o retrô é interessante. Vira e mexe, ela aparece em diferentes momentos. No vinil, nas camisetas de time e no modo de se vestir. Na nossa cultura atual, somos muito valorizados, no grupo no qual vivemos, em função desses modismos”, avalia.

Para ele, o cotidiano humano é fortemente afetado pela influência das coisas antigas, e cita como exemplo o recente interesse da geração Z pelas câmeras fotográficas analógicas e também as digitais do final do século passado, como o modelo Cybershot.

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Entre as várias razões para o renascimento dos discos de vinil, a noção de nostalgia, especialmente a “nostalgia do que nunca foi vivido”, pode parecer complexa demais para ser a única explicação. Marcia Tosta Dias, professora de Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadora da indústria fonográfica, destaca que o atual interesse pelos discos de vinil não se concentra somente naqueles que, no passado, consumiam música apenas nesse formato.

Segundo ela, o público atualmente engajado com os LPs vai além daqueles com experiências originais de consumo. “Não acho que seja nostalgia, acho que é simplesmente uma moda. É um lugar conquistado na cultura que está sendo redescoberto e que conviverá com várias outras formas [de ouvir música].”

Acervo da Eric Discos, em São Paulo. Foto: Sabrina Legramandi/Estadão

O crescente movimento nas redes sociais que promove a redução do “tempo de tela” (como é chamado o período passado diante de celulares ou computadores) é visto como um elemento pouco provável para impulsionar o interesse dos jovens em mídias físicas. “Vejo colecionar vinis hoje como um hobby. Não acho que seja por conta disso que as pessoas estão largando a tela, mas elas têm cada vez mais consciência de que o tempo de tela é prejudicial para sua vida pessoal e social”, explica o professor Tomanari.

O pesquisador no Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e fundador do programa social Revivendo Memórias, Carlos Chechetti, acrescenta outro tópico a essa análise ao apontar que o interesse dos jovens por mídias físicas ultrapassa a esfera da influência e dos modismos. Para ele, trata-se também de buscar uma experiência sensorial mais intensa, algo inexistente no ambiente digital. “Ao escolher um vinil para tocar, por exemplo, vêm memórias positivas de um, negativas de outro, um disco que lembra uma viagem, uma pessoa. Isso traz essa experiência sensorial, emocional e social que ativa várias regiões do cérebro ao mesmo tempo. Mesmo parado, ouvindo a música, é como se estivesse dançando dentro da sua cabeça”, completa.

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O streaming traz uma praticidade muito grande, mas chega quase a matar a experiência e o charme de escutar uma música. Talvez as pessoas estejam buscando fugas de ter experiências mais verdadeiras do que digitais.

Carlos Chechetti, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

Chechetti destaca a importância da saúde mental neste cenário, reforçando como a hiperconectividade, caracterizada pela imersão em ambientes digitais, afeta o cotidiano. Diferentemente de alguns anos atrás, não conseguimos mais, por conta dos smartphones, separar os momentos conectados e desconectados. Com a quantidade de informações e a velocidade com que elas chegam pelas mídias sociais, os níveis de ansiedade dos usuários ficam mais elevados.

O avanço dos sistemas de inteligência artificial, por exemplo, preocupam o pesquisador. Ele sugere que, distantes do universo digital, as pessoas têm a oportunidade de se engajar em experiências mais artísticas e profundamente humanas - e isso se estende para todas as gerações, e não apenas a Z. “Não estou confiante sobre o quanto a inteligência artificial vai deixar a gente mais criativo e nos deixar ter mais tempo livre, mais lazer longe das telas.”

Fábrica Vinil Brasil, no Bom Retiro, em São Paulo, também possui selo próprio para lançamento de títulos, e já lançou mais de 900 álbuns. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O proprietário de uma fábrica de discos de vinil em São Paulo, a Vinil Brasil, Michel Nath, que viu sua produção crescer pelo menos 15% do ano passado até o momento, compartilha a mesma opinião em relação às IAs. Para ele, embora úteis para pesquisa e organização de dados, essas ferramentas não conseguem capturar a essência da sensibilidade e criatividade humana. “Meu celular não é muito sentimental. Meu computador também não. O objeto mais sentimental que eu tenho em casa é minha guitarra, mas ela precisa estar plugada em mim para ter essa sensibilidade”, comenta.

O pesquisador e psicanalista André Alves analisa que a constante busca por novidades leva as pessoas a explorarem conteúdos de diferentes épocas, também impulsionadas pela acessibilidade proporcionada pela tecnologia. Para explicar a volta dos vinis e de outros costumes de épocas passadas, ele referencia o conceito da Escola de Frankfurt, explicando que a reprodução em massa da arte poderia levar a um estado de uniformidade, onde o entusiasmo pelo que é disponibilizado culmina em um ciclo de repetições.

