Tulipa Ruiz chega ao terceiro disco movida pela experimentação

Cantora lança 'Dancê', que traz participações especiais de João Donato e Lanny Gordin

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“Diário do novo disco. Nome: indefinido. São Paulo, 13 de dezembro. Na verdade, o disco começou no dia 12 de dezembro, em Sampa. Ou melhor, quando saímos de Sampa. Eu e Gustavo, no carro. Rumo a Camburi.” Tulipa Ruiz recita, radiante, as primeiras linhas escritas em um diário da gravação do novo disco, Dancê, a ser lançado nesta terça-feira, 5, encontrado na mochila que levava consigo na entrevista ao Estado. O irmão, produtor e parceiro de composições Gustavo Ruiz, sentado do outro lado da mesa do café, também está surpreso: “Não acredito que você escreveu isso”. Tulipa confirma, ainda folheando as páginas anotadas. E volta a lê-las. “Queríamos tirar alguns dias, eu e Gustavo, antes de começarmos os ensaios com a banda, em janeiro. A casa na praia foi providencial. Ou seja, o disco começou no Citroën do Gustavo.” 

Dancê, álbum que foi selecionado para receber o apoio do projeto Natura Musical, nasceu ainda antes daquela descida de serra de Tulipa e Gustavo. Ainda na turnê do segundo disco dela, Tudo Tanto (2012), nos períodos de intervalo entre os mais de 120 shows, Tulipa e Gustavo reuniam trechos de músicas, ideias, rascunhos que, certo dia, poderiam vir a ser canções cheias. 

A cantora Tulipa Ruiz, que lançao disco 'Dancê' Foto: RAFAEL ARBEX/ESTADÃO

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A vivência da estrada, o calor recebido do público, a turnê em si funcionou com um combustível para Tulipa. Se em Tudo Tanto, sucessor da estreia Efêmera, havia destaque para momentos mais rasgados ou intimistas, a cantora e compositora sonhava que o terceiro álbum teria uma ilustração de Robert Crumb e teria essa levada dançante. A ideia de Crumb acabou abandonada porque uma representante do norte-americano avisou que ele estava aposentado, morando no sul da França. Colocar o público para dançar, contudo, manteve-se como o cerne dos planos dos dois.

Depois do período na praia, os irmãos se juntaram à banda – Marcio Arantes (baixo), Caio Lopes (bateria) e o pai deles, Luiz Chagas (guitarra) – em um sítio próximo a Campinas, já com as bases e pré-produção definida. E o diário, por sua vez, deixou de ter total atenção de Tulipa. Os textos deram lugar a esboços e rascunhos. “Ah, mas olha aqui”, diz ela, lendo. “No carro ouvimos Fiona Apple, Caetano Veloso e Dirty Projectors”. Uma mistura, no mínimo, dançante. 

Quando João Donato entrou no estúdio, em São Paulo, para gravar a participação no terceiro disco da Tulipa Ruiz, Dancê, foi recebido pelos integrantes da banda vestidos com camisas floridas, como costuma usar o músico acriano de 80. “O combinado era que todos estivéssemos ‘na estica’ quando ele viesse gravar”, conta Tulipa. 

A presença de Donato, assim como de outras no álbum lançado nesta terça-feira, 5, como Lanny Gordin em Expirou ou a banda Metá Metá em Algo Maior, não eram planejadas previamente pela cantora e compositora ou seu irmão, o produtor e também compositor Gustavo Ruiz. “Isso me faz ficar apaixonada pelo processo”, conta ela. Quando Lulu Santos foi chamado para participar de Dois Cafés, canção embebida no pop do segundo álbum dela, Tudo Tanto (2012), também foi um processo semelhante, uma ideia surgida durante as gravações. 

Antes de entrarem oficialmente no estúdio Red Bull Station, em São Paulo, Tulipa, Gustavo e a banda, formada por Luiz Chagas (pai deles e guitarrista), Márcio Arantes (baixista) e Caio Lopes (baterista), passaram por período de 15 dias em um sítio, em Joaquim Egídio, distrito de Campinas. Ali, a imersão naquelas que seriam as 11 canções de Dancê era completa. “Só tinha visto isso, de banda ir para um sítio para gravar, em programa da MTV”, brinca Tulipa. “Quando eu e o Gustavo nos juntamos para fazer música, entramos em um modo hiperativo de produção. Chegamos ao sítio já com coisas montadas.”

