Há algo que faz um salto no tempo, talvez seja impressão, talvez tenha um fundamento. Com Stela Campos, o disco lançado agora, Stela Campos, a artista, faz um nó na cabeça de quem pensa no tempo como algo linear, de começo (passado), meio (presente) e fim (futuro).
Porque seu novo álbum sai em formato digital (já está disponível nas plataformas de música por streaming, por exemplo), mas também sai como fita cassete – uma belezinha com preço de R$ 30, encarte bonito e plástico laranja. Passado e futuro em um mesmo disco, percebem?
Curioso é quem conhece a obra da cantora e compositora, heroína do indie paulistano (cidade onde ela nasceu) e pernambucano (para onde se mudou pouco antes do estouro do movimento artístico conhecido como manguebeat, e por lá viveu por seis anos), sabe de um EP lançado por ela, dez anos atrás, com cinco versões de músicas de Daniel Johnston, um artista cujo talento acabou apagado pelos fantasmas da cabeça dele, mas, ainda assim, uma figura importante para nomes como, veja só, Kurt Cobain, do Nirvana.
Johnston, nos anos 1990, passou uma década gravando em casa, uma por uma, suas fitinhas cassetes. Stela não grava uma a uma, mas o “espírito vintage” e do “faça você mesmo” é o mesmo – isso sem falar no som das cassetes, que se difere dos streamings e, inclusive, passou por uma mixagem própria.
Desde a concepção, o disco Stela Campos se difere dos outros trabalhos da artista. Segue uma pegada mostrada em Dumbo, o elogiado álbum anterior, de 2013, bem roqueiro, e mantém a banda que a acompanha desde Dumbo: Stela (guitarra, violão e voz), Clayton Martin (do Cidadão Instigado, na guitarra), Diogo Valentino (Supercordas, no baixo), Monstro (Lulina, nos teclados) e Felipe Maia (Marrero, na bateria).
A diferença está na linguagem estética que privilegia o violão e a voz de Stela, cujos versos são um mergulho então inédito na sua própria história.
O sexto álbum de Stela, de início, não seria um disco. Talvez fosse um EP, talvez alguns singles. Não era esse o plano, mas as composições dela se impuseram. E foi em um período no qual a tecnologia decidiu deixá-la na mão. Stela compõe nas madrugadas e seu computador e os programas de gravação deixaram de funcionar.
Ela seguiu gravando, desta vez, sem recursos e retoques. “Foi uma coisa mais crua”, ela conta, “as músicas surgiram dessa forma.” Canções, essas, que por vezes nasceram inteiras, com começo, meio e fim. Como é o caso da música Into The Night.
O disco, então, “tem algo de resgate, mesmo”, ela explica. “Há anos eu não compunha sozinha”, conta Stela. “Foi um momento de retomar esse hábito que tinha na adolescência, de compor ao violão.” Ali, “escondida do mundo”, como Stela diz, ela mergulhou pra dentro de si. E encontrou, lá, esse buraco temporal, onde passado, presente e futuro se misturam.
STELA CAMPOS Casa do Mancha. Rua Felipe de Alcaçova, 89, Pinheiros, tel.: 3796-7981. Amanhã (6ª), às 21h. R$ 20.Mais informações aqui.
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