Alves aponta que algumas práticas culturais atuais visam mais ao engajamento do que à transformação, resultando em um retorno cíclico de tendências antigas. “Esse é um dos grandes paradoxos da existência humana que aborda o novo e a imprevisibilidade do novo e o seguro e o conforto do seguro, que é o que as pessoas geralmente recorrem.”

O analógico pode, ainda, retomar uma possibilidade de relaxamento nos momentos de interação com a cultura, como ouvir uma música sem estar na frente de uma tela. “Estar com um dispositivo na mão pode ser uma tentação para te levar para outras coisas, a partir de propagandas e notificações. Talvez exista uma oposição entre o excesso que nos é oferecido o tempo inteiro por esses dispositivos contra as limitações de um meio analógico, como o vinil.”

‘Economia da nostalgia’ traz de volta à moda os elementos do passado

A definição do conceito de ‘economia da nostalgia’ é simples: consumo de algum produto que lembre um momento do passado. Helena Belintani Shigaki, professora da Fundação Dom Cabral e especialista em comportamento do consumidor, observa que a Geração Z possui uma preocupação acentuada com a felicidade, explorando frequentemente a relação entre passado, presente e futuro para construir uma autenticidade pessoal. “O consumo nostálgico traz um pouco de exclusividade, principalmente quando nos referimos aos que estão na categoria vintage - raramente encontrados por serem produtos mais autênticos.”

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Além disso, Helena destaca que cinco gerações distintas convivem e trabalham simultaneamente nos dias atuais, permitindo que os Gen Z tenham contato direto com as gerações Y, X e com os baby boomers. Essa interação facilita o acesso dos mais jovens a uma grande variedade de influências culturais, incluindo aquelas de décadas passadas. Essa convivência diária entre indivíduos de diferentes faixas etárias pode desempenhar um papel de influência importante na transmissão e adoção de preferências por estilos e gostos de outras épocas pela nova geração.

A experiência sensorial possui um papel essencial no consumo motivado pela nostalgia, mesmo que essa sensação seja passada pelas redes sociais. “O compartilhamento destas experiências por meio da mídia social é uma forma de fazer com que o outro também sinta algo, que viva contigo aquela nostalgia”, explica a professora. Como exemplo, Helena cita o fenômeno dos vídeos de unboxing no YouTube, nos quais a emoção de uma nova aquisição é retratada pela experiência de outra pessoa.

Sonzera Records, na República, é uma das lojas de vinis localizadas na Galeria Nova Barão. Foto: Pedro Lima/Estadão

Juliana Agra, publicitária e estrategista de conteúdo que investigou a aplicação deste conceito pelo mercado, observa que a nostalgia, frequentemente associada a uma visão idealizada e romantizada do passado, é usada por marcas para estabelecer uma conexão emocional com a Geração Z. Segundo ela, isso é caracterizada por não ser facilmente influenciada por essas empresas. “Os mais jovens são muito livres e têm muita propriedade do que fazem. É muito mais assertivo para uma marca, considerando esse ponto, investir em uma coisa que já funcionou no passado. É preciso só entender o contexto que estamos agora para fazer funcionar de novo. É bem mais fácil”, comenta.

A ideia de retromarketing, que analisa estratégias para reavivar o sentimento nostálgico entre consumidores, ajuda a entender o interesse renovado em vinis por parte dos jovens. A percepção de maior durabilidade de produtos antigos, incluindo discos, serve como um atrativo para marcas que reintroduzem esses itens ao mercado. “Existe a parte estética de parecer um produto antigo e tem esse lado de trazer um produto durável, que funciona e que é resistente.”

Retomando a ideia apresentada pelo pesquisador e psicanalista André Alves sobre o apego natural do ser humano em coisas que trazem segurança e previsibilidade, Juliana lembra de outros costumes que voltaram à moda além do vinil. “Pessoas de vinte anos na rua usando mullet, roupas antigas. Parece que você está em outra década. As marcas entenderam que os jovens querem isso, e se apropriaram disso para vender. Existe essa necessidade de se prender a algo mais estável, de tempos mais estáveis”, acrescenta.

Jovens escolhem mídia física pela qualidade de som e experiência sensorial com os álbuns

Vindo de uma família nada musical, Keith Liam, de 22 anos, teve seu primeiro contato apaixonado com a música na infância, durante uma performance de uma banda cover dos Beatles em um programa de TV. Naquela época, apesar de um acesso restrito à internet, a curiosidade de Liam o impulsionou a explorar mais canções do grupo britânico em websites que disponibilizavam seus álbuns gratuitamente. Essa jornada musical fez com que Paul McCartney se tornasse a figura mais influente e inspiradora no panorama da indústria fonográfica para ele. “Tive zero influência da minha família. Foi um acaso. Se eu dependesse deles, não ia ter contato com isso nunca. Então foi ‘xeretando’, mesmo.”