 

Ela havia contado a Gustavo qual era a ideia para o disco. “Queria algo dançante, no sentido de celebração”, diz Tulipa. “Para mim, é importante quando a música bate e já fica com vontade de dançar. Gosto disso, queria provocar isso nas pessoas: um disco no qual você sinta primeiro pelos poros e depois vá para a sua cabeça.” 

O irmão é o grande responsável por transpor as ideias dela para o que se escuta em Dancê. Uma sonoridade “mais aberta”, como ele gosta de dizer. Um show realizado ao lado de Otto e Baby do Brasil, no fim do ano passado, ajudou o produtor a encontrar algo para norteá-lo. Criou arranjos de metais e percebeu que tinha, diante de si, algo que poderia ser desenvolvido para o novo trabalho. No disco, arranjos de metais e sopros, criados pelo também baixista Márcio Arantes e Jacques Mathias, respectivamente, formam a primeira camada a ser sentida na pele na audição de sete das 11 faixas do novo disco.

 

 

Assim como no trabalho anterior, Tudo Tanto, a convivência e afinidade criada nos longos períodos de turnê entre a família Ruiz e banda é responsável por dar ao disco um caráter coletivo. “Não sinto como se esse disco fosse de uma cantora solo, mas, sim, de uma banda que está tomando força na estrada entre um disco e outro”, diz Tulipa. Gustavo concorda: “De uma forma inconsciente, ela foi guardando uma série de signos e códigos que nos fazem soar dessa maneira. Ela passou por muita coisa, muita gente. Nós todos experienciamos isso”.

Na entressafra entre um disco e outro, dois lançamentos apontavam, mesmo que de forma inconsciente, para o que viria a seguir: caso de dois remixes e single Megalomania, criado pela banda durante a turnê, no improviso. Em Dancê, a criação coletiva está, por exemplo, em Reclame. A banda tocava enquanto a cantora tinha a ideia de versos vindos de anúncios colados em postes pela cidade. “Trago seu amor de volta” foi o primeiro. Depois da banda criar os arranjos, Tulipa passou por uma noite de exercício de composição e encontrou o caminho para suas palavras.

 

Dancê, por fim, é a reunião das experiências dos irmãos Ruiz ao longo desses cinco anos, desde a estreia com Efêmera. Direta ou indiretamente, elas estão ligadas à nova produção, no improviso ou memórias ao lado de gente como Donato e Gordin. Gustavo guarda, no celular, um vídeo no qual músico acriano ensaia para gravar a canção Tafetá, em casa. “É muito bonitinho”, diz. “Isso é para guardar”, responde ela. 

FAIXA A FAIXA:

1 - Prumo. Tulipa Ruiz: “É a história de uma pessoa que quer tomar as rédeas da própria vida”
2 - Proporcional. Tulipa: “Música para falar que, no amor, tudo tem cabimento”
3 - Tafetá. Tulipa: “Uma declaração de amor a João Donato” 
4 - Elixir. Tulipa: “Vivemos num momento ruidoso. É uma música que fala sobre o silêncio, zero reflexão”
5 - Reclame. Gustavo Ruiz: “É uma propaganda. Insisti para que se chamasse assim. É uma pessoa vendendo o seu peixe”
6 - Expirou. Tulipa: “Fala dessa nostalgia de um tempo que não vivemos” 
7 - Jogo do Contente. Tulipa: “É pensar positivamente. Uma autoajuda-fitness” 
8 - Virou. Tulipa: “Essa música, para mim, é uma pororoca de linguagens decorrente desse encontro nosso e Felipe e o Manoel Cordeiro” 
9 - Físico. Tulipa: “O Gustavo enviou um tema instrumental e, no refrão, eu só lembrava de Physical, de Olivia Newton-John”
10 - Oldboy. Tulipa: “É um resultado de uma madrugada reflexiva”
Gustavo: “Foi a última música a entrar no disco”
11- Algo Maior. Tulipa: “É a música textura. Ela entra em você de outro jeito, não como canção. É com o Metá Metá e cria uma paisagem sonora.”

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