O frevo tá vivo ainda lá. A frase, que parafraseia verso criado por Dorival Caymmi para a canção Adalgisa, cabe perfeitamente para definir o frevo, muitas vezes, como ritmo e dança, limitado ao carnaval.
Manifestação nascida em Pernambuco entre o final do século 19 e início do século 20, o frevo faz parte da música popular brasileira do dia a dia como qualquer outro gênero – melodistas como Tom Jobim e Edu Lobo se renderam a ele. E, se não estiver presente, é capaz de dar permissão para que canções se aproximem de seu modo acelerado.
Três álbuns atuais mostram isso de maneira clara – e, obviamente, não à toa, foram lançados às portas do carnaval.
O primeiro deles é de um folião pernambucano que tem total local de canto no assunto: Alceu Valença. Em Bicho Maluco Beleza – Carnaval, Alceu, ao lado de convidados na maioria das faixas, canta ou transforma dez canções em frevo.
Com Maria Bethânia, Alceu regravou o frevo canção De Janeiro a Janeiro, com arranjo marcado pelo toque dos sopros dos metais. Com Elba, a velocidade aumenta em Caia Por Cima de Mim. O mesmo ocorre com Lenine em Bom Demais e O Homem da Meia-Noite, em dueto com Almério, que descreve a brincadeira carnavalesca típica de Olinda.
Música composta por Alceu, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo, a balada Táxi Lunar ganhou o acento do frevo – versão já consagrada há tempos pelas ruas e blocos. O forró Bicho Maluco Beleza também foi vertido para os toques do ritmo com a participação de Ivete Sangalo. São os dois melhores exemplos dessa abertura que o frevo permite.
O álbum Moraes É Frevo, que aborda a produção de Moraes Moreira (1947-2020), nos faz lembrar que o cantor e compositor foi quem colocou letra no chamado frevo baiano, que por muito tempo dominou o carnaval de Salvador. Daí para ciar na boca do povo foi questão de tempo. A produção é do músico Davi Moraes, filho de Moraes, e do baterista Pupillo.
Até hoje pode ser ouvido nos toques dos trios elétricos, mesmo que tudo tenha se misturado mais ainda, com, lá atrás, o samba reggae nascido nos blocos afros e, da década de 1990 em diante, com o pagode baiano oriundo do samba de roda.
Em Moraes é Frevo há, por exemplo, a versão em frevo de Preta Pretinha, do repertório dos Novos Baianos, na voz do paulistano Criolo. Pombo Correio, o primeiro frevo baiano de Dodô e Osmar - criadores do trio elétrico – a ganhar letra em 1977 ficou a cargo de Otto.
Todos os arranjos do álbum foram escritos por maestros pernambucanos, Maestro Spok, Maestro Duda, Henrique Albino e Nilsinho Amarante. Em vida, Moraes nunca havia trabalhado com arranjadores da terra do frevo.
Quem escrevia os arranjos para os frevos de Moraes, na maioria das vezes, era o fluminense Lincoln Olivetti. É dele as inesquecíveis frases musicais de Festa do Interior, lançada pela baiana Gal Costa em 1981. Um verdadeiro sucesso nacional que, nesse álbum, é revivido por Maria Rita.
Pernambucano de Garanhuns, o cantor Romero Ferro também acaba de colocar nas plataformas musicais o álbum Frevália – Lado A, com cinco canções. Ligado ao pop, Romero parte do frevo para promover uma mistura de ritmos, algo que têm marcado a produção musical atual.
Em Banho de Cheiro, hit de Elba Ramalho em 1983, Romero usa batidas eletrônicas para atualizar o ritmo. Em sua companhia, a cantora Daniela Mercury. Já Em Plena Lua de Mel, com Gaby Amarantos, é tecnobrega que se afasta do frevo, mas está conectada com um gênero que já chegou ao sertanejo e no qual a cantora Pabblo Vittar tem investido.
Irônico é faixa do álbum na qual Romero se saiu melhor em sua intenção. Ela junta Romero, Clarice Falcão e Maestro Forró em letra e melodia atraentes. Um passo adiante do frevo que deve e precisa se manter vivo e conectado com a música brasileira atual.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.