Agora é mais valoroso para mim ouvir uma música em um disco do que escutar pelo streaming. A qualidade do áudio também é sensacional no vinil.

Keith Liam, músico e colecionador de vinis

Iniciando sua coleção de vinis há menos de um ano, Liam possui cerca de 30 LPs na estante. Para adquirir novos discos, ele é guiado tanto por suas preferências pessoais quanto pela curiosidade de explorar músicas desconhecidas, o que, segundo ele, é uma forma de ‘experimentar’ novos sons.

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Em uma ocasião, Liam e seus amigos compraram o equivalente a mais de R$ 1.500 em vinis de uma só vez. Além disso, ele também conta que já trocou uma edição rara de uma camiseta de futebol por um álbum de McCartney, que custava R$ 400.

CDs responderam por 30% do faturamento de mídia física no Brasil em 2023, diz levantamento da Pro-Música. Foto: Pedro Lima/Estadão

Em casa, ele revela que recorre ao streaming apenas quando deseja escutar músicas que ainda não fazem parte de sua coleção física. Para o músico, a questão da qualidade sonora é primordial. Ele argumenta que, apesar das promessas de som de “alta-fidelidade” feitas por algumas plataformas digitais, estas nem sempre reproduzem um áudio tão limpo como o dos discos de vinil. “Logicamente você vai gostar mais, também, se você tiver um apego a essas relíquias ou se você é um colecionador e quer escutar os seus discos, mas a qualidade do áudio também é sensacional”, afirma.

Já o colecionador de CDs por influência de seu pai, o escritor e roteirista Augusto Alvarenga conta que lembra de escolher vários álbuns para escutar durante longas viagens de carro, numa época anterior à popularização dos aparelhos de MP3. Ele destaca que sua conexão com a mídia física fortaleceu seu vínculo com a música e, conforme crescia, buscava intensificar essa interação. “Tudo isso me lembra de momentos bons da infância, aquela nostalgia gostosa. E acho que a mídia física, o encarte de um CD, é um complemento. Deixa a experiência mais completa”, reflete. Mesmo assim, o mineiro de 28 anos reforça que o sentimento de nostalgia que relata sentir diz respeito apenas aos CDs, e não se estende aos vinis - já que são de um período em que ele ainda não havia nascido.

Por conta dos altos preços, ele vendeu a maior parte de seu acervo de discos de vinis. Foto: Augusto Alvarenga/Arquivo Pessoal

No início, ele queria ter os álbuns favoritos em LP para exibi-los na prateleira de casa. Depois do ‘boom’ dos discos nas redes sociais, tornando o item mais “descolado” e procurado por muitos, Alvarenga decidiu comprar uma vitrola para ouvir os ‘bolachões’: “Virou um hobby mesmo. Com isso, os preços foram lá nas alturas, até por isso eu dei uma parada com o vinil. É só um caso muito raro em que o material gráfico vale muito a pena, senão eu fico mais no CD agora”, relata. O escritor diz que tem 150 CDs na estante, e já chegou a possuir mais de 100 LPs.

Ficar longe da tela também é muito gostoso e tem me acalmado. A velocidade do nosso mundo, de tantos estímulos, aumenta a ansiedade. É muito bom poder focar no que eu estou ouvindo.

Augusto Alvarenga, escritor e roteirista

Na era do streaming, ele valoriza a conveniência e a acessibilidade das plataformas digitais, e revela que se mantém como um usuário frequente dessa mídia online. Ele equilibra essa conveniência com um apreço pela mídia física, especialmente pelos CDs, pela maior qualidade do som e pelo valor sentimental que mantém por esse formato. Além disso, ouvir música fora dos meios digitais é, para Alvarenga, uma forma de relaxar. “Se eu tenho um período em que não estou trabalhando, eu vou para o quarto e ligo o som. É aquela música amplificada, que preenche todo o ambiente, o espaço, e aí, nesses casos, eu prefiro o CD. Aquele momento de descontração, de esquecer tudo, de descanso mesmo.”

Para Augusto, algumas coisas não deveriam desaparecer, como o disco. Mesmo com outras formas de consumo mais práticas, nem sempre a praticidade é o ideal para todos os momentos. “Às vezes você só quer dar um play e dirigir, mas às vezes você quer ter um momento com aquela música”, argumenta.

O escritor diz ainda que o vinil virou uma forma de conexão entre diferentes pessoas que têm o mesmo gosto, e que as redes sociais servem como ponto de partida para a criação de comunidades que amam o LP: “Quando você compra um disco e posta, você se afirma como um amante de música. Outra pessoa vai ter uma identificação, vocês começam a conversar. Tem baladas hoje em dia que os DJs são tocam discos, por exemplo.”

