Em algum momento do final da primeira década dos anos 2000, os Yeah Yeah Yeahs fizeram uma opção na carreira: não iriam participar do circo da grande indústria. Todos os olhares estavam voltados para eles e para a cena de Nova York daqueles tempos, a última grande explosão criativa do rock. Eles poderiam ter surfado de um jeito diferente, mais rentável.
Mas, assim como os outros colegas, incluindo o grande nome da cena, os Strokes, eles decidiram seguir fazendo shows explosivos de rock de garagem, mesmo que em espaços muito maiores do que uma garagem, sem abrir concessões. O espólio não reivindicado ficou com Killers, Arctic Monkeys e outros espertos que não eram eles.
O show da banda de Karen O na noite deste sábado, 9, no The Town, foi uma consequência dessa escolha. Uma apresentação incrivel de uma banda que sabe usar vocais e guitarras de rock de um jeito que parece ao mesmo tempo inovador e raiz, para um público que não ligava muito para isso. É que eles estavam abrindo para o Foo Fighters, uma banda que fez a opção oposta uma década antes: pegou o legado combativo do Nirvana e fez tudo o que podia para transformar em rock de arena amigável.
A pequena massa pulando junto com a inquieta Karen lá na frente enquanto a grande massa passeava, conversava e circulava pelo Autódromo de Interlagos, indiferente, conta essa pedaço da história recente do rock. Na dançante Heads Will Roll, mais para o fim, o público esboça uma reação. É a famosa exceção que prova a regra.
Foi dose ouvir o povo conversando enquanto o guitarrista e tecladista Nick Zinner tocava blues com a distorção saturada que aprendeu com Cramps e John Spencer e reprocessou para a cena de rock dançante de Nova York. Difícil ver o povo parado enquanto os sintetizadores de Zero davam novo sentido ao synthpop dos anos 80 - assim como as músicas do álbum mais recente, Cool It Down, mais climáticas, que dificultam ainda mais a conexão com o público.
Mas Karen O fez sua escolha e seguiu pulando, enfiando o microfone na boca, subindo na bateria, jogando para cima aos poucos as peças da elaborada roupa com que subiu ao palco, enquanto cantava na medida em que a alta energia da música pedia - afinal, ela segue a escola esquecida de Debbie Harry, da voz sem floreio do tamanho que a música pede, sem mais nem menos.
Aqui é preciso notar: Karen não é a mesma dos festivais dos idos de 2008, quando fazia a mesma coisa em velocidade acelerada. O álbum novo, como já explicado, ajuda nesse clima mais plácido. De qualquer forma, já era esperado que não seria um show tão pesado quanto o do Queens of the Stone Age, banda que faria a apresentação, mas teve wu cancelar por motivo de saúde, e foi substituída pelo grupo de Karen O de última hora.
Mesmo assim, a história foi essa em todo os sentidos, do som à luz. A banda usa bastões de luzes coloridas que vão dando o clima ao longo do show, com bom gosto e sutileza. Algo que não combina muito com o The Town, inimigo do sutil. Quem viu o show de música eletrônica pirotécnica de Alok sabe disso.
O jeito foi ouvir Karen O cantar Maps, a música de amor mais bonita do rock desta década, e tentar tapar os ouvidos para a conversinha do povo ao redor, tão furada e duvidosa quanto esse texto. Mesmo esse momento foi atrapalhado no final por uma fã presa na tirolesa. Simpática, Karen O parou o show e esperou um minuto pelo resgate. Paciência.
Setlist do Yeah Yeah Yeahs no The Town 2023
- Spitting Off The Edge of The World
- Cheated Hearts
- Pin
- Burning
- Zero
- Soft Shock
- Lovebomb
- Gold Lion
- Maps
- Heads Will Roll
- Y Control
- Date With The Night
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