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Com esse processo de experimentação da música, de ouvir a música, especialmente no vinil mais antigo, as pessoas vão achando sua identidade para chegar nessa autenticidade.

Carlos Chechetti, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

Conheça o ‘boteco de vinil’

Se o consumo dos discos de vinil não é uma opção viável dentro de casa, dá para dizer que, hoje, São Paulo oferece experiências imersivas no mundo dos LPs espalhadas em alguns bairros da cidade. Quase em frente ao Largo da Batata, no bairro de Pinheiros, a sem saída Rua Fernão Dias abriga um ambiente intimista, com uma decoração que remete à uma sala de estar. Não à toa, o Salabar, um ‘boteco de vinil’, como eles se definem, oferece ao seu público um cardápio de drinks variados, algumas opções de petisco e, claro, um show a parte comandado por DJs que tocam apenas com discos.

O casal de publicitários Jessica Peres e Douglas Priester viviam, antes da pandemia, uma rotina bem característica de suas profissões, onde a hiperconectividade com o mundo digital não era uma opção. Mas foi buscando um momento de desconexão que os dois começaram a olhar com carinho para os discos de vinil, e logo se apaixonaram pelo mundo dos LPs. Embalados ao som do jazz e bossa nova de Marcos Valle, ídolo de uma geração ainda anterior à deles, juntaram alguns ‘bolachões’ de garimpo de lojas de galeria e de rua, com outros selecionados nas coleções dos pais para montarem sua própria mini estante de vinis.

Um dos ambientes do boteco de vinil Salabar Foto: Boteco Salabar/Divulgação

Não demorou muito para Jessica e Douglas perceberam que os discos estavam mais popularizados do que o normal. Mas o que esse movimento significaria? Um hype passageiro? Na visão de Jessica, na verdade, foi uma oportunidade de investir num mercado que estava em crescimento e, por isso, teve a ideia de desenvolver um boteco de vinil em um dos bairros mais badalados da capital paulista. “Mas a gente não queria essa pompa toda. Queríamos algo mais simples, que realmente fosse uma sala. Que a pessoa pudesse colar lá, e puxamos a nossa raiz brasileira, principalmente”, explica a publicitária.

Partiu da influência do meu pai e da minha tia, que faleceu há uns cinco anos. E depois de um tempo eu mergulhei em algo que eu não mexia desde que ela era viva. Foi muito nostálgico e muito gostoso também. Eu percebi que ela tinha muito mais interesses que talvez não conversávamos tanto quando ela estava viva. Foi um jeito que eu consegui me conectar bem com ela e com o meu pai também

Claudia Job Paula, atriz e sócia do Salabar

O casal se juntou à amiga e atriz Claudia Job Paula e, assim, fecharam o trio de sócios do Salabar. E o funcionamento do espaço é bem simples. Com uma pegada de jazz, disco e house, o boteco recebe, de quarta a sábado, DJs amantes do formato para tocarem seus melhores exemplares de vinil. Mas não apenas esses músicos profissionais. Douglas relata que, assim como ele começou como o primeiro DJ da casa, outros colecionadores de vinil são convidados para se apresentarem no bar.

A proposta é que o DJ ou colecionador se sinta livre para apresentar sua coleção e escolher quais discos quer levar para montar o setlist da noite. Um mixer é disponibilizado para que dois discos sejam rodados simultaneamente, permitindo a troca de faixas como se fosse um DJ no estilo mais ‘tradicional’ - sem a obrigatoriedade de seguir a ordem de um disco só.

Tem DJ que, inclusive, só toca com um disco pequenininho, que é de uma música só, porque dessa forma ele consegue carregar menos peso pra ir pros lugares. Ele só leva as músicas que ele sabe que vai tocar também. Então, apesar de ser vinil, não tem essa limitação nenhuma.

Jessica Peres, sócia e idealizadora do Salabar

Além da vontade de transformar o hobby em negócio, o casal ressalta que viu fora do Brasil alguns espaços que serviram de influência para montar o Salabar. O Gris Gris Bar, que fica em Buenos Aires, capital da Argentina, e a Noh Radio, em Istambul, na Turquia, já tinham sido visitados pelos dois em viagens anteriores e fizeram os olhos brilharem ao se conectarem com aquela experiência.

“Para nós, aqui, é uma questão de amor a isso (o vinil). E a certeza de que é uma coisa boa e gostosa de se viver. Foi o que nos fez começar a falar dos discos, colecionar e pensar em montar um negócio com isso. Querendo ou não, já víamos essa tendência fora daqui e entramos em lugares como o Salabar, com uma pegada despretensiosa, mas tocando excelentes vinis”, compartilhou Jessica